Vaga no Supremo

Conheça a íntegra da Sabatina de Gilmar Mendes

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20 de maio de 2002, 20h20

Em todo sentido isso ocorre nesta Casa, no que tange a esse pronunciamento. É a Comissão de Relações Exteriores que não tem, na minha opinião, a ação que tem o Itamaraty. Quer dizer, a ação da Comissão de Relações Exteriores do Senado é praticamente zero, se comparada ao Itamaraty, que tem uma posição importante em nível internacional. O Itamaraty é respeitado, embora com esse último fracasso. Nós não fazemos por merecer. Então, fico, assim, a me perguntar o que devemos fazer para alterar essa questão.

Dizemos que é preciso mudar o processo, mas vejo que nos Estados Unidos os membros da Suprema Corte são indicado pelo Presidente. E, ao que me consta, o Presidente da Suprema Corte americana é indicado pelo Presidente da República e permanece lá por não sei quantos anos. No entanto, lá não se fala nada. Não ouço falar nada do Ministro tal ou qual, disso, daquilo, dessa ou daquela indicação. Algo é diferente.

É claro que a Corte americana é uma Corte Constitucional, não interfere nos contornos, nas migalhas, na intimidade do processo, nas disputas presidenciais; ela analisa mais as questões de fundo. Mas, na verdade, ela tem um poder que é respeitado.

Farei algumas perguntas singelas, mas que me parecem importantes. Não sei se conseguirei "pescar" algumas em que o nobre Líder do PT já não as tenha feito. A Constituição Federal estabelece, para a edição de medidas provisórias, a urgência e a relevância. Sabe V. Sª melhor do que eu que a medida provisória foi inserida na Constituição pelo Ministro Nelson Jobim porque o modelo que íamos adotar era o parlamentarista. A Comissão dos 45 membros mandou para o Plenário uma Constituição parlamentarista.

Depois, com o Ato do Dr. José Sarney e aquele trabalho que foi feito, derrubaram o parlamentarismo. Na minha opinião, ao derrubar o parlamentarismo… A medida provisória era quase que uma emenda de redação. No entanto, não só ficou como, não tenho nenhuma dúvida… Já li 50 vezes o artigo da Constituição que estabelece, com todas as letras, que o Presidente da República edita uma vez; rejeitada, não aprovada, morreu.

Perdoe-me a sinceridade, mas uma das decisões mais absurdas que conheço do Supremo Tribunal Federal liberou ao Presidente da República apresentar tantas emendas quantas bem entender.

Agora o Senador José Fogaça fez um trabalho brilhante, mais ou menos normalizando. Mais ou menos porque não é o mais, é o mais ou menos. Fica ainda a questão da urgência e da relevância. Para mim, seria tão singelo o que é urgente e o que é relevante, mas, para o Governo, urgente e relevante é aquilo que ele pode fazer hoje e não precisa fazer amanhã.

No Supremo há uma decisão pela metade. Existem Ministros no Supremo Tribunal Federal que entendem que os critérios devem ser justificados e passar pelo crivo do Legislativo e do Judiciário. Há outros que pensam que não. Qual é a opinião de V. Sª sobre as duas teses?

O SR. GILMAR MENDES – Nobre Senador, obrigado pelas suas considerações. Já tive a oportunidade de ressaltar aqui que compartilho das angústias em torno da edição das medidas provisórias. Não acredito, todavia, que, se não tivesse sido aprovada a medida provisória, o sistema não tivesse engendrado uma outra forma.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) – Não tenho dúvida alguma disso.

O SR. GILMAR MENDES – V. Exª sabe melhor do que eu que os modernos sistemas de Executivo acabam exigindo alguma atuação muito mais ágil. É assim na França, com o modelo presidial, é assim na Alemanha, com decretos e espaços para as leis…

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) – Na Alemanha e na França existe a medida provisória – é parlamentarismo.

