Guerrilha urbana

Violência vai muito além dos ilícitos penais

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25 de maio de 2002, 8h03

A violência que tanto preocupa a população brasileira não será diminuída apenas com o emprego das forças policiais, endurecimento das leis, mudança na legislação penal e processual penal, Reforma do Poder Judiciário, extinção do Inquérito Policial, instituição dos Juizados de Instrução ou mesmo com o surgimento de novas forças de segurança como a guarda nacional seguindo-se o modelo americano. A modificação da realidade exige investimento nas pessoas que integram a coletividade e mudança de atitudes que impeçam o crescimento das organizações criminosas.

A imprensa todos os dias noticia atos ilícitos praticados pelas pessoas que abandonaram o Estado de Direito, o respeito ao próximo, e se dedicam à marginalidade. Dificilmente os jornais trazem notícias relatando a descoberta de uma nova vacina ou mesmo os projetos sociais que estão sendo desenvolvidos pelas diversas organizações não governamentais, que buscam minorar o sofrimento dos brasileiros menos afortunados, que vivem abaixo da linha de pobreza, tentando sobreviver com um salário mínimo de R$ 200,00 reais, inferior a US$ 100,00 dólares americano.

O mundo está preocupado com o conflito no Oriente Médio, mas como fica a guerrilha urbana que está sendo enfrentada pelos brasileiros, que se tornaram reféns das organizações criminosas em suas próprias residências, sujeitando-se muitas vezes ao toque de recolher que vem sendo imposto pelos traficantes como já noticiou mais de uma vez a imprensa escrita e falada.

No dia 10 de abril de 2002, o Jornal Cidade Alerta da Rede Record exibiu reportagem sobre as escolas que tiveram de fechar seus portões por determinação dos traficantes do Rio de Janeiro. Como fica o direito de ir e vir, que foi assegurado pela Constituição Federal de 1988 a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país?

A Comissão Mista de Segurança Pública do Congresso Nacional aprovou a unificação das polícias, o que tem sido considerado por alguns a salvação do sistema público. Será que a polícia do Estado conseguirá diminuir os índices de violência? Com a nova polícia os comerciantes estarão a salvo da possibilidade de roubos, furtos, ou mesmo de serem assaltados 26 vezes, como já foi noticiado pela imprensa ao analisar as deficiências do atual sistema de segurança.

As Cadeias Públicas e Penitenciárias estão superlotadas, mas será que todos as pessoas que possuem mandado de prisão expedido, ou sentença condenatória transitada em julgado, estão presas? Segundo o Estado de São Paulo em matéria publicada no mês de março de 2002, existem muitas pessoas que estão soltas quando na verdade deveriam estar respondendo pelo ilícito que praticaram, o qual na maioria das vezes é um crime grave, que fragilizou as vítimas.

O Código Penal não permite que o condenado primário e de bons antecedentes que tenha recebido uma pena até quatro anos seja levado a prisão. Mas como ficam àqueles que praticaram crimes hediondos e estão soltos ameaçando as pessoas trabalhadoras? Será que as vítimas serão plenamente protegidas pelo programa brasileiro de proteção às testemunhas?

A população vem respondendo cada vez mais com o pagamento de impostos, que estão representados pelo aumento da carga tributária, o que muitas vezes acaba sendo um desestímulo a produção e a geração de novos empregos. A classe média está cada vez mais sacrificada em nome de uma distribuição de renda, que deveria ser realizada por meio do trabalho e da concessão de oportunidades a todos os brasileiros.

Para ter acesso a educação de melhor qualidade e ao sistema de saúde, a maioria da população busca a iniciativa privada, tendo em vista as condições em que se encontra o sistema público, que é o responsável por essas áreas sociais. Segundo a imprensa, as pessoas estão morrendo nos hospitais a espera de atendimento no Sistema Único de Saúde.

