Dever público

Justiça manda Estado dar assistência a autistas em SP

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7 de março de 2002, 21h21

O Art. 227, “caput”, por outro lado, dispõe sobre o dever do Estado de dar proteção especial às crianças e aos adolescentes portadores de deficiência. Isso para não falar de todos os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Importante é ter isso em mente porque, embora não esgote o campo dos destinatários dos serviços de saúde e especiais na área do autismo, o universo infantil e adolescente compreende significativa parcela do todo. O Art. 3o. (ECA) prescreve que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, com proteção integral, assegurando-lhes todas as oportunidades para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. O Art. 4o. estabelece que é também dever do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes, dentre outros, à vida e à saúde. A garantia compreende a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública. O Art. 7o. determina: “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. Importante mesmo é o disposto no Art. 11, “caput”: “É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. $ 1o. A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado. $2o. Incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.”.

No próprio corpo do “Tomo 1 Caderno 4 do Fórum São Paulo Século XXI” (fls. 121/142v. dos autos de inquérito civil), publicado em suplemento no Diário Oficial do Estado no dia 6 de junho de 2000, sob responsabilidade conjunta da “Assembléia Legislativa de São Paulo”, do “Seade — Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados”, do “Fórum Século XXI” e do “Governo do Estado de São Paulo” ficou consignado (fls. 86 do suplemento — fls. 130v.) que a Constituição Federal de 1998 determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios cuidarem, da educação e da saúde das pessoas portadoras de deficiência, garantindo-lhes assistência e proteção, tanto para as moradoras de áreas urbanas, quanto para as de áreas rurais. Definiu ainda deficiência como “perda total ou parcial de estrutura ou função fisiológica ou psicológica”, aduzindo conceitos de “incapacidade” e de “desvantagem”. Apesar de tal reconhecimento, verifica-se que o Estado, como já afirmado, não vem fornecendo o necessário cuidado aos autistas.

Da mesma forma, em novo suplemento do Diário Oficial do Estado, Seção I do Poder Executivo, datado de 08 de agosto de 2000, comemorativo dos 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, sob responsabilidade do “Governo do Estado de São Paulo” e da “Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social” (fls. 113/120v.) há o reconhecimento de forma plena, com base no Art. 4o. da Lei n. 8069/90, que é dever do poder público assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes, dentre outros, à vida, à saúde e à educação. Em seu parágrafo único estabeleceu-se que a prioridade absoluta compreende a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. A fls. 04/05 do suplemento, o próprio Estado reconhece como direitos a promoção, a proteção e a recuperação da saúde com acesso universal e igualitário a todas as ações e serviços (art. 11 do ECA). Outrossim, especificamente afirma ser direito das crianças e dos adolescentes a prestação de atendimento médico especializado e outros recursos para tratamento, habilitação ou reabilitação de portadores de deficiência (fls. 05 do referido suplemento).

O Art. 54 do ECA e o mencionado suplemento editado pelo Governo do Estado indicam que é dever do poder público assegurar “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência”.

Agora sob a égide dos diplomas internacionais de mencionar a “Convenção sobre os Direitos da Criança”, adotada pela Resolução n. L.44 — XLIV, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, que, em seu Art. 23 estabelece o reconhecimento pelos Estados-partes do direito da criança deficiente física ou mental de uma vida plena e decente, estabelecendo como princípio a gratuidade da assistência, visando assegurar o acesso à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, etc. Esta Convenção, bom de ser esclarecido, conceituou criança todo ser humano menor de 18 anos de idade (art. 1o.).


VI — DA LEGITIMIDADE PASSIVA — DO ESTADO DE SÃO PAULO

Primeiramente, cabe referenciar que o Art. 4o. Parágrafo 1o., da Lei Complementar n. 791, de 9 de março de 1995, estabelece que “por serem de relevância pública, as ações e os serviços públicos e privados de saúde implicam co-participação do Estado, dos Municípios, das pessoas e da sociedade em geral, na consecução de resultados qualitativos e quantitativos para o bem comum em matéria de saúde”.

