Controle social

Promotor defende controle social do Judiciário e MP

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6 de março de 2002, 15h54

Na verdade restringir o conceito de justiça a Poder Judiciário e Ministério Público é uma visão meramente cultural, mas equivocada. O Legislativo faz justiça quando elabora boas leis; o Executivo também faz justiça quando executa boas medidas; as Escolas fazem justiça quando formam bons cidadãos, a imprensa faz justiça quando publica boas reportagens e muitos outros segmentos também fazem justiça.

É comum na área jurídica reclamar do excesso de processos e da falta de verba. Contudo, o que se faz necessário é mudar os paradigmas da administração jurídica. Se continuar da forma que o corporativismo jurídico vem conduzindo o Ministério Público e o Judiciário, será necessário dividir o orçamento do Brasil entre os mesmos, não sobrando mais nada para os demais setores, afinal sustentam que o importante é fazer justiça de papel.

Enquanto a imprensa e a sociedade discutem a lentidão da justiça brasileira, nas Instituições jurídicas são poucos os interessados em debater o tema, pois são vistos como criadores de problema, a única solução que interessa aos conservadores é criar cargos. A criação de cargos é feita através da Lei Orgânica, sem discussão com a sociedade e até mesmo com as bases das carreiras, e que participam parentes dos futuros candidatos aos cargos e donos de cursinhos para concurso. Alguns dirigentes jurídicos também acreditam que quanto mais juízes e promotores nomearem em seus mandatos terão maior influência sobre os mesmos. Há também pressão interna, pois a única forma de alguém sair das comarcas pequenas e ir para as cidades maiores é criar cargos nestas cidades.

Afinal criar solução para o povo é criar problema para a classe jurídica, pois o cidadão tem que ser estimulado a jogar na loteria jurídica para que os juristas possam lucrar com o caos. Em suma, espalham vírus da lentidão processual e do litígio e vendem seus remédios. Ou seja, tratar sempre, mas curar nunca.

Querem agilizar os processos? Basta alterar um único artigo do Código de Processo Civil, o art. 447, transportando as audiências de conciliação para antes da contestação e delegá-las para assessores. Isto resolveria 60% dos processos em menos de sessenta dias. E ainda passar para o Juizado Especial as causas de família remunerando os juízes leigos, muito mais barato e rápido.

Reclamam do excesso de processos, mas não publicam a produtividade de cada promotor e juiz na Internet para o povo ver quem não trabalha. Não priorizam as ações coletivas (que resolvem milhares de problemas em uma única ação, mas segmentos do Judiciário, com ciúme do Ministério Público ficam discutindo questões processuais de legitimidade)

No ano de 2000 foram 10.000 ações trabalhistas nos Estados Unidos, enquanto no Brasil foram 4.000.000 (quatro milhões). É claro que ocorreram conflitos de origem trabalhista no mundo norte americano, mas buscam outras formas de solução extrajudicial e até mesmo a prevenção.

Na França existem apenas 9000 magistrados, destes 1500 promotores, além de 900 juízes administrativos (similar aos federais). Na Alemanha existem aproximadamente 160.000 juízes, mas quase 90% são juízes leigos, de paz e arbitrais. Outro dado é que na Europa, em geral, juízes e promotores são tratados como magistrados e formam na mesma escola, aprovados em uma espécie de vestibular para serem alunos, escolhendo a carreira após o término do curso de acordo com a classificação. Um sistema muito mais profissional do que o do Brasil onde já se assume o cargo após meras provas intelectuais, muitas vezes feitas de forma amadora, sem critérios técnicos e transparentes.

Na Inglaterra, existem apenas 1800 juízes judiciais, e mais de 20.000 juízes leigos. Portanto, no resto do mundo são poucos juízes judiciais. Quando se diz que na Alemanha existe um juiz para cada 5000 habitantes não é um juiz judicial. Seria um absurdo imaginar que uma cidade brasileira de 15.000 habitantes tivesse que ter três juízes e três promotores.

