Obrigação barrada

Juiz desobriga advogado de trocar carteira da OAB

Autor

1 de março de 2002, 16h33

O juiz da 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal Antonio Correa concedeu liminar para desobrigar o advogado Dagoberto Loureiro de fazer o recadastramento da OAB para obter nova carteira de identificação. O presidente da OAB, Rubens Approbato Machado, informou que vai recorrer.

A liminar beneficia apenas o advogado que entrou com Mandado de Segurança individual. Na Justiça, alegou que a confecção das novas carteiras proporcionará para a Ordem, somente em São Paulo, aproximadamente R$ 5 milhões. No Brasil inteiro, seriam arrecadados R$ 17 milhões.

“E a cada três anos, teremos a repetição da mesma garfada, a pretexto de se proteger a profissão da ação de criminosos, que se fazem passar por advogados, e de espertinhos, que suspensos ou eliminados, continuarão no exercício da advocacia, denegrindo o conceito e o prestígio dos causídicos remanescentes”, disse o advogado.

O juiz acatou o argumento e suspendeu a obrigatoriedade da carteira para o advogado.

Veja a liminar

PODER JUDICIÁRIO

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL 2002.34.00.003800-2

IMPETRANTE: DAGOBERTO LOUREIRO

IMPETRADO: PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

DECISÃO

1. A Ordem dos Advogados do Brasil, pelo seu Conselho Federal, atento ao problema da falsificação de assinaturas por terceiros, não habilitados, que através delas conseguem fazer incidir em erro servidores públicos e obtém a posse de processos judiciais para destruí-los ou então entrar em presídios levando armas e celulares para condenados, que com elas provocam rebeliões e outras convulsões sociais que intranqüilizam a sociedade, adotou fórmula para combater tal atividade;

2. Consiste em ordenar compulsoriamente para todos os advogados inscritos substituírem as carteiras profissionais por outro modelo contendo barra de leitura ótica por computador que permita a identificação da validade da inscrição, se está em vigor, suspensa ou cancelada, de modo que, a juízo dos dirigentes do ente de fiscalização da classe ou atividade profissional, seria impedida a atividade delituosa dos terceiros;

3. Fez editar a Resolução n. 3, de 8 de outubro de 2001, publicada no Diário Oficial da União de 5 de novembro de 2001;

4. Advogado inscrito sob n. 20.522, junto à Seção de São Paulo, impetra o presente mandado de segurança, por entender ilegal a determinação do Conselho Federal, especialmente no que se refere a um dos artigos, cuja disposição afirma que:

“Art. 2.º As carteiras e os cartões atuais serão substituídos até 31 de dezembro de 2002.

§ 1.º… (omissis)

§ 2.º As despesas decorrentes da substituição dos documentos de identidade profissional correrão por conta do Advogado ou do estagiário inscrito.”

5. O impetrante sustenta na bem elaborada inicial que

“a preocupação do órgão é comovente, pois a alteração alvitrada proporcionará uma arrecadação extraordinária, só na Seccional de São Paulo, com quase 160.000 advogados inscritos, de aproximadamente R$ 5.600.000,00 (cinco milhões e seiscentos mil reais), dinheiro que será subtraído dos associados, que poderiam usá-lo para o seu próprio bem-estar, seja em alimentos, seja em bens ou aplicações, ou brinquedos para seus filhos. Além disso, como os advogados não têm muito o que fazer, encontrarão ocupação e entretenimento entrando em filas para efetuar os respectivos requerimentos e pagamentos, de tempos em tempos, para terem a honra e o prazer de carrear recursos para os dirigentes da referida autarquia federal, que ficarão com o pesado fardo de gastar essa dinheirama toda”.

Seguiu,

“com os 500.000 advogados inscritos em todo o País, as caixas registradores das Seccionais da ordem dos Advogados do Brasil tilintarão incessantemente para colher, sem dar um único tiro, R$ 17.500.000 (dezessete milhões e quinhentos mil reais), num País que vive em tempos bicudos e trevos, com uma recessão e desemprego medonhos, lançando a maioria da população na mais completa miséria, desamparo e abandono”.

Completou

“e a cada três anos, teremos a repetição da mesma garfada, a pretexto de se proteger a profissão da ação de criminosos, que se fazem passar por advogados, e de espertinhos, que suspensos ou eliminados, continuarão no exercício da advocacia, denegrindo o conceito e o prestígio dos causídicos remanescentes, cuja honorabilidade e integridade, sem dúvida, merece proteção, mas não essa cogitada pelo digno órgão de classe”;

6. Ainda sustenta que é ilegal outra norma que apontou como sendo o

“Art. 5.º Nos termos do § 4.º do artigo 155 do Regulamento Geral, findos os prazos previstos nesta Resolução, como fixados pelo Conselho Pleno, os atuais documentos perderão a validade, mesmo que permaneçam em poder de seus portadores”;