Devemos salientar que o serviço a ser deferido aos autistas é especializado porque envolve diversas disciplinas seja no campo da saúde, seja no educacional, isto é, trata-se de sistema de alta complexidade, de responsabilidade da gestão estadual, nos termos do inciso VI do Artigo 15 da mencionada Lei Complementar. Além do mais, em seu § 1º encontra-se prescrito que o Estado é responsável pelas ações e serviços de saúde nos Municípios, no limite das deficiências locais. O Artigo 17, inciso I, da mesma forma, confere responsabilidade à direção estadual do “SUS” nas ações e serviços de assistência integral à saúde. O inciso II deste artigo (letra “a”) prescreve de forma clara que lhe compete, em articulação com os Municípios, “as medidas de proteção especial à criança, ao adolescente, ao idoso, ao portador de deficiência e à pessoa acometida de transtorno mental”. Importante mesmo é o teor da letra “b” que confere outras responsabilidades ao Estado: “o atendimento integral aos portadores de deficiências, de caráter regionalizado, descentralizado e hierarquizado em níveis de complexidade crescente, abrangendo desde a atenção primária de saúde até o fornecimento dos equipamentos necessários à sua integração social”. Assim, de ponderar-se que como o Estado recebe recursos do “SUS” deve responsabilizar-se também quanto à omissão neste âmbito. Além do mais, a omissão encontra-se no âmbito estadual.

Em igual direção encontra-se o Art. 17 da Lei n. 8080 de 19 de setembro de 1990.

A própria Constituição Estadual estabelece responsabilidades conjuntas do Estado e dos Municípios que deverão garantir, mediante o acesso universal e igualitário, o direito à saúde com atendimento integral do indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação (Art. 219, “2” e “4”). Tanto é verdade que o Artigo 222, “caput” e incisos IV e V estabelecem respectivamente: “As ações e os serviços de saúde executados e desenvolvidos pelos órgãos e instituições públicas estaduais e municipais, da administração direta, indireta e fundacional, constituem o sistema único de saúde, nos termos da Constituição Federal, que se organizará ao nível do Estado de acordo com as seguintes diretrizes e bases:

IV — universalização da assistência de igual qualidade com instalação e acesso a todos os níveis, dos serviços de saúde à população urbana e rural;

V — gratuidade dos serviços prestados, vedada a cobrança de despesas e taxa, sob qualquer títuto”.

Patente, pois, a responsabilidade do Estado quanto à matéria, bem como sua legitimidade passiva. Além do mais, a ausência de atuação Municipal na área enseja a obrigação de suprimento por parte do Estado de São Paulo, mesmo porque se trata de questão de saúde (educação e assistencial) de alta complexidade.

Por sua vez, a Norma Operacional Básica — SUS/1992, anexo I à Portaria n. 234-SNAS, de 07 de fevereiro de 1992, expressou em termos claros e precisos, a divisão das atribuições entre as instâncias do Sistema Único de Saúde, atribuições essas determinadas nos artigos 16, 17 e 18 da Lei n. 8080/90: “Traz (a Lei n. 8080/90), de forma muito clara, como incumbência primária do Município, a exceção das ações e a gestão dos serviços de saúde. Atribui aos Estados, neste particular, apenas o que o nível municipal for incapaz de assumir, e ao Ministério da Saúde apenas o que estiver acima do nível estadual de competência”. Depreende-se, pois, que sistemas mais complexos são de direta responsabilidade do Estado.

Importante, também, abordar a questão atinente ao “financiamento da Saúde”, previsto na Constituição Estadual e nas Leis ns. 8080/90 e 8689/93. Tais normas especificam quais os recursos destinados, em cada esfera de governo, ao custeio da seguridade social, em cuja área se insere a saúde.

Existe, assim, em cada instância política, um determinado orçamento, com destinação de recurso à área da saúde, pertencente à seguridade social.

Portanto, a matéria pode ser sistematizada da seguinte maneira: a) a responsabilidade quanto à saúde é do poder público, através do sistema único de saúde; b) o sistema único de saúde é informado pelo princípio de ‘descentralização’ com direção única em cada instância de Governo; c) compete à direção nacional do sistema único de saúde, primacialmente, o estabelecimento das diretrizes gerais; d) a execução propriamente dita das ações e serviços de saúde ficaram a cargo das instâncias ‘estadual e municipal’ do sistema único de saúde; e) cabe à direção ‘estadual’ do sistema único de saúde, executar ‘supletivamente’ ações de saúde, ou seja, as mais complexas e nas quais haja omissão dos Municípios.


