Vaga no Supremo

Conheça a íntegra da Sabatina de Gilmar Mendes

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20 de maio de 2002, 20h40

Como fui um dos Senadores que levantou um questionamento, inclusive encaminhei o voto contrário, dentro da explicação que dei, quero precisar isso, para dizer que V. Exª, provavelmente, não se está referindo às manifestações dos Senadores, e sim a outras, porque essa carapuça eu não visto.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS – RS) – Senador José Eduardo Dutra, posso ter cometido o erro de deixar alguma palavra mal colocada, alguma expressão inadequada, mas pretendi dizer que eram os interesses em confronto com a União e com os estados, direitos privados em confronto com a União.

Obviamente V. Exª não se enquadra nesta moldura. O que V. Exª traz aqui é um outro tipo de visão do problema, o que, aliás, é uma visão legítima. É V. Exª imbuído por uma visão de desconfiança institucional prévia que a Oposição normalmente tem. Faz parte da cultura de oposição desde logo indagar exaustivamente o sabatinado. É V. Exª tomado por esta natural e até necessária, eu diria, saudável vocação de desconfiar e perguntar. Se V. Exª não tivesse isso se reduziria em muito a nossa capacidade de apreciar em profundidade. Portanto, V. Exª tem isso.

Assim como é natural que a Oposição tenha esta visão antecipadamente crítica, porque faz parte do sistema, como promotoria e defesa, sem as quais não há justiça, também não há equilíbrio nas decisões se não houver oposição e situação. Mas assim como é natural que a Oposição indague, questione, faça uma percuciência mais rigorosa e detalhada, também é natural e íncito ao sistema que o indicado seja pelo menos uma pessoa que esteja no âmbito do conhecimento funcional do Presidente da República. Um desconhecido do Presidente da República, alguém que não tivesse a confiança funcional, técnica e profissional do Presidente da República? Não é essa a intenção da Constituição. A intenção da Constituição, ao criar um sistema institucional de indicações, é alguém que seja realmente do conhecimento do Presidente da República. Se o Presidente indica esta pessoa em razão do seu notório saber jurídico, mas também porque conhece profundamente, porque tem a experiência diária, a vivência permanente desse conhecimento, isso também faz parte da legitimidade do sistema, assim como faz parte a legitimidade do sistema a desconfiança antecipada da Oposição e as perguntas corretas aqui feitas ao Senador José Eduardo Dutra.

Lembra, V. Exª, Senador Bernardo Cabral, que nos debates da Constituinte havia quem entendesse que os membros do Supremo Tribunal Federal não deveriam ser indicados pelo Presidente da República.

Havia até emendas para a geração autóctone dentro do sistema do Poder Judiciário. Mas não. Um sistema democrático de freios e contrapesos, baseado na interdependência dos Três Poderes, exige que a indicação seja do Presidente da República. E fazia parte desta doutrina que informou as nossas decisões até o entendimento de que quanto mais tempo permanecesse o Ministro no cargo melhor para a institucionalidade, quando mais serôdio, mais velho, mais antigo no cargo melhor, porque mais independente ele se tornará, mais desvinculado das circunstâncias, mais acima das paixões ou pressões do momento político, da circunstância política.

De modo que se o Dr. Gilmar Mendes ficar 24 ou 30 anos, depois da aprovação da emenda do Senador Pedro Simon, no Supremo Tribunal Federal, isto será muito bom para essas futuras gerações que vão tê-lo como Ministro, porque terão um Ministro sobranceiro nas suas decisões. É essa a natureza da Constituição que V. Exª comandou. E V. Exª insistia e falava nisso. Era esse o objetivo. E é o que estamos fazendo aqui.

O espírito da quarentena é evitar a confusão do público com o privado, é evitar o uso da informação privilegiada do setor público em benefício privado. Portanto a quarentena é uma instituição que deve ser adotada para uma outra situação; a situação em que alguém deixa um cargo público de alta importância, de alta relevância, privilegiado quanto ao nível de informação que possa receber, e vá depois usá-la ou em benefício de grupos, de si mesmo ou de quem quer que seja no setor privado.