O SR. GILMAR MENDES – E com força de decreto e assim por diante. É assim nos Estados Unidos, com o uso de atos executivos. Portanto acaba-se engendrando alguma forma para assegurar a agilidade da administração. Até aqui, vale um aforismo do meu caro Professor Konrad Hesse, quando discutia – não agora – a questão desses atos normativos, mas a existência na Constituição dessas cláusulas, desse estado de defesa, desse estado de emergência, dizia: "É melhor que nós coloquemos isto no Texto Constitucional porque, do contrário, poderemos ter uma situação tal – uma situação limite – e vamos acabar praticando algo diferente. Não teremos disciplina para o estado de defesa, estado de sítio e assim por diante". A expressão em alemão é muito curiosa e diz exatamente o seguinte:


Not kennt kein Gebot – a necessidade não conhece princípio. Quando se coloca a necessidade, ela opera naturalmente. Então, é preciso que disciplinemos isto constitucionalmente.

Sou um dos defensores de que o Supremo Tribunal Federal investigue, sim, os prognósticos e os fatos legislativos para saber se há ou não esses pressupostos, mas tenho colocado que o conceito de urgência avança sobre critérios meramente temporais porque, queiramos ou não, há esse conceito implícito da urgência política, que é a realização de um programa de governo em quatro anos. Essa discussão se coloca. Tanto é – e tenho experiência razoável nesse assunto – que citei o caso da MP de Anistia, que, depois de alguns impasses na Câmara, acabou redundando numa medida provisória. Se fôssemos ortodoxos, alguém diria que não caberia medida provisória neste caso. Fez-se uma avaliação política e entendeu-se que era razoável disciplinar assim.

Todavia, estou também convencido de que temos que prosseguir nessa engenharia institucional para encontrarmos uma forma adequada de compatibilização entre a atuação do Executivo e a do Legislativo nesta cooperação em torno das medidas provisórias. Estou, ainda, convencido de que experimentamos, no atual modelo político brasileiro, uma crise do processo decisório. Basta pensar no modelo anterior.

Veja V. Exª que o modelo anterior pressupunha a edição e a deliberação sobre a medida provisória em 30 dias. V. Exª sabe melhor do que eu que o Congresso Nacional tem uma dificuldade enorme de deliberar nesse prazo, formando comissões, fazendo todas as composições nesse quadro multipartidário. Copiamos do modelo italiano, que já previa o prazo de sessenta dias. E ainda assim, no modelo parlamentar, que pressupõe apoio permanente ao governo, salvo naquelas situações de transição, lá também acabou resvalando para a reedição, depois corrigida pela Corte Constitucional.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Se V. Exª me permitisse, diria que na Itália, como na França, há a medida provisória, mas, como há o regime parlamentarista, o Primeiro-Ministro pensa cem vezes antes de mandar uma medida provisória, já que ela pode determinar a queda do governo e um voto de desconfiança. Então eles encontraram outras fórmulas. Só usam a medida provisória quando há unanimidade.

O SR. GILMAR MENDES – V. Exª me permite? Os dados estatísticos não confirmam integralmente a tese de V. Exª, porque, na Itália houve um abuso de medida provisória, segundo a literatura. Agora a Corte Constitucional modificou esse modelo.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Lá atrás, sim, quando caía governo e durava vinte e quatro horas.

O SR. GILMAR MENDES – Exatamente. Se compararmos, boa parte da legislação italiana decorre de medidas provisórias, o que é fortemente criticado na doutrina, ao contrário da nossa experiência. Por mais que falemos em medida provisória, uma boa parte da nossa legislação ainda decorre da atividade legislativa. Na verdade, a sua parte mais expressiva, entre 60% e 70%.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador Pedro Simon, V. Exª continua com a palavra.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Pois não.

O Supremo Tribunal Federal revogou a Súmula nº 394, que concedia foro privilegiado a autoridades mesmo depois de extinto o mandato. Entretanto, não estabeleceu outra súmula.

Qual a posição de V. Sª sobre o foro privilegiado e sobre a sua extensão por atos praticados durante o mandato, mesmo depois de concluído o mandato?