No Brasil, o processo transforma o réu em vítima, como se o autor da ação tivesse recorrido ao Judiciário para lazer. Na Itália os estudos comprovaram que 85% das ações são procedentes, o que significa que a grande vítima é o autor da ação, que teve o seu direito violado. O que ocorre é que existe uma indevida reserva de mercado para bacharéis em Direito, pois todo cidadão deveria ter o direito de fazer o concurso para juiz ou promotor e se aprovado é porque tem conhecimento jurídico e social.

Afinal para atuar em varas de família, de acidentes de trânsito e avaliar questões constitucionais como intimidade, harmonia entre os poderes, função social, não precisa ser formado em Direito.

E se realmente os profissionais jurídicos têm conhecimento, certamente ocuparão todas as vagas do concurso. Mas o fato é que há 1.000.000 (um milhão) de bacharéis em Direito e destes aproximadamente 500.000 são advogados, logo precisam gerar um mercado de trabalho. Somos o país que proporcionalmente mais tem bacharéis em Direito, e temos a maior desigualdade social. Isto corrobora o entendimento de que não é fornecendo Diploma de Direito que se faz justiça.


Outro fator curioso é que na área jurídica o importante não é a realização, mas o cargo. Se estudarmos o currículo de quase todas as autoridades jurídicas veremos que poucos fizeram alguma coisa relevante, a maioria apenas ocupou cargos. E apesar de ser comum dizerem que são paladinos da justiça e sabedoria, veremos que na área jurídica é difícil encontrar alguém que tenha um passado de lutas sociais e destaque intelectual, em geral repetem conceitos criados por terceiros sem análise crítica. A maioria quer o status e o poder sem controle social, e usam a forma eufêmica de “fazer justiça”.

As camadas sociais de outrora que compravam títulos de nobreza, hoje adquirem diplomas de Direito que lhes assegura uma reserva de mercado sem competição, pois menos de 7% da população tem acesso às universidades. Exigir diploma para concurso público é atender aos interesses das corporações, pois bastaria a seleção ser mais completa e avaliar os reais conhecimentos. Entretanto, no tocante específico ao Judiciário, é mais grave. Pois seria o mesmo que exigir diploma superior de administrador público para ser chefe do Executivo.

A esmagadora parcela dos casos que tramitam no Judiciário são causas repetitivas. Funciona assim: os advogados ou os promotores mais estudiosos desenvolvem as teses e os outros ficam copiando. Em razão disso não há interesse da classe jurídica em auxiliar o Legislativo em fazer boas leis, pois quanto a maior lacuna na lei, mais importante fica a função do intérprete.

Questões altamente complexas e técnicas como referente a computadores não está a estrutura jurídica tradicional preparada para julgá-las, inclusive é até comum encontrar juízes e promotores que nem sabem ligar um computador.

Quer algo mais democrático e eficiente do que a possibilidade de as partes escolherem o árbitro que decidirá o caso? Isto ocorre no juízo arbitral. Mas como não precisa ser formado em Direito e nem ser advogados, o sistema é boicotado pela classe jurídica. Ambos os sistemas, arbitral e judicial, devem coexistir e o cidadão deve ter o direito de escolher baseando sua decisão em critérios como confiança e eficiência. Após pesquisas informais em dez universidades “jurídicas”, constatamos que os “estudantes” não sabiam o que era um juízo arbitral.

A rigor, estudar Direito deveria ser desenvolver atividades para identificar fatos e apresentar soluções, seja no Judiciário, Legislativo e até no Executivo. Aliás, a maior parte dos direitos quem cria é o Legislativo, pois somos um país codificado. Mas a nobre função jurídica transformou em mero despachante judicial, vivendo da burocracia processual.

O próprio Executivo tem feito várias tentativas de reduzir a sua parcela de culpa pelo acúmulo de processos, como criação dos juizados especiais (discriminados pelos juristas conservadores e elitistas), que dispensa o precatório e o recurso automático em valores pequenos, implantação de súmulas administrativas para si e evitando recursos desnecessários. Realmente o que inspira o Executivo são as exigências externas como os estudos do Banco Mundial, mais pelo menos é inerte do que a maioria dos setores jurídicos.

Permitir à justiça agir sem limites e sem controle social é possibilitar a criação de regras personalizadas. E se a lei não pode retroagir para prejudicar o réu, não seria crível imaginar que a sentença poderia retroagir sem limites, pois isto traz a insegurança social. Como diz Nobberto Bobbio, é melhor um governo impessoal de leis do que um governo pessoal de homens (sentença).

No Brasil, não se discute o direito material, a quase totalidade das questões que chegam aos tribunais é sobre processo. E os tribunais brasileiros escolhem entre as teses desenvolvidas pelas partes, mas não colocam como se assim o fosse, nem as citam. De forma diferente dos tribunais americanos, que fazem referência às partes e suas teses.

Respeitando posições contrárias, mas ser contra a súmula vinculante é o mesmo que ser a favor de que cada Deputado Federal faça um código civil, ou seja, teríamos 513 Códigos Civis e instalaríamos o caos, como ocorreu na área judicial. O problema é estudar meios de trocar a cúpula periodicamente para oxigenar os entendimentos, um mecanismo que existe até nas Forças Armadas mediante a reforma do militar, mas no meio jurídico é somente aos 70 anos de idade.

O rodízio na cúpula já existe na área eleitoral e dos juizados especiais e funcionam muito bem. Isto significa horizontalizar o sistema jurídico, em vez de ser vertical, o qual não permite que as mazelas sejam expurgadas, pois os substitutos serão escolhidos pelos substituídos, em um continuísmo coronelista.

Também precisamos rever a questão do direito adquirido e adequá-lo à nova ordem social, que não pode permitir que o direito individual sobreponha ao interesse coletivo e à moralidade. Pois a classe excluída não tem direito adquirido, nem direito a ser exercido. É claro que isto soa como um atentado aos dogmas defendidos por setores ortodoxos da área jurídica, pois lotearam os serviços estatais e sociais e excluíram mais da metade da população brasileira, a qual não tem direito algum, a não ser o de lutar pela sobrevivência em condições sub-humanas.


Enquanto a sociedade quer resultados, os juristas ortodoxos estão preocupados com a margem das peças, se há citação de doutrinas e outras coisas formais. Palavras como produtividade, complexidade, quantidade soam como palavrões para uma classe que parou no latim em pleno mundo plugado na Internet. É preciso criar um sistema de avaliação que meça os resultados, seria o QQC (qualidade, quantidade e complexidade) e não o primário critério de citar número de processos parados, pois isto não é excesso de serviço, e sim falta de produtividade.

Pagar altos salários a um juiz ou promotor para ficar batendo carimbos em ações de divórcio amigável, inventários sem conflito, furtos simples, chega a ser desumano em país que falta escola, hospital e segurança pública. O juiz no Brasil passa mais tempo despachando do que sentenciando, o que é um desvio de função, pois despachos podem ser feitos por assessores.

Alguns setores judiciais aumentaram a despesa em até mais de 6 vezes desde 1988, sem apresentar um resultado eficiente, portanto não basta apenas aumentar a disposição de recursos. Se estados como São Paulo têm mais processos também têm maior orçamento, e o quociente de 6% é suficiente. O erro da escolha da administração ao fazer escolha por trabalhar artesanalmente não pode ser pago pelo povo e pelo dinheiro público.

O orçamento para estas Instituições é extremamente suficiente basta implantar o gerenciamento e internet, no primeiro seriam criados cargos de assessores concursados para fazer atividades menos complexas e no segundo acabariam as ilhas administrativas com a interligação. O problema não é falta de dinheiro, mas falta de acabar com a forma artesanal de trabalhar. A questão que dificulta é a vaidade pessoal destes profissionais que criaram feudos com base em uma crença que são a representação divina na terra e para não terem tempo de fazer o trabalho mais complexo, acumulam em si atividades mecânicas como despachos ordinatórios (ao, ao, ao, … ao autor, ao réu, ao promotor).

O trabalho que atualmente é feito consumindo 45.000 reais mensais pode ser feito custando apenas 15.000 reais mensais e produzindo cinco vezes mais. Isto sem avaliar o custo indireto onde economistas projetam que o custo social pela lentidão na solução de conflitos chega a 20% do PIB.

Dados do IBGE indicam que menos de 30% da população brasileira tem acesso ao Judiciário, logo é uma estrutura elitista. Precisamos inclusive rever a questão dos cartórios previstos pelo art 236 da CF, que sobrevivem de um monopólio e da burocracia. Os registros de imóveis e de pessoas naturais e jurídicas devem ficar com o Estado, em nível estadual ou federal, por ser questão de segurança pública.

Os Estados Unidos consumindo menos do seu PIB (Produto Interno Bruto) do que gastamos no Brasil com sistema jurídico, em relação ao nosso PIB, consegue ter um serviço muito melhor do que o brasileiro, .

O processo gira em torno do magistrado com atividades burocráticas, sem caráter decisório, em vez de ser gerenciado e ter como centro de gravidade as partes.

Se a classe jurídica não sabe administrar, a solução será a que foi adotada nos Estados Unidos e na Espanha, onde administradores jurídicos com formação específica universitária exercem esta função.

De forma demagoga alguns juristas colocam a Constituição Federal como intocável. Mas onde está o cumprimento do princípio da eficiência no Ministério Público e Poder Judiciário? Quais teriam coragem para permitir uma auditoria externa e independente? Até hoje não se implantaram as escolas de promoção prevista no art. 39, parágrafo 2º, da Constituição. Especializam as varas e promotorias, mas não se exige cursos próprios!! Bastaria fazer provas para as promoções para acabar com o “mendigamento” interno de votos. Curioso ver juízes e promotores se auto-proclamarem independentes, mas concordarem com reuniões secretas da cúpula, votos secretos e sem fundamentação.

Até acho que como os cargos são públicos deveriam passar por avaliação social de tempos em tempos e inclusive por novas provas. Se o importante é a imparcialidade, esta advém mais da permanência por um tempo previamente definido do que pela vitaliciedade. Pois em razão disto, alguns acham que são donos do Poder Judiciário e do Ministério Público em uma espécie moderna de coronelismo, condenando os que ousam discordar, usando-se de um falso processo formal, mas tendencioso, iniciado e julgado por uma classe jurídica que tem interesse em coibir os questionamentos. Uma forma de silenciar mais sutil do que a da ditadura militar. Afinal durante a inquisição também existia o processo para “defesa”. A censura pode ser feita de várias formas.

Como pode o Judiciário julgar a si mesmo? Ser réu e julgador ao mesmo tempo? Precisamos criar urgentemente o Conselho Constitucional nos moldes do modelo europeu, composto por mandato certo e com integrantes de todos os poderes sociais e estatais, para evitar os conflitos entre os poderes através de decisões colegiadas.

É preferível que dependam do povo, que prestem contas da produtividade, que façam consultas públicas sobre sugestões administrativas, audiências públicas para discutir a administração e fazer avaliação dos magistrados e promotores, não precisa ser eleição, pois hoje já existem outros meios de participação popular.

O importante é acabar com a caixa-preta e com concursos sem critérios objetivos, os quais como são feitos e fiscalizados pelos mesmos que julgarão os seus atos, seria necessário terceirizar a execução deste processo para evitar a parcialidade.

O controle social do Poder Judiciário e do Ministério Público é algo extremamente necessário. Mas a maioria dos juízes e promotores acha que faz um favor para a sociedade e preocupa-se apenas com os seus salários e promoções na carreira.

Felizmente, há grupos que diferem deste comportamento egoístico dentre os quais os membros do “Movimento Juízes para a Democracia” e “Ministério Público Democrático”. Não basta exigir que o povo nos ouça e obedeçam as decisões jurídicas, é preciso ouvir as pretensões sociais, senão implantamos a ditadura da toga. Mais importante do que democracia na escolha dos dirigentes é a democracia na condução das instituições. Ainda há esperança.

Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2002.

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