Muitos querem estender a quarentena para os membros do Supremo Tribunal Federal quando saírem e forem advogar para interesses privados. Eu até concordo com essa quarentena. Não me recordo se V. Exª incorporou-a à reforma.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Apenas no território da jurisdição. O Desembargador do Distrito Federal não poderá advogar aqui, mas poderá fazê-lo em todo o resto do País.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS – RS) – Exatamente. No território da sua jurisdição ele estará…

Então parece-me que é essa a natureza institucional desse mecanismo que estamos colocando em funcionamento. Ele é baseado nisto, ou seja, se há a indicação do Presidente da República, submete-se o nome ao Senado e, após a aprovação, é nomeado o novo integrante. O passar dos anos faz parte do sistema de freios e contrapesos. Ao invés de dizermos que 24 anos é muito, quem dera pudéssemos estender mais, porque o passar dos anos é uma das garantias de independência e de institucionalidade das decisões. Foi pensando nisso que fizemos a Constituição assim.

Portanto há coisas que são inescapáveis. Assim como alguém da Oposição pode votar contra o Dr. Gilmar Mendes, por uma visão doutrinária do Direito oposta à sua, também é cabível que o Presidente da República, por uma visão doutrinária do Direito semelhante à sua, o tenha indicado. E tenho certeza que foi isso o que aconteceu. Aliás, é bom que isso aconteça. E acontecerá com o Lula, com o Ciro Gomes, que é do meu Partido, com o José Serra, com o Anthony Garotinho, ou com quem quer que seja. Se um dia esses cidadãos forem Presidentes da República, eles farão o mesmo, e o sistema funcionará com esse equilíbrio. Nenhum Presidente da República conseguirá nomear os onze membros do Supremo Tribunal Federal. E o tempo os torna, gradualmente, mais independentes.

Outra discussão feita aqui, na qual eu não poderia deixar de intervir, diz respeito às medidas provisórias e ao conceito de relevância e urgência, Sr. Presidente.

O conceito que informou a nossa decisão no Senado, e o Senado foi um construtor do novo padrão de medidas provisórias, foi o de que não há possibilidade de se controlar a natureza subjetiva desses conceitos de relevância e urgência. É tão equivocado exigir perfeição da Oposição para saber o que é urgente e relevante – e ela jamais o saberá com perfeição -, como também é equivocado exigir do Presidente da República que tenha noção clara e perfeita do que é realmente urgente e relevante.

A perfeição conceitual não existe. Temos que jogar com essas variáveis. E nós introduzimos, então, um elemento novo, que não havia no Texto Constitucional anterior. Qual foi o elemento que introduzimos? O fator de risco. A relação risco/benefício se tornou mais ampla.

Aumentar o fator de risco interveniente na emissão da medida provisória é uma forma de graduar a urgência e a relevância. Quando um médico-cirurgião precisa fazer uma intervenção cirúrgica, o grau de necessidade desta está no risco que comporta. Assim se descobre a urgência e a relevância, se a pessoa pode ou não fazer a cirurgia. Tudo depende de quão avançado e quão grave se encontra o estágio da sua doença. Se é muito grave e o risco de morte iminente, há um conceito de urgência e relevância; se a doença não é tão grave e os riscos que comporta são menores ou mínimos, adiar a cirurgia e adotar uma forma alternativa, uma terapia que não a intervenção cirúrgica, pode ser o caminho. O mesmo vale para a medida provisória.

Quando o Presidente da República emite medida provisória, sabe que está correndo riscos. Um deles é de obstruir a pauta e causar prejuízos terríveis ao Governo se emitir um volume ilimitado e descontrolado. Esse fator de risco foi introduzido propositada e deliberadamente – e o Presidente sabe disso. Sua Excelência só emitirá medida provisória com o cálculo do risco que implica, ou seja, de haver obstrução contra o Governo, de se acumularem medidas provisórias nas pautas das duas Casas e até mesmo de serem derrubadas, pois o Congresso Nacional não deixará mais de votar. Não há mais medida provisória reeditada e deixada para as calendas. Agora vota-se. Este é o fator risco. O Presidente calcula, avalia, pré-concebe: realmente isso é tão importante, tão urgente que devo correr o risco? Isso deve ser considerado.


Se é inquestionável a urgência e a relevância, correrá qualquer risco por não haver outra alternativa. Poderá até mesmo ver rejeitada a medida e obstruída a pauta, o que poderá vir a prejudicar o Governo.