7. Conclui pedindo a concessão de liminar, suspendendo do ato impugnado em todos os seus efeitos, valendo contudo para os novos advogados e estagiários inscritos, bem como para aqueles que espontaneamente desejarem fazer a renovação, devendo, afirmar serem válidas e legitimas as carteiras de identidade expedidos e em poder dos inscritos;

8. Pedido alternativo ainda busca a declaração de nulidade da Resolução e a restituição do preço cobrado dos advogados para a expedição de novos documentos por ela impostos, caso já tenha sido recolhida antes do julgamento da presente demanda, por motivos ou fatos supervenientes;

9. Assim colocada a questão, devo enfrentar de início que trata-se de mandado de segurança individual, o qual, portanto, somente irá decidir a situação do impetrante, não podendo, tal como pretende, que seja ampla e defina a situação de todos os Advogados inscritos, os quais poderão demandar individual ou coletivamente, por intermédio de associação que porventura exista e integre grande número deles;

10. Embora referindo-se a autarquia, é de conhecimento comum que o artigo 139 da Lei n.º 4.214/63 dispunha que “a Ordem dos advogados do Brasil constitui serviço público federal, gozando os seus bens, rendas e serviços de imunidade tributária total (art. 31, inciso V, letra “a” da Constituição Federal), e tendo estes franquia postal e telegráfica”, completando o § 1.º que “não se aplicam à Ordem as disposições legais referentes às autarquias ou entidades para-estatais”;

11. Mais adiante, no artigo 140, a referida lei dispunha que “A ordem tem a prerrogativa de impor contribuições, taxas e multas a todos os que exercem a advocacia no País”;

12. Completava o sistema o artigo 141, dispondo que “todos os inscritos na Ordem pagarão obrigatoriamente, a contribuição anual e taxas que forem fixadas pelas Seções”;

13. Com a promulgação da Lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994, no artigo 87, foi revogada expressamente a Lei n.º 4.215/63, de modo que a disciplina referida acima deve ser encontrada na nova lei, que vige neste momento e que deverá solucionar a pretensão deduzida no mandado de segurança;

14. A nova lei prevê, no artigo 46, que

“Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições e preços de serviços e multas”;

15. Enfrentando o tema “natureza jurídica da instituição” que figura na relação processual, o festejado Celso Antônio Bandeira de Mello ensina

“todas as autarquias são prepostas à realização de finalidades públicas, porém, algumas se destinam à prossecução de uma atividade específica… (…) O Conselho Federal dos Contabilistas, para tomar entidade de estrutura distinta, igualmente limita-se à regulamentação, fiscalização e defesa de uma dada classe e estritamente no que concerne aos aspectos profissionais. Existe, então para prosseguir objetivos compartimentados: um dentre os muitos que ao Poder Público assiste. A capacidade da pessoa, por conseguinte, é especializada a este departamento da atividade pública: administração do exercício de atividade profissional” (1);

16. Verifica-se, portanto, que sendo uma instituição de prestação de serviço público, precisamente a de fiscalizar o exercício da advocacia no País, organizada como descentralização administrativa estatal, mas sem ter os mesmos direitos que possuem as “autarquias”, as quais são subvencionadas pelo Poder Público e exercem atividades públicas por excelência, sem contudo o poder de prestar serviços para o público em geral e cobrar pelos serviços prestados;

17. O mesmo não ocorre com os seus membros, porque para serem admitidos no órgão fiscalizador como filiados e a partir da inscrição exercerem os direitos inerentes à função, dependem de provocar o referido registro, satisfazendo as taxas correspondentes e também de pagar, anualmente, uma contribuição;

18. Eventualmente, para exercer algum direito, sendo exigido documento relativo à regularidade da inscrição, podem requerer a expedição de certidões quando então devem pagar a taxa de expediente para a entrega do documento;

19. A Advogada Gisela Gondin Ramos ensina, ao comentar o artigo 46 da lei que disciplina a atividade, que

“o dispositivo estabelece a competência da OAB para a cobrança de contribuições, preços de serviços e multas aos seus inscritos, que representam a única fonte de receita da Instituição” (…) Preços – são as taxas cobradas pela prestação de serviços, tais como a expedição de certidões, autuações de requerimentos, processamento de petições e/ou recursos, etc.”(2)

20. Bernardo Ribeiro de Moraes critica os que confundem a “taxa”, que tem natureza jurídica tributária, com “preço público”, porque entende que este não pode ser tratado com matéria tributária. Distingue ambas afirmando que o conceito de “preço” consiste na “soma de dinheiro que voluntariamente se dá como contraprestação pela entrega de um bem, a concessão de seu uso, o gozo, a execução de uma obra, ou a prestação de um serviço de natureza econômica. O preço, portanto, expressa o valor do bem em lermos de moeda, em dinheiro. Público é adjetivo que faz referência à natureza da entidade ou pessoa que recebe o preço. Quando Público (Estado, órgão, estatal, empresa associada, concessionária ou permissionária), o preço é denominado preço público. Unindo os dois vocábulos componentes, temos o “preço público” que representa um preço, ou melhor, o número de unidades monetárias que o Estado (órgão público, empresa associada, permissionária ou concessionária) exige, do adquirente, pela venda de um bem material (produto, mercadoria ou simples bem material) ou imaterial (serviços, locação, etc.) “(3);