Há um pensamento e um sentimento nesta Casa – penso assim – de que o foro privilegiado é direito meu, como Senador, de V. Sª, como Procurador, do Presidente da República, de governadores, ministros. Mas, passada essa fase, V. Sª acredita que continua o foro privilegiado ou ele deve desaparecer?

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Apenas para fornecer um dado ao Dr. Gilmar: na Reforma do Judiciário, na qualidade de Relator, eu acabava com o foro privilegiado, a não ser durante o exercício do mandato. Mas esta Comissão foi contrária ao meu entendimento e permaneceu o foro privilegiado.

Agora o Senador Pedro Simon quer saber qual é a opinião de V. Exª.


O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Confio muito que o voto inicial de V. Exª terminará sendo aprovado no Plenário.

O SR. GILMAR MENDES – O Supremo Tribunal Federal abriu uma discussão em torno deste assunto e a liderança, inclusive, do voto minoritário, que ficou vencido e que propunha uma nova súmula, é do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, que entendia necessário manter a súmula, com uma nova redação, afeita apenas aos atos funcionais. A rigor, é este o pensamento básico: não o privilégio de foro, mas a prerrogativa de foro. Portanto, o Presidente da República não foi processado ainda, mas poderá sê-lo por ato funcional. Neste caso, manter-se-ia essa orientação. Parece ser muito mais consonante com o espírito e a tradição republicana, sobretudo agora que o próprio Congresso Nacional alterou o entendimento em relação à própria imunidade, o que está permitindo o andamento dos processos. Foi uma das causas do entendimento do Supremo Tribunal Federal porque esses processos acabavam não tramitando. Especialmente existiam processos contra deputados que não tramitavam. Logo, havia algo de errado com o sistema, o que motivou o Supremo a tomar essa decisão.

Sou favorável à posição advogada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que limita a posição aos atos funcionais, porque eles estão sendo perseguidos no âmbito do tribunal e hão de prosseguir dentro da idéia mesma do juiz natural. E só. Não para atos outros, menores, ligados à vida privada, homicídios e assim por diante.

Esta é a posição que me parece consentânea e muito fundada na nossa tradição republicana, como, de resto, tudo que é bem feito pelo Ministro Sepúlveda Pertence.

O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB – RR) – Senador Pedro Simon, apenas para dar uma informação, já que V. Exª falou na questão da emenda. A emenda que restabeleceu o foro foi exatamente no sentido dos atos administrativos, dos atos formais de governo, e não uma imunidade ou foro privilegiado para qualquer ação de qualquer governante, de qualquer detentor de poder público.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – V. Sª já expôs, já explicou, mas considero o assunto tão importante, e houve até uma manifestação do Presidente do Supremo Tribunal Federal, dizendo, de certa forma, que respeitava o conhecimento e a capacidade de V. Sª, porém tinha certeza de que, como Ministro daquele Tribunal, se chegasse lá, V. Sª nem iria querer atuar em processos em que teve participação como Advogado da União, porque, na condição de Advogado-Geral da União, está claro de que V. Sª patrocinou causas de importância. Inclusive, justiça seja feita, V. Sª teve uma atuação destacada como advogado. Há quem concorde ou discorde, mas V. Sª teve divergências de frente com o Supremo Tribunal Federal, com o seu próprio Presidente, e defendeu posições. V. Sª, com o seu voto de minerva, poderia mudar processos em que já atuou. Pelo que entendi da manifestação feita, naquilo em que atuou, em que tenha uma posição, V. Sª se considera absolutamente…

O SR. GILMAR MENDES – Já declarei que estou impedido. Se houver alguma situação cinzenta, não resolvida …

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – In dúbio, não?

O SR. GILMAR MENDES – Devolve-se para o Colegiado, que deverá decidir a questão.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Meus cumprimentos. É correto.