Essa é a nova institucionalidade, esse é o novo conceito de relevância e urgência que, a meu ver, consta da Constituição. É um conceito informado pela doutrina do fator de risco. Aumentamos o fator de risco para que seja mais realista o conceito de relevância e urgência.

Quanto à questão do foro privilegiado do Presidente, penso que foi bem colocado no projeto que serve para os atos praticados no exercício do cargo, os chamados atos funcionais. De certa forma, reproduziu-se o princípio da imunidade parlamentar: não podemos ser submetidos a julgamento por atos, votos e palavras utilizados em função do exercício do cargo, do exercício da representação que temos.

Sr. Presidente, era isso que queria dizer. Votarei favoravelmente. Tivemos a sorte de ver indicado o nome de alguém que vem exercendo um cargo público de grande exposição na mídia. Para quem se preocupou e se interessou em acompanhar, houve previamente as informações necessárias para sabermos que temos aqui não apenas um grande jurista, dotado do conhecimento técnico, do saber jurídico, mas um homem que coloca, no ápice da sua conduta de servidor público, o interesse inquestionável do bem público. Isso me parece absolutamente relevante para quem toma uma decisão tão grave e difícil neste momento, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Tem a palavra a Senadora Marina Silva, como última oradora inscrita.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Sr. Presidente, sinto-me contemplada nos questionamentos feitos pelos Senadores José Eduardo Dutra e Pedro Simon, sobretudo, mas, ao ouvir alguns questionamentos, pensei e resolvi fazer uma rápida intervenção.

Em primeiro lugar, o meu querido Senador Romero Jucá agradeceu a participação da Oposição. Isso não é necessário. A Oposição cumpre seu papel aqui, qualquer que fosse a indicação, mesmo quando votou a favor da indicação dos Ministros Nelson Jobim e Ellen Gracie. Participamos, com toda efetividade, cumprindo com nossa função. Outro aspecto que gostaria de secundar, registrado pelo Senador José Eduardo Dutra, é que não foi feito questionamento algum em relação à competência e à capacidade do Sr. Gilmar, que é notória.

O Senador José Fogaça, fazendo referências ao papel da Oposição, disse que a Oposição, até por sua natureza, já discorda de forma preventiva ou desconfia preventivamente. Da mesma forma que talvez isso aconteça em função do alinhamento a uma determinada corrente doutrinária, essa pessoa pode estar sendo indicada por um alinhamento a essa corrente como também pode estar sendo negada.

Ocorre que as correntes doutrinárias têm determinados procedimentos, levam a determinados fins. Esses procedimentos acarretam determinadas conseqüências, criam determinadas situações. Toda intervenção feita aqui pela Oposição, na pessoa do Senador José Eduardo Dutra, não foi apenas no sentido de precaução ou desconfiança em função desse alinhamento. Foi com base em fatos muito bem apresentados e respondidos à maneira do Sr. Gilmar. Todavia, a Oposição não se sentiu satisfeita.

No entanto, também não podemos fazer confusão mesmo quando é correta a função do agente público na defesa do interesse do Estado, do Governo. Ao defender a União, não podemos confundir o governo com o governante. Muitas vezes, a posição doutrinária ou a referência política ou o posicionamento leva a essa confusão. Confunde-se o governo, instituição, com o governante. Isso é muito ruim. Disse que seria breve, até por não ser advogada – sou professora secundária de História. A história nos ensina que devemos que ter muito cuidado mesmo quando fazemos a apologia da defesa do Estado, porque, muitas vezes, o cidadão pode ser atingido pela arbitrariedade do Estado. Temos que pensar na defesa do Estado a todo momento, mas sem levar isso a uma visão dogmática, às últimas conseqüências, de que isso deve feito mesmo em detrimento da justiça a ser aplicada na defesa do interesse do cidadão, que, muitas vezes, pode ser prejudicado.


Aqui não estou advogando, absolutamente, em nenhum caso particular que iria prejudicar a sociedade ou o interesse público, mas, muitas vezes, o interesse do governante pode prejudicar o interesse público quando fere direitos, mesmo que individuais, porque o Estado deve assegurar também os direitos individuais. Apenas faço essa ressalva porque as correntes doutrinárias não são neutras. Não existe neutralidade axiológica em absolutamente nada. Somos seres que agimos como sujeito e levamos a carga, em todos os aspectos, daquilo que fazemos.