21. A questão posta na inicial é a seguinte: pode alguém que não solicitou um serviço, ser compulsoriamente obrigado a pagar por ele?;

22. Não há nenhum pedido formulado pelo impetrante junto ao Conselho Federal ou à Seção de São Paulo, no sentido de ser substituída sua “carteira de identidade” que foi obtida quando da inscrição. Ocorre, entretanto, que por conveniência da instituição, irá substituir as carteiras, fixando unilateralmente prazo de validade para as já expedidas e que foram pagas pelos adquirentes, mas, pela substituição exige novo pagamento;

23. Embora órgão equiparado a público, que presta serviços solicitados pelo público em geral ou pelo universo de seus integrantes, estando autorizada a cobrar por eles, não pode impor de forma coativa pagamentos, como ocorre na espécie;

24. Não há base jurídica para a exigência, surgindo, portanto, ato abusivo, que deve ser coarctado pelo presente mandado de segurança;

25. Duas questões estão postas, que são a exigência de substituição da carteira compulsoriamente, pela perda de validade da anterior, e a exigência de pagamento pela substituição. A primeira mostra-se ilegal porque, estando inscrito e tendo pago pela expedição de carteira de identidade profissional, esta tem validade ad tempus, que se interromperia apenas nas hipóteses do artigo 11 e 22 do estatuto. A segunda porque não pode ser retirada a validade do documento por ato unilateral, com imposição de substituição, mediante pagamento pecuniário;

26. Se não há lei permitindo, a amplidão dada aos regulamentos não autoriza a ação desencadeada pela autoridade coatora, que representa órgão colegiado. O Regulamento, aprovado em 4 de julho de 1994, disciplina sobre a identidade profissional nos artigos 32 a 36 e não faz referência alguma à possibilidade de ordenar a substituição do documento mediante pagamento, salvo nos casos em que perde validade pela ocorrência de circunstância especial, caso do estagiário que é elevado a Advogado ou em caso de cancelamento por incompatibilidade;

27. No Regulamento existe dispositivo transitório que fixou prazo de dois anos para a substituição dos documentos de identidade, não se sabendo se ocorreu ou não, tendo em vista ter-se findado o prazo em 6 de novembro de 1996. Deve ser ressalvado que no dispositivo não há autorização para a cobrança de qualquer valor pela substituição;

28. A deliberação do colegiado constitui símile de “ato de autoridade” tal como dispõe o artigo 1.º, § 1.º da Lei n.º 1.533/51. A ilegalidade do ato, é de conhecimento comum, pode surgir mediante abuso ou desvio de poder. Enquanto o abuso contrasta diretamente com as leis em vigor, o desvio pode vir sob forma mascarada que busca a aparência de validade, mas seus fins não se conformam com as leis;

29. Se há possibilidade de ser substituída a carteira de identidade, portanto legal a decisão, ela se desvia da legalidade quando exige pagamento de valores daqueles que serão atingidos pelo ato, que já cumpriram tal exigência quando a requereram e que estão sendo coagidos a pagar novamente, residindo nesta circunstância a ilegalidade;

30. Convencido da necessidade de ser impedida a ação da autoridade porque o impetrante poderá sofrer prejuízo irreparável porque, ao não se sujeitar ao pagamento o documento de identidade perderá a validade e ficará impedido de exercer o direito individual garantido pela Constituição no artigo 5.°, inciso XIII, configurando-se a relevância do direito invocado, merece ser protegido;

31. Concedo liminar, a qual consistirá em suspender os efeitos da Resolução nº 3, de 8 de outubro de 2001, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em seus artigos 2.º, § 2.º e 5.º, em relação ao impetrante que, a seu Juízo exclusivo, poderá prosseguir exercendo todos os direitos conferidos aos Advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, com base na inscrição e documentos de identidade em seu poder, sem o pagamento de qualquer taxa ou cumprir exigência complementar

32. Transmita-se o teor da presente decisão para a autoridade, a fim de que a cumpra. Na mesma ocasião, deverá ser notificada para prestar informações.

Intime-se

Brasília, 25 de fevereiro de 2002.

ANTONIO CORREA

JUIZ FEDERAL, Titular da 9ª Vara da

Seção Judiciária do Distrito Federal

Notas de Rodapé:

1 – Bandeira de Mello, Celso Antônio, Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, pág. 386, Ed. Revista dos Tribunais, 1968.

2 – Catarina, 1999.

3 – Ribeiro de Moraes, Bernardo, Compêndio de Direito Tributário, pág. 155, Forense, 1987.

Revista Consultor Jurídico, 1º de março de 2002.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!