Vários Ministros do Supremo Tribunal Federal – e V. Sª sabe muito melhor do que eu, assim como o nosso Presidente – têm feito pedido de vista em processos de relevância, delongando o voto por mais de anos, obstando de que os outros tribunais e a sociedade em geral conheçam a orientação do Supremo Tribunal Federal em relação a essas questões e até mesmo que partes tenham o seu direito atendido com a rapidez que o interesse exige.

Entende V. Sª, conforme sua manifestação, que os prazos para devolução para os pedidos de vista sejam imperativos, como são os previstos para as partes?

O SR. GILMAR MENDES – Defendo essa posição, Senador Pedro Simon, no entanto sei que o Supremo Tribunal Federal passa por uma realidade especial. Nenhum tribunal constitucional do mundo tem de dar respostas a 100, 120 mil processos em um ano. Devo dizer, inclusive, que se trata de uma patologia do sistema, porque, em grande parte, se trata de questões já repetidas. Por isso, na Reforma do Judiciário, estamos a discutir formas para produzir uniformizações em tese, evitando essa repetição de processos.


Mas esse é um dado da realidade. O Supremo tem 40 mil processos sobre FGTS, e assim por diante. Matérias de massa que se repetem. Portanto é preciso que se faça essa consideração cum grano sales, tendo em vista essa peculiaridade.

A própria Reforma do Judiciário – lembrava-me inclusive o Presidente Bernardo Cabral – já vem fixando um prazo imperativo de seis meses para a devolução. O ideal é que o Supremo Tribunal Federal possa concentrar-se nessas questões magnas, nas grandes questões, evitando essas delongas e encontrando uma forma de conduzir a controvérsia em matéria dos recursos extraordinários.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – A Constituição Federal prevê a proporcionalidade de representação do quinto para advogados e Ministério Público nos tribunais. Não entende V. Sª que as frações, turmas, seções que compõem os tribunais representam o todo e devem obedecer também ao critério de proporcionalidade, para evitar, como tem acontecido, uma desproporção de membros oriundos do Ministério Público nas frações criminais?

O SR. GILMAR MENDES – Essa questão é extremamente controvertida. Não sei em que dimensão, em termos de organização dos tribunais, lograríamos êxito se essa proposta se tornasse vinculante. Sei que, hoje, os juízes vão para aquela vaga existente, depois buscam uma chamada promoção. Surgida uma nova vaga, eles fazem uma opção por aquele seu lado vocacional em termos de turmas especializadas. Então acontecem esses fenômenos nos tribunais.

Talvez fosse uma boa tentativa. Não tenho condições a priori de responder a V. Exª se conseguiríamos atingir esse desiderato em toda a extensão. De qualquer sorte, devo dizer que essa fórmula brasileira é saudada internacionalmente, essa idéia do arejamento dos tribunais com a participação de advogados e de membros do Ministério Público, porque há uma queixa geral. Participei de um seminário em Berlim, em 1996, em que estavam presentes todos os representantes da América Latina e alguns da Europa. O Ministro Sepúlveda Pertence expôs essa questão. Todos consideraram-na um "ovo de Colombo". Perguntaram como o Brasil chegou a essa forma de arejamento. Queixam-se de um certo engessamento das cortes por conta do excesso de presença técnica, sem outra visão. O advogado que vem da experiência privada e o membro do Ministério Público compõem bem esse modelo. E eles entenderam que essa é uma solução extremamente inteligente, na verdade uma tradição entre nós há mais de 50 anos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – V. Sª deve ter acompanhado à margem as modificações feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral, com votação no Congresso Nacional, sobre as urnas eletrônicas que serão utilizadas nas próximas eleições. As urnas eletrônicas são um avanço impressionante. Sempre me manifestei favorável a elas e as vi com muita simpatia. Mas fiquei em dúvida quando o Senador Roberto Requião apresentou uma emenda – em que votei favoravelmente – em que dispunha que em todas as urnas eletrônicas houvesse o voto carimbado.