Observei que o assessor do Dr. Gilmar deu uma gostosa gargalhada quando usei o termo, mas tenho a exata compreensão do que estou falando. Não concordo com a tese de que existe neutralidade em absolutamente nada. As pessoas têm um ponto de vista e o direito positivista já está mais do que derrotado quando pensamos e absolutizamos a idéia de que existe uma neutralidade e que eu, do topo dessa neutralidade, darei minha sentença. Levo toda a minha carga subjetiva, os meus valores, muito embora queira me desvencilhar desses valores para praticar a justiça. Existe um critério objetivo em relação à efetivação daquilo que gostaríamos que fosse a justiça, muito embora esteja bastante carregada de subjetividade do sujeito, que é influenciado pelos seus valores culturais, morais, sociais, políticos e até espirituais.

Só não quero aqui absolutizar a figura do indivíduo, como se fosse neutra em relação a qualquer coisa. A posição da Oposição também não está sendo levada a cabo sobre suposições ou precaução. Precaução seria se estivéssemos aqui julgando um bebê que acabou de nascer, filho do Senador Waldeck Ornelas, e, por ser do PFL, eu já dizer que, no futuro, ele seria assim-assado. Não é isso. É sobre de procedimentos…

O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB – RR) – S. Exª é Senador, não é Deputado.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Eu corrigi, Senador. Eu corrigi e creio que o Senador não se sentiria ofendido por ser chamado de Deputado. Fui vereadora e, até hoje, sou chamada de vereadora, com muito orgulho, por boa parte do povo do meu Estado.

Só queria concluir fazendo essa ressalva, senão parece que todos os questionamentos de quem discorda ocorrem ou porque estão alinhados aos interesse de quem foi contrariado ou porque tem uma visão, a priori, contrária a qualquer que seja o pensamento por uma questão doutrinária. É que os posicionamentos e os alinhamentos doutrinários levam a determinados procedimentos que têm conseqüências e, por essas conseqüências, temos divergências.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – A ressalva de V. Exª está registrada.

Com a palavra o Senador Casildo Maldaner, a quem pediria brevidade, porque teremos a sessão do Senado e o Relator ainda precisa usar da palavra.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB – SC) – Serei breve, até porque, regimentalmente, V. Exª tem razão.

Sr. Presidente, nobres Colegas, feliz daquele que passa pelo contraditório, o qual é extremamente bom, saudável. Nesta Comissão, o Dr. Gilmar Mendes está passando pelo contraditório, e quiçá seja ungido pela maioria para chegar ao Supremo Tribunal Federal, o que é muito bom para o currículo e parte da vida.

Eu diria mais, secundando aquilo que dizia há pouco o Senador José Fogaça: pelas funções que tem exercido, o Dr. Gilmar Mendes esteve permanentemente numa vitrine, quer dizer, exposto à mídia, à Nação, à crítica. Isso, de certo modo, já é um questionamento diuturno, por assim dizer.

Secundando, mais uma vez, o Senador José Fogaça, acredito que S. Sª tem perpassado por uma triagem já no próprio exercício de suas funções. E, recolhendo do que já tem S. Sª, pela formação própria, pelo currículo que tem exercido, penso que nada melhor do que passar por este contraditório. Chegando lá, honrará, sem dúvida alguma, esta Casa e o Judiciário brasileiro.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Com a palavra o eminente Relator, para a sua análise final.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem, antes do Relator, somente para fazer um registro, até para evitar que o próprio Relator volte a falar do mesmo assunto.


No início da minha intervenção, fiz uma referência que, depois, acabou sendo citada tanto pelo Senador Pedro Simon, quanto pelo Senador José Fogaça, fora de contexto, como se eu estivesse fazendo algum juízo de valor. Quando eu disse: Dr. Gilmar vai ficar 23 anos, foi porque S. Sª nasceu em 1955, depois vi que foi em 30 de dezembro. Disse que ficaria 23 anos decidindo questões relativas ao povo brasileiro e nada mais justo, portanto, que nós, enquanto representantes, gastássemos pelo menos algumas horas a respeito do assunto.

Então, não fiz juízo de valor se seria bom ou ruim S. Sª ficar esse tempo todo. Penso até ? à luz da minha avaliação, quando eu disse que o encarava como uma longa manus do atual Presidente, em relação a essa comparação – que seja até bom, porque essa manus não é tão longa assim. Naturalmente, ao longo do tempo, esse caráter vai se diluir.

Em segundo lugar, a questão da quarentena não passou despercebida nesta Comissão. É lógico que ela não está em vigor ainda, mas apresentei uma emenda estabelecendo não somente a quarentena anterior, como também a ampliação do quorum Esta não foi uma emenda fulanizada, nem sob o ponto de vista de Oposição ou de Governo. Registre-se, inclusive, que fui procurado para subscrever emendas para retirar o poder do Presidente da República para indicar. Concordo que caiba ao Presidente da República indicar. Discordo da idéia de que este nome surja do Poder Judiciário, mas entendo, até no sentido de que essa indicação tenha um maior consenso na Casa Legislativa e não seja apenas fruto de uma maioria circunstancial é que defendo. Isso foi aprovado. Não passou despercebido, porque houve destaque do Senador Romero Jucá contra a minha emenda, que foi acatada pelo Senador Bernardo Cabral, na condição de Relator, e foi a voto.

Portanto, houve a manifestação, pelo menos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, favorável ao princípio da quarentena anterior e ao princípio da ampliação do quorum para a aprovação que, na emenda que apresentei, foi de 3/5. Aliás, em comparação com a Alemanha, por exemplo, é conservadora, já que lá é 1/3 e já foi 4/5. Era apenas para fazer este registro, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Com a palavra o Senador Lúcio Alcântara.

O SR. RELATOR (Lúcio Alcântara) – Sr. Presidente, Senador Bernardo Cabral, Ministro Aldir Passarinho, Srs. Senadores, Dr. Gilmar Mendes, que está aqui se submetendo a esta sabatina, que já dura quatro horas e meia, o que demonstra que não havia aquela pressa que preocupava o Senador José Eduardo Dutra no início dos nossos trabalhos, procurarei ser muito breve e sucinto. Mas, na condição de Relator, não poderia deixar de me pronunciar, como indiquei na abertura dos nossos trabalhos, ao fim da nossa reunião, até porque esta, de certa forma, é uma reunião histórica. Como já foi dito aqui, poucos se submeteram ao crivo de um exame tão detalhado, demorado e minucioso não apenas dos Srs. Senadores, mas da própria sociedade, que se manifestou por diferentes instituições e personalidades em listas de apoio e de crítica. Nas duas listas, há nomes respeitáveis, personalidades merecedoras da nossa maior admiração, como ilustres conhecedores do Direito.

O que me cabe, como Relator, é dar conta desta missão de que me incumbiu o Presidente Bernardo Cabral. Parafraseando o escritor Eça de Queiroz, sem ter o seu talento que se definia "como um pobre homem de pólvora do Varzinho", eu sou um pobre homem de profissão médica e, eventualmente, Senador. Por isso, tenho de me desincumbir, em meio a questões jurídicas tão intrincadas, da melhor forma possível.

No entanto, como o Senador José Eduardo Dutra, competente Senador de profissão geólogo, transitou com tanta desenvoltura na seara do direito, eu me sinto um pouco mais confortável para fazê-lo agora, na condição de Relator, que sou com muita honra.

Inicialmente, reporto-me a quatro documentos, para ser bem objetivo, que me foram encaminhados pelo Senador Bernardo Cabral.

O primeiro deles, do eminente ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive de minhas relações pessoais, Dr. Reginaldo Óscar de Castro, que solicitava a realização de diligências para o exame do currículo e da vida profissional do indicado. Dei um despacho dizendo que deixava de considerar o expediente, uma vez que ele não tinha legitimidade para fazê-lo, que só poderia ser feito por senador e tal não ocorreu.


O outro expediente, de autoria do Advogado Homero Benedicto Ottoni Neto, dava conta de uma ação popular com a qual havia ingressado na Justiça e pedia a sustação do processo legislativo, o que, evidentemente, não pode ser acolhido, porque não há também legitimidade. Senão ficaríamos, aqui, ao sabor de interferências externas que não poderiam sustar o processo legislativo.