Percebe-se que a violência que tanto atormenta a população não está centralizada apenas na prática de ilícitos penais, mas difundida em várias áreas, o que também assusta a comunidade, que não encontra um caminho que possa levar as transformações para a melhoria das condições do país, e do seu ingresso no primeiro mundo e não apenas na globalização, que beneficia poucos países, que são protecionistas, mas que apresentam um discurso liberal até o momento em que suas economias não fiquem sujeitas a competitividade. A questão do aço enfrentada recentemente pelo Brasil e a crise Argentina evidenciaram o significado da integração das diversas economias mundiais sobre a regência da Organização Mundial do Comércio (O.M.C).

O país passou e passa por modificações essenciais para o seu progresso tecnológico e impediram que este ficasse no núcleo do furacão econômico. Mas é preciso a busca de soluções que estejam centralizadas em nossos próprios problemas sociais. O fato de determinadas políticas terem produzindo resultados nos E.U.A, Reino Unido, Japão, Inglaterra e outros, não significa que também produzirão os mesmos efeitos no Brasil, que é um país continental, com oito milhões de quilômetros quadrados, com uma extensa faixa de fronteira, que teve particularidades em sua colonização, e passou por todo um processo de exploração, diversamente do que ocorreu em outros países onde seus colonizadores se fixaram à terra.

A polícia é a instituição mais importante no Estado de Direito, por ser a guardiã da lei e dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. A pessoa que ingressa nas forças policiais deve fazê-lo por vocação, e ter em mente que a causa do povo é a mais importante, o que distingue a importância deste profissional. Mas somente o emprego da força em nenhum momento da história resolveu, ou irá resolver, os problemas de uma coletividade que tem por o desenvolvimento econômico do país e um lugar entre as nações desenvolvidas.

Os conflitos sociais também devem ser resolvidos, com a adoção de políticas voltadas para as questões de saúde, educação, habitação, geração de empregos, controle de natalidade e melhoria das condições de vida. Onde existe o equilíbrio social, a participação efetiva da sociedade e do Estado, não existe espaço para as organizações criminosas.

A violência possui uma causa cujos efeitos até poderão ser combatidos com o emprego da coação, uso da força, por uma só polícia ou mesmo por diversos órgãos policiais, e quando extremamente necessário com o emprego das forças armadas, mas é preciso o estudo dos motivos que levam um cidadão a marginalidade, ou mesmo a se tornar um integrante de uma organização criminosa.

Nenhuma pessoa nasce criminosa ou com o objetivo de praticar a violência. As oportunidades ou mesmo as dificuldades poderão contribuir para a escolha de uma opção, o que mesmo assim não significa a adoção de um determinado projeto de vida. Mas é preciso que a educação seja um instrumento colocado a disposição de todos, para a formação de cidadãos comprometidos com a verdade, com o país, cumpridores de seus deveres, mas respeitados em seus direitos, que devem ser uma realidade e não apenas uma ficção.

As práticas criminosas juntamente com a violência não podem assustar mais a população, levando a um desequilíbrio das relações sociais. É preciso a união de todos os setores sociais juntamente com o Estado para o combate em um primeiro momento dos efeitos da violência, mas também a busca de soluções para suas causas que passam pelos setores sociais, como a educação, a saúde, a habitação, a distribuição de rendas, a geração de empregos, e o controle de natalidade, entre outros.

A mudança de uma realidade não se faz de um dia para o outro, mas é preciso trabalho, não bastando meras palavras. O mundo pode ser modificado começando pelo bairro da cidade onde se vive. A história mostra que os países podem ser reconstruídos, que os inimigos podem reatar os laços de amizade, que o amor pode vencer o ódio, mas sem vontade nada disso acontece. Os sonhos somente se tornam realidade com trabalho. A vontade de Martin Luther King, Nelson Mandela e tantos outros, transformou o mundo, e a violência também poderá ser vencida.

Portanto, o Brasil possui plenas condições de alcançar a realização de seus objetivos nacionais e vencer a violência. A união da sociedade com o Estado, e o investimento nos setores sociais é o caminho que deve ser trilhado para o efetivo cumprimento dos princípios que foram enumerados na Constituição Federal, dentre eles, o direito a dignidade, a vida, a liberdade, a propriedade, e a segurança, o que permitirá o combate efetivo às causas e aos efeitos da criminalidade.

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