O TSE estabeleceu que só haverá um número "x" de urnas no Brasil, que servirão de referência, em que haverá contagem manual. Por que não fazer isso em todas as urnas? Seria o processo perfeito! Não haveria o que se discutir. Haveria um gasto um pouco maior, mas não haveria dúvida alguma.

Depois da confusão com o painel eletrônico do Senado Federal, com 81 Senadores olhando para ele, imaginem como será feita a contagem das urnas que vêm do Amazonas de barco e chegam no dia seguinte. Se houvesse essa garantia, seria o ideal, perfeito, ninguém poderia discutir. Depois da confusão na última eleição americana, talvez esse seja o processo mais perfeito que se conhece. Não foi feito isso!

Discute-se agora quem vai participar do processo que fará toda a malha do esquema da eleição. Falava-se na Abin, mas trata-se de órgão ligado à Presidência da República que tem um ministro da confiança de Sua Excelência. Não me parece que seja o órgão encarregado de fiscalizar o sistema e ter acesso a ele. Ele estará lá dentro. Depois da confusão que houve em torno da escuta ou não, ainda há um certo grau de suspeição nesse sentido.


Defende-se uma tese de que deveria ser quase um colégio de líderes de todos os partidos, representantes de todos os candidatos, alguém que entrasse no processo e tivesse a tranqüilidade de, na hora, dizer que o fulano ou beltrano estavam lá. Caso contrário, quem perder a eleição vai berrar que houve fraude. Não terão como dizer que houve ou não. Não haverá prova concreta alguma de sim e de não. Deveriam abrir o processo para as entidades representativas – parece-me que não há nada melhor do que a representação dos próprios candidatos – estivessem ali para que o processo não fosse tão interrogativo, com perspectivas tão duvidosas como pode ser agora.

O SR. GILMAR MENDES – Senador Pedro Simon, obviamente, não tenho subsídios técnicos para emitir uma opinião tranqüilizadora em relação a essa fórmula primeira da generalização do voto para contagem manual. É uma questão que, certamente, tem um perfil técnico que implicaria um retardo significativo do anúncio dos candidatos eleitos, com todas as dificuldades…

O SR. ROMEU TUMA (PFL – SP) – Sr. Presidente, peço para fazer esclarecimento sobre o assunto.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Concedo a palavra ao Senador Romeu Tuma.

O SR. ROMEU TUMA (PFL –

SP) – Sr. Presidente, fui o Relator da matéria. O Senador Pedro Simon tem razão em relação a alguns aspectos, quanto a continuar a suspeição. Entretanto, a contrafé seria jogada em outra urna. Depois de o eleitor conferir, cortaria o papel que ficaria guardado na urna. Não seria para contagem manual. Quando houvesse suspeição, existiria uma forma de conferir o resultado. Não há capacidade de haver duas apurações.

O SR. GILMAR MENDES – Dois sistemas de controle.

O SR. ROMEU TUMA (PFL – SP) – Esclareço esse ponto. O retardamento da universalidade das urnas foi em razão da capacidade financeira do Superior Tribunal Eleitoral. A Abin faz a parte da criptografia do programa, que já vem sendo realizada. Então, poder-se-á ou não alterar, numa nova concorrência que venha a adquirir as novas urnas.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – A matéria está esclarecida.

Senador Pedro Simon, o candidato aceitou a explicação do eminente Senador Romeu Tuma.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Com todo o respeito, ouvi a sua argumentação de V. Sª na resposta ao ilustre Líder do PT com relação àquilo que V. Sª não chamou de Lei da Mordaça, em que diz não ter tido maior participação. Quanto à minha posição, vejo respeitosamente a atuação dos Procuradores. É um gesto de luta e de coragem. Se analisarmos, na questão da justiça, a busca da verdade e a punição dos responsáveis, são eles, na minha opinião, os que estão fazendo com mais força a sua parte. Erros, equívocos e alterações podem ocorrer, mas quais serão as conseqüências da omissão do Congresso e – perdoem-me – do Poder Judiciário?

Ouvi denúncias dos Procuradores, algumas foram levadas adiante e outras ficaram nas gavetas do Congresso Nacional ou do Poder Executivo.