Do Juiz Federal Substituto Eduardo Cubas, que, pelo seu procurador, seu advogado, dá conta, também, de ação popular e solicita que esta Comissão acolha a sua opinião, à guisa de reflexão ou de sugestões que faz. Da mesma forma, o mesmo Dr. Reginaldo Óscar de Castro encaminhou um expediente pedindo que os Senadores refletissem sobre a indicação, o que, evidentemente, já é função nossa, pelo mandato no qual estamos investidos. E todos aqui, certamente, terão refletido antes de dar o seu voto.

Os pressupostos para indicação, pelo Presidente da República, de Ministro do Supremo Tribunal Federal são, justamente, como já foi dito aqui à saciedade, o notório saber e a reputação ilibada. O notório saber do Dr. Gilmar Mendes não foi questionado em nenhum instante. Todos reconheceram e louvaram o seu conhecimento, a sua competência.

Eu me lembrei, enquanto ouvia os debates e as discussões, do que são esse notório saber e reputação ilibada. Sendo a indicação do Ministro do Supremo um ato complexo, com indicação do Presidente da República e apreciação do Senado, que pode aprovar ou rejeitar, cabe a nós, ao Presidente da República, que indica, e aos Senadores decidirmos se o indicado tem notório saber e reputação ilibada. Ao que faz a indicação ainda há um juízo político, que é de oportunidade e conveniência.

Então, quando o Presidente da República indica um membro ou alguém para ocupar a vaga do Supremo Tribunal Federal, entende que a pessoa tem notório saber e reputação ilibada e julga oportuno e conveniente fazer a indicação. Cabe, agora, a nós justamente tomarmos essa decisão, votarmos aprovando ou rejeitando a indicação. Por isso, é de se perguntar por que tanta discussão e polêmica? Creio que houve uma colocação do Senador Antero Paes de Barros.

Não vi nenhum problema em ter sido polêmica essa indicação. Entendo até muito bom porque ela permitiu o debate, a discussão, o conhecimento de opiniões contrárias. Por que, então, tanta polêmica em torno da indicação do Dr. Gilmar Ferreira Mendes?

Creio que ela tem duas origens, uma, de natureza política.

A discussão, agora, é política. Considero legítima essa discussão política. As impugnações que estão sendo feitas ao nome do Dr. Gilmar Mendes são, no meu entender, de natureza política, não de natureza partidária. Há os que discordam politicamente da sua forma de pensar, do seu comportamento, do seu entendimento sobre questões jurídicas, da forma como atuou nas funções que ocupou. Essa é uma fonte dessas discordâncias quanto à sua indicação.

A outra é uma discussão sobre o modelo de escolha para preencher as vagas no Supremo Tribunal Federal. Essa questão precisamos tratar institucionalmente. Existe essa proposta de emenda constitucional que está sendo relatada pelo Senador Bernardo Cabral, que já acolheu duas emendas do Senador Eduardo Dutra: uma sobre quarentena, outra sobre o quorum para aprovação dos nomes no Plenário do Senado Federal.

Creio que as discordâncias estão… Não quero falar de motivações de outra natureza, porque não posso apreciar nem tenho elementos, aqui, para fazer essas afirmações.

O Dr. Gilmar não só tem notório saber, mais do que isso, S. Sª se transformou num personagem notório. Por que digo isso? Em função do cargo que ocupa, das decisões que teve que tomar, da sua atuação quando teve que enfrentar oponentes nos tribunais e, por último, para dizer a verdade, pelo seu estilo. Então S. Sª é um personagem notório. Por isso mesmo, talvez, tenha sido alvo de tantas manifestações contrárias a sua indicação.


E sobre o notório saber, nós, Senador José Eduardo Dutra, que não somos pertencentes a essa comunidade do Direito, podemos até nos consolar porque, nos albores da república, Barata Ribeiro ocupou uma vaga no Supremo Tribunal. Médico, Senador, político. V. Exª está equivocado, ele sentou lá, o que pode dar uma esperança a V. Exª no seu notório saber num eventual próximo governo. Quero tranqüilizar os candidatos para as próximas vagas que não está na minha pretensão disputar essa vaga para o Supremo. Trouxe esse exemplo de Barata Ribeiro justamente para mostrar que, mesmo não sendo advogado, não sendo formado em Direito, S. Exª ocupou essa vaga e para muita gente saber que Barata Ribeiro não é só nome de rua e de hospital no Rio de Janeiro. Foi um grande político que teve esse privilégio e essa honra de ter chegado lá.