Na hipótese em comento, portanto, tem-se caracterizada uma execução supletiva da instância estadual do sistema único de saúde, por se tratar de matéria complexa, consistente na disponibilização de serviço de assistência (saúde e educacional) aos autistas, providência esta que se torna inviável para cada um dos municípios e deve ser suportada pelo Estado de São Paulo.

Por último, a sanar todas as eventuais indagações, a Constituição Federal estabelece que é competência comum da União, .dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidarem da educação e da saúde das pessoas portadoras de deficiência. Aqui, obviamente, a questão encontra solução de forma mais explicita, porquanto tratamos do conjunto deficiência, saúde e educação (Art. 23, II, da Constituição Federal).

V — DA COMPETÊNCIA E DA COISA JULGADA

A Lei da Ação Civil Pública e a Lei n. 9494/97 confundiu os efeitos da sentença com a jurisdição. O legislador não soube distinguir competência de coisa julgada. Ora, a imutabilidade de uma sentença não guarda relação com a competência do Magistrado que expede a sentença. Porém, os dispositivos sobre a matéria trazidos pela Lei n. 9494/97 são absolutamente inócuos, máxime porque o Código de Defesa do Consumidor não sofreu qualquer alteração em tal aspecto, já que a sua aplicação é integrada em relação à Lei da Ação Civil Pública.

Assim, o objetivo deste tópico, matéria que certamente é do conhecimento de Vossa Excelência, é explicitar que a competência do Juiz que aprecia e julga a causa não tem relação com os efeitos e conseqüências que uma sentença produz fora da Comarca em que foi proferida. Desta forma, exemplificando, uma sentença que proíba a fabricação e o comércio de um produto em todo Estado, terá efeito a nível estadual, o que não se confunde com a competência do Juiz para proferi-la que, no caso, seria o da Capital do Estado em que se concretizou o dano.

A questão do autismo, tratada está no âmbito estadual, a omissão e os danos conseqüentes ocorridos encontram-se em tal alçada, motivo pelo qual competente para aprecia-la é de um dos Juízes da Capital do Estado, mais especificamente de um dos Magistrados de uma das Varas da Fazenda Pública. Aliás, neste aspecto é totalmente aplicável o inciso II, do Art. 93 da Lei n. 8078/90. Outra coisa será o efeito de seu r.decisório, ressalte-se.

Por último, para melhor exemplificar a matéria, deve ser trazida à colação a seguinte passagem da obra de Hugo Nigro Mazzilli, “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, Ed. Saraiva, fls. 148): “Enfim, não custa insistir, não se podem confundir os efeitos que uma sentença pode produzir em todo o País, com a jurisdição, que o juiz pode não ter sobre todo o território nacional. Assim, para proibir a comercialização ou a fabricação de um medicamento no país, será preciso ajuizar ação no Distrito Federal; mas para impedir a fabricação de um produto onde atualmente esteja sendo produzido, a ação será ajuizada na Comarca onde se situe a empresa produtora; em ambos os casos, porém, os efeitos das sentenças vão ser sentidos em todos os lugares do País”.

VI — DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de São Paulo requer a citação do ESTADO DE SÃO PAULO (FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE SÃO PAULO), na pessoa do Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado, em seu Gabinete localizado na Av. São Luiz, n. 99, 4o. andar, nesta Capital, para que, conteste, no prazo legal, a presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia (CPC, art. 319), que deverá ser julgada inteiramente procedente, para condenar o ESTADO DE SÃO PAULO (Fazenda Pública Estadual de São Paulo) às obrigações de fazer, nos seguintes termos:

# 1 — arcar com as custas integrais do tratamento (internação especializada ou em regime integral ou não), da assistência, da educação e da saúde específicos, ou seja, custear tratamento especializado em entidade adequada (não estatal, portanto, já que não existe com tais características uma única no âmbito do Estado) para o cuidado e assistência aos autistas residentes no Estado de São Paulo que, por seus representantes legais ou responsáveis, comprovem mediante atestado médico tal condição (de autista), documento este que deverá ser juntado a requerimento endereçado ao Exmo. Secretário de Estado da Saúde e protocolado na sede da Secretaria de Estado da Saúde ou encaminhado por carta com aviso de recebimento (endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, n. 188). A partir da data do protocolo ou do recebimento da carta registrada, conforme o caso, terá o Estado o prazo de trinta (30) dias para providenciar, às suas expensas, instituição adequada para o tratamento do autista requerente. A instituição indicada ao autista solicitante pelo Estado deverá ser a mais próxima possível de sua residência e de seus familiares, sendo que, porém, no corpo do requerimento poderá constar a instituição de preferência dos responsáveis ou representantes dos autistas, cabendo ao Estado fundamentar a inviabilidade da indicação, se for o caso, e eleger outra entidade adequada.


O regime de tratamento e atenção em período integral ou parcial (ou internação especializada) deverá ser especificado por prescrição médica no próprio atestado médico antes mencionado, devendo o Estado providenciar entidade com tais características. Após o Estado providenciar a indicação da instituição deverá notificar o responsável pelo autista, fornecendo os dados necessários para o início do tratamento. Tudo isso até que o Estado, se o quiser, providencie unidades especializadas próprias e gratuitas (e não as existentes para o tratamento de doentes mentais “comuns”) para o tratamento de saúde, educacional e assistencial aos autistas, em regimes integral ou parcial (ou internação especializada), porquanto o Ministério Público e o Poder Judiciário não podem indicar os modos e os meios pelos quais o Poder Executivo deverá cumprir tais obrigações.

No caso, está-se apenas, considerada a clássica divisão dos poderes do Estado estabelecida constitucionalmente, reconhecendo a existência de um direito e da obrigação conseqüente. Os modos e os meios de cumprimento (convênios — inclusive com municípios -, organização de entidades estatais que prestem os serviços especializados diretamente, pagamentos individualizados, “ONGs” etc) devem ser eleitos pelo poder executivo, dentro do âmbito — agora sim tem cabimento tal forma de argumentação — da denominada discricionariedade administrativa. O que não pode permanecer inalterada é a omissão estatal, já que o Estado ora nega eficácia a normas legais e constitucionais. Fornecer diretamente ou através da iniciativa particular é opção do Estado; que, no entanto, não tem a opção de não fornecer, de forma gratuita, o serviço especializado tão essencial.

# 2 — ao final, nos termos do Art. 11 da mencionada Lei, deferido o pedido, requer-se seja o requerido condenado ao cumprimento das diversas obrigações de fazer já especificadas, determinando-se o cumprimento das atividades devidas, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações antes mencionadas, quantias que deverão ser revertidas para o fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo Art. 13 da Lei Federal n. 7347/85.

O atendimento aos autistas guarda estreita relação com a manutenção da vida e da saúde, o que é sempre relevante e urgente. Diante da urgência reclamada pela hipótese, aguarda-se a concessão liminar da antecipação da tutela pretendida, inaudita altera parte, nos termos do disposto no artigo 273, inciso I do CPC e artigo 84, Parágrafo 3o., do Código de Defesa do Consumidor, aplicável por força do artigo 21 da Lei n. 7347/85.

A antecipação da tutela urge e impera, porquanto o provimento da pretensão a final poderá ser inócuo para prevenir os danos causados aos autistas, muitos deles no momento vivendo em “cercadinhos” como se fossem animais, despidos de qualquer possibilidade de progresso e tratamento. Relevante é o fundamento da lide, pois presentes estão o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”.

Presentes a aparência do bom direito e o perigo da demora. Conforme já foi exaustivamente ressaltado, a prestação do serviço de saúde é de relevância pública, e por isto o requerido deve prestá-lo de modo apropriado aos usuários. Antes de tudo, porém, o poder público deve oferecer o serviço e não deixar uma parcela da população desamparada. A obrigação da prestação adequada desse serviço essencial é princípio que deve ser cumprido plenamente a satisfazer a demanda. Neste sentido o art. 22 da Lei n. 8078/90, conforme já colocado, segundo o qual “Os órgão públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único — Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código”.

O perigo da demora também está suficientemente ressaltado nesta petição inicial. Existe justificado receio de ineficácia do provimento final, razão pela qual é preciso que seja concedida liminarmente e com urgência a medida pleiteada. Há sério risco à vida e à saúde dos autistas, não é possível deixar perpétua a situação exposta, pois os danos estão ocorrendo a cada momento, seja com relação aos autistas há muito tempo diagnosticados positivamente — porquanto perdem a oportunidade de uma melhor adaptação com o meio e os conseqüentes progressos e qualidade de vida — seja com relação a crianças que no momento estão sendo entendidas como tal e que não dispõem de qualquer opção pública de tratamento adequado.


É por tais motivos, ou seja, em situações dramáticas como a presente, que o Código de Processo civil fornece meios ao Juiz para antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela objetivada.

Conforme leciona Cândido Rangel Dinamarco (“Tribunal da Magistratura”, 337, Caderno de Doutrina/julho e agosto 1998): “Como por diversos modos o tempo pode conduzir à frustração dos direitos das pessoas que buscam tutela através do processo, variados são também os instrumentos que ao longo dos séculos se excogitaram para neutralizar esses efeitos perversos. Há direitos que sucumbem de modo definitivo e irremediavelmente quando a tutela demora, mas há também situações em que, mesmo não desaparecendo por completo a utilidade das medidas judiciais, a espera pela satisfação é fato de insuportável desgaste, em razão da permanência das angústias e incertezas. Há também o desgaste do processo mesmo, como fator de pacificação com justiça, o que sucede quando o decurso do tempo atinge os meios de que ele precisa valer-se para o cumprimento de sua missão social (prova e bens). Desde a complicação das formas, excesso de atos e de recursos, até a simples demora judicial na tramitação dos feitos e oferta da tutela — tudo conjura contra a efetividade do sistema e, para o combate a cada uma dessas causas, certas medidas são bastante conhecidas e algumas são também antigas (…)” . “ Um direito é mortalmente atingido, quando as demoras do processo impedem qualquer utilidade do provimento que ele produziria”.

Na hipótese em apreço, caso não seja concedida a antecipação da tutela pleiteada, a pretensão dos autistas e de seus familiares será mortalmente atingida, pois sendo os primeiros destinatários de serviços especiais de saúde, educacional e assistencial especializados, não podem aguardar o lento tramitar do processo para somente a final, se a ação for julgada procedente, vencidos todos os recursos, obter o benefício. Incalculável o prejuízo que seria alcançado, seja no que concerne ao progresso pessoal, à integração, à saúde, à educação, enfim, à vida.

Em caso do deferimento da tutela antecipada, não havendo atendimento integral por parte do requerido dentro do prazo fixado, aguarda-se a cominação de multa diária de R$ 50.000,00, ou outro valor a ser arbitrado por Vossa Excelência, na forma do Parágrafo 2o. do Artigo 12 da Lei n. 7.347/85 (Parágrafos 3o. e 4o. do Art. 84 do Código de Defesa do Consumidor).

Requer-se, por fim, que as intimações do Ministério Público sejam realizadas pessoalmente (Promotor do GAESP), na forma da lei, na Rua Riachuelo, n. 115, 1o. andar, salas 38 e 39, Centro, São Paulo.

Protesta-se pela produção de provas, por todos os meios admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além de oitiva de testemunhas e peritos, caso se faça necessário.

Em virtude de expressa previsão legal de dispensa de custas, tanto para o demandante quanto para o demandado, e da vedação constitucional ao recebimento de honorários advocatícios por parte do Ministério Público, deixa-se de postular nesse sentido.

Dá-se à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Termos em que,

P. e E.

Deferimento.

São Paulo, 26 de outubro de 2000.

João Luiz Marcondes Júnior

César Pinheiro Rodrigues

Promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor — GAESP — Órgão de Execução do Ministério Público do Estado de São Paulo — Rua Riachuelo, n. 115, 1º andar, salas 38 e 39, Tel. 3119-9090.

Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2002.

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