Prorrogação da CPMF

Advogado paulista critica prorrogação da CPMF

Autor

4 de março de 2002, 12h16

Vamos fazer um exercício de imaginação. Suponhamos que o governo resolva cobrar imposto sobre o número de passos que uma pessoa dá entre sua casa e um estabelecimento comercial qualquer para comprar alguma coisa. Assim, uma pessoa que chegasse a uma padaria, para comprar pães, pediria a mercadoria e o vendedor lhe perguntaria quantos passos ela deu entre sua casa e o estabelecimento e cobraria o pão e o imposto — R$ 2,00 dos pães e mais R$ 0,50 correspondentes aos 500 passos dados.

Vamos imaginar outra situação, na qual o governo cobraria um tributo de, digamos, R$ 10,00 a cada uma das vezes que alguém recebesse um salário. Assim, independentemente do valor do salário, uma pessoa que recebesse semanalmente pagaria R$ 40,00 por mês (quatro vezes R$ 10,00), enquanto quem recebesse salário mensal pagaria apenas R$ 10,00.

Essas situações imaginárias parecem um absurdo especialmente porque para que se cobre qualquer tributo é necessário que haja um sentido econômico naquilo que dá razão ao tributo. Andar para comprar um pãozinho e receber um valor qualquer em um certo número de prestações não são fatos econômicos. São meios para que o fato se concretize. Do mesmo modo que não interessa ao leitor se esse artigo foi digitado em um computador ou escrito em uma velha máquina de escrever. O importante é o resultado final.

O que é razoável é que se cobrem tributos sobre fatos economicamente avaliáveis, como receber uma renda qualquer (IR), possuir bens (IPTU/IPVA), ou comprar algo (ICMS, que está embutido no preço das mercadorias). Os passos que alguém dá para ir comprar algo não são avaliáveis economicamente e, portanto, não servem de parâmetro para se cobrar impostos.

Apesar de os exemplos serem muito gritantes, é claro que, não havendo um fato que importe na circulação ou manutenção de valores ou bens, a cobrança de tributos é impossível. Imaginemos outra situação: você vai ao banco, saca R$ 50,00, põe o dinheiro no bolso da calça e o esquece lá. No final do dia, você põe a calça na máquina de lavar sem conferir o conteúdo dos bolsos. A nota de R$ 50,00 vira pó. Você perdeu os R$ 50,00 e não realizou nenhum fato que possa ser considerado economicamente. Mesmo assim, por incrível que pareça, nessa operação você pagou um tributo, a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

Do mesmo modo em que dar os passos para comprar algo é meio, sacar dinheiro de uma conta corrente também o é. Se a pessoa sacou o dinheiro e comprou alguma coisa, trata-se de uma atividade econômica. Sacar o dinheiro é apenas um recurso utilizado para comprar aquele objeto, como o é andar até a loja, provar uma roupa ou qualquer coisa do gênero.

Portanto, por mais esdrúxulos que tenham sido os exemplos iniciais, percebemos que algo semelhante está sendo feito aqui no Brasil.

Durante muito tempo, o governo tentou defender a CPMF, dizendo que ela é fundamental para investimentos na área de saúde e para a Previdência, apesar de também dizer que a Previdência tem recursos próprios. Ao iniciar a cobrança do tributo, em janeiro de 1997, o governo anunciou que a CPMF vigoraria por um prazo curto de tempo (um ano). Teria caráter excepcional e contingencial – até que o governo pudesse por ordem na área da saúde. Haja contingência!

Ano após ano, o governo vem prorrogando a CPMF, que, conforme vimos, não incide sobre nada. Sacar dinheiro da conta corrente não é nada e não tem fundamento servir de base para um tributo.

Por outro lado, o cidadão já não sabe direito o que vem sendo feito com o dinheiro da CPMF. Se a idéia era que servisse emergencialmente para a saúde por que a saúde continua tão deficiente? Será que é por falta de planejamento?

Agora, a prioridade do governo no Congresso é a prorrogação da cobrança da CPMF. Com certeza, o Planalto vai conseguir. Afinal, o Congresso está na mão do Executivo. Aos cidadãos, basta anotar cuidadosamente o nome daquele parlamentar que autoriza esse confisco e dar o troco nas eleições de outubro.

Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2002.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!