Fala-se, por exemplo, quando se discute a forma de indicação…

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – V. Exª me concede um aparte?

O SR. RELATOR (Lúcio Alcântara) – Pois não.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Só para uma precisão histórica que cabe naturalmente verificarmos. A informação que temos da assessoria é a de que Barata Ribeiro ficou seis meses, depois o Senado o derrubou e ele foi afastado. Só para questão de História, o que não retira a justeza do argumento de V. Exª.

O SR. RELATOR (Lúcio Alcântara) – Como o Senado não tem mais essa prerrogativa, V. Exª pode ficar tranqüilo porque, chegando lá, vai continuar.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – E ainda mais com a indicação de V. Exª.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT – SE) – Se V. Exª está antecipando um voto, não tenho notório saber jurídico, Senador.

O SR. RELATOR (Lúcio Alcântara) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, questionou-se, por exemplo, a vinculação institucional do Dr. Gilmar, sendo, como é, Advogado-Geral da União. Já assistimos, aqui no País, à indicação de políticos para o Supremo Tribunal Federal. Já não era mais questão de relações pessoais, nem ter trabalhado, ter servido. Recordo aqui os nomes de Olavo Bilac Pinto, Adalto Lúcio Cardoso, Oscar Dias Correia, Aliomar Baleeiro, todos integrantes da famosa banda de música da UDN, Deputados Federais que eram e foram para o Supremo. Ao que me consta, foram excelentes juízes; lá se comportaram com isenção. Um deles, Adalto Lúcio Cardoso, chegou inclusive a precipitar a sua aposentadoria por discordar da vulnerabilidade do estado de direito naquele determinado momento.

Então não é lícito supor ou imaginar que desse modelo alguém, por ter exercido esse ou aquele cargo, essa ou aquela função, não implemente os requisitos para chegar ao Supremo Tribunal Federal.

Por isso mesmo, Sr. Presidente, mantenho a minha opinião, já exarada naquele parecer que dei na sessão da semana passada, até porque o Supremo Tribunal Federal, com a austeridade que tem e deve ter, não é um claustro, então não é lugar para monge, com todo o respeito que tenho pelas ordens religiosas. Os que estão lá, como disse muito bem a Senadora Marina Silva, são mulheres e homens que chegam com seus sentimentos, com as suas vinculações, com as suas aspirações, que são naturais, e que certamente se esforçam ao máximo para, com isenção, julgarem humanamente da melhor maneira possível.

Portanto, estando satisfeitos, a meu juízo, os pressupostos de notório saber e reputação ilibada, Sr. Presidente, cumprindo o requisito constitucional e legal, é que dei o parecer, que já é do conhecimento de todos.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – A Presidência vai encerrar a votação.

Os Srs. Senadores que ainda não votaram, suponho que somente o Senador Lúcio Alcântara, eu, a Senadora Marina Silva e o Senador José Eduardo Dutra, vamos fazê-lo.

(Continua o processo de votação)

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Encerrada a votação.

Peço aos eminentes Senadores Waldeck Ornelas e José Eduardo Dutra que funcionem como escrutinadores.(Pausa). Votaram 22 Srs. Senadores. Votaram SIM 16 Srs. Senadores e NÃO, 6. Proclamarei o resultado: aprovada, por maioria de votos, a indicação do Dr. Gilmar Ferreira Mendes.


Srªs e Srs. Senadores, a Presidência precisa dizer algumas palavras. Em primeiro lugar, agradecer a presença do eminente Ministro Aldir Passarinho, do Professor Inocêncio Mártires Coelho, que foi meu Chefe de Gabinete no Ministério da Justiça e, um dia, para alegria sua, chefe do nosso candidato a Ministro, e do Prefeito Francisco Mendes, irmão do candidato.

A Presidência teve o cuidado, e isso ficou demonstrado à saciedade, de dar liberalidade, quanto ao tempo da discussão, à manifestação de todos Srs. Senadores. E o fez porque o volume de documentos recebidos, uns absolutamente elogiosos, inclusive do exterior, e outros, por igual, contrários, a Presidência fez chegar às mãos do Relator e de todos os Srs. Senadores para que ninguém dissesse que foi escamoteada qualquer informação contrária ou a favor.

Procurei conduzir com absoluta imparcialidade esta reunião. Em nenhum instante, manifestei minha simpatia ou antipatia ao candidato. Devo dizer que em alguns pontos já tivemos situações contrárias: S. Sª, na defesa do seu papel, e, eu, na do meu Estado. Nem por isso, as convicções e relacionamento se abalaram.

Agora, com o resultado proclamado, diante do qual, portanto, não posso fazer nenhum proselitismo, quero dizer que, em nenhum instante, fiz nenhuma sugestão ao Senador Lúcio Alcântara, que se portou, na qualidade de Relator, com absoluta independência e dignidade, aliás, qualidades costumeiras no seu desempenho.

Neste final, devo dizer que há alguns anos dois brasileiros, um talvez, hoje, o maior constitucionalista vivo no País, que rivaliza, portanto, com o Professor Gilmar Mendes – e eu me refiro ao Professor Paulo Bonavides – S. Sª e eu fomos convidados pelo Professor Wolf Paul, catedrático da Universidade, na Alemanha, para que ali fizéssemos, ambos, alguns dias de conferência sobre o texto constitucional. Ele, com a grandeza que tem do sol; eu, com a minha da lamparina. Mas, em verdade, nos dias que lá passamos – faço questão desse registro -, o nome do Professor Gilmar ficou devidamente registrado como um professor assíduo, eficiente, que fez o seu doutorado com uma categoria que honra os seus conterrâneos que aqui falaram e fizeram questão.

Ainda não tinha ouvido, nesta Comissão, nenhuma palavra elogiosa da parte do Senador Antero Paes de Barros. E, hoje, S. Exª demonstrou que em determinado instante precisava fazer justiça a um conterrâneo seu, e a fez de forma aberta.

Quero, ao encerrar, dizer que enquanto estiver na Presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ou na relatorias, como acontece hoje com a da CPMF, quanto às pessoas que estiverem a serviço de qualquer corrente – e deixo bem claro que não me dirijo aos colegas Senadores, a nenhum deles -, eu me portarei com esta independência. Partam de onde partirem as pressões, inclusive de jornalistas amestrados, não farão com que eu recue um milímetro do meu dever.

Ao encerrar, quero agradecer a permanência dos eminentes Senadores. Realizamos uma reunião de quase cinco horas. E aqui estarei, na próxima quarta-feira, para trazer ao conhecimento dos eminentes colegas o meu trabalho sobre a CPMF, que, devo dizer, está sendo noticiada de forma errada, porque o que veio da Câmara não foi apenas a CPMF. Sem haver correlação de matérias, no mesmo bojo, trataram de fundo de estatização, de Imposto Sobre Serviço, precatórios e, no fim, embutiram nisso tudo a chamada CPMF.

O parecer será conhecido na próxima quarta-feira. Peço a atenção dos meus eminentes colegas para que se debrucem sobre ele, porque farei questão de distribuí-lo, antecipadamente, para conhecimento de todos.

O eminente Ministro Gilmar Mendes me pede para dizer duas palavras de agradecimento aos Srs. Senadores.

Tem V. Sª a palavra.

O SR. GILMAR MENDES – Sr. Presidente, só gostaria de agradecer imensamente esta oportunidade. E fico feliz por ter tido ocasião, inclusive, de esclarecer algumas aleivosias, algumas acusações que saíram na imprensa, nos últimos dias. Eu as entendo como natural. E até felicito a Oposição, aqui materializada nas perguntas do Senador José Eduardo Dutra, porque, de fato, me deu a oportunidade para fazer esses esclarecimentos.

Essa é a luta de que gosto, esse tipo de luta clara, não essa luta de bastidores, não essa discussão fora de determinado contexto. Esses adversários eu admiro. De fato, esses fazem jus a minha biografia.

Acredito que a Oposição cumpriu imensamente bem esse papel, permitindo, inclusive, que o Brasil conhecesse de forma adequada a minha biografia e como eu trato dos temas com transparência.

Agradeço também a todos os amigos, àqueles que me conhecem no Governo já por muitos anos e que também tiveram a diligência, a simpatia e a franqueza de me apoiar nesse momento.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Por nada. Está encerrada a reunião. (Levanta-se a reunião às 14h54min)

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