Quando a imprensa publicou a chamada Lei da Mordaça, no sentido de impedir que a imprensa ficasse sabendo a respeito de processos em andamento, manifestei-me contrariamente a esse dispositivo legal. O Brasil já é o País da impunidade. Atualmente, ainda pode-se dizer o que se pensa. Há um Juiz na cadeia e outro que está sendo incriminado. No entanto, ao longo do tempo, apenas os ladrões de galinha iam para a cadeia.

Sou contra o que se faz em vésperas de eleição. Uma revista, um jornal ou um partido político não podem guardar um dossiê na gaveta. Também não posso, como Senador, agir dessa forma. Houve uma discussão entre o Sr. José Serra e a Oposição em que se afirmou que fariam uma guerra de dossiês se assim o quisessem. Essa atitude é absurda. O Promotor, a revista, o Tribunal, o Senador ou o Deputado não podem guardar um dossiê na gaveta. Mas impedir que esse procedimento ocorra é difícil.

Para o Brasil, é melhor tomarmos conhecimento dos fatos do que tramitarem os processos em segredo de justiça. A sociedade precisa saber a situação. Pode haver excessos e injustiça, mas há o direito de resposta. No Brasil, hoje, o que existe é a realidade de que os processos param – ficam na gaveta do Procurador ou dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Realizamos a CPI do Collor, e os processos ficaram parados. Na CPI dos Anões do Orçamento, a situação permaneceu a mesma. O mesmo ocorreu na CPI dos Precatórios. A tramitação dos processos simplesmente não existe.


Esta Casa fez a sua parte em relação à CPI do Poder Judiciário, denunciando, informando os nomes ao Ministério Público e cumprindo, portanto, a sua obrigação. Esse fato é comprovado.

Em seguida à análise por parte do Ministério Público, os processos são remetidos ao Supremo Tribunal Federal e não andam ou ficam na gaveta do Procurador. Em relação a esses fatos, o mínimo que pode ocorrer é tomarmos conhecimento de algum processo que está tramitando e que se encontra nas mãos de determinado Procurador, Juiz ou Ministro.

Quanto àquelas notícias publicadas no jornal sobre a Lei da Mordaça, de que o Procurador ou o Juiz poderia ser punido se falasse, manifestei-me contrariamente à matéria e fico satisfeito de ter ouvido V. Sª dizer que também é contrário a essa atitude e que não participou de qualquer ato.

O SR. GILMAR MENDES – Senador Pedro Simon, aquela medida provisória a que V. Exª se referiu tratava da Lei da Improbidade e apenas estabelecia o contraditório prévio antes da colocação de um processo em andamento, evitando esses processos que, na verdade, tramitam e depois se prestam às ações persecutórias que conhecemos.

Um cidadão pode ser processado eternamente por improbidade administrativa, porque o processo, na verdade, não se resolve. Há um mal-uso desse sistema processual – como de fato ocorre no caso das ações populares e de todas as outras que se engendram e são lamentáveis.

Portanto, criou-se um contraditório prévio para que o juiz possa apenas avaliar inicialmente a questão. É razoável ou aventureira essa pretensão? O autor, desse modo, pagaria pela má-fé eventual.

Em relação a essa discussão sobre a Lei da Mordaça, esclareço que, de fato, há um possível conflito de direitos. Devemos realmente considerar as situações gravosas. V. Exª, inclusive, já as explicitou. Cito o exemplo de um dossiê contra um político nas vésperas de eleição. Se não houver modos e meios de evitar que essa prática se faça – por exemplo, notícias plantadas para depois obter um inquérito -, esse medida no sentido de deixar de encaminhar a questão certamente não é constitucional e sou a favor de que o membro do Ministério Público faça a denúncia e, depois, dê conhecimento público do assunto, arcando com o ônus.

Não me parece correto – fato já publicado – que um membro do Ministério Público vaze uma informação para a imprensa para fazer o inquérito posteriormente. Essa atitude não me parece certa nem compatível com a Constituição. Deve-se, de fato, opinar acerca da própria posição: "Tenho conhecimento desses fatos que resultaram nessa denúncia ou nesse inquérito". Então, assume-se sua responsabilidade por isso.

Estamos a falar de valores de fato muito sensíveis, porque, de outro lado, reside a dimensão humana, a idéia da dignidade humana e do próprio valor da personalidade, que V. Exª tão bem soube inscrever no nosso Texto Constitucional. Os fatos divulgados pela imprensa sobre o caso da escolinha-base de São Paulo chocam a todos. Aquela escola foi destruída. O caso do Sr. Alcenir Guerra é, hoje, emblemático, clássico. Que defesa a pessoa tem diante daquele caso? Por isso, é preciso que se crie a situação.

É necessário defender-se de uma acusação precisa e não de acusações difusas. Essa é a base do Estado de direito. Falo para pessoas que têm muita experiência no assunto. V. Exªs certamente experimentam todos os dias essa questão na vida pública. Sem dúvida, trata-se de prática incompatível com os modelos básicos da democracia.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Vejo com restrições a manifestação de V. Sª e, com muito respeito, divirjo.

Devemos partir para a realidade do Brasil de hoje. V. Sª citou o caso da escolinha, do Sr. Alcenir Guerra e pode falar numa série de outros casos. Recordo a V. Sª que o Sr. Alcenir Guerra se recuperou, foi consagrado e, atualmente, tem credibilidade total, sendo visto, inclusive, com imensa simpatia. Ele conseguiu provar o que era e não há mais nada a dizer a esse respeito.


Da maneira como ocorre hoje, ao se abrir um inquérito, uma apuração, a imprensa já toma conhecimento dos fatos. Dentre 100 casos de que ficamos sabendo, em um deles é apresentada denúncia. Dentre 100 casos em que se apresentaram denúncia, um o tribunal aceitou. Dos 100 casos que o tribunal aceitou, um está em andamento. Portanto, praticamente zero. Se permanecer agindo dessa forma, o que tem acontecido, sim, é que a imprensa tem tomado conhecimento. Nós temos tomado conhecimento, temos debatido. E isso, na minha opinião, com todo o respeito, é uma forma de fazer uma pressão moral sobre a sociedade, os políticos, os homens públicos. O fato de a denúncia ser publicada no jornal e de ele ter de se defender, de certa forma, diminui um pouco a avalanche de fatos irregulares.

Quanto ao projeto de V. Sª, o promotor vai analisar, investigar, levantar, guardar sigilo, para, se encontrar um fato, apresentar denúncia. Em primeiro lugar, ele vai encontrar enorme dificuldade. Quando apresentamos uma CPI que é veiculada em jornal e para a qual há manchete, conseguimos atingir nosso objetivo. Mas, se apresentarmos um fato e ele for engavetado na imprensa ou na Justiça, não irá adiante.

Então, penso, com todo o respeito, que poderá chegar o dia em que a Justiça será bem aplicada, correta e a busca da verdade será clara. Se chamarem o Pedro Simon de ladrão, vigarista, ou ele prova no prazo de 90 dias que é ladrão e vigarista, ou não, caso em que terá que ser ressarcido moralmente. Quando isso acontecer, pelo amor de Deus, V. Sª terá razão. Mas hoje, quando nada vai adiante, permitir, como quer V. Sª, que inquérito fique na gaveta, a não ser que haja denúncia apresentada pelo promotor, caso em que virá a público?!

O SR. GILMAR MENDES – Não, quando noticiar que abriu inquérito sobre tal fato. Não vejo nenhum problema nisso.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – V. Sª o está dizendo agora, mas não o fez antes.

O SR. GILMAR MENDES – Não, disse isso. Não concordo com a possibilidade de um promotor, como já foi dito, vazar uma informação para um dado jornalista para depois abrir o inquérito, pois me parece ser uma prática abusiva. Sabendo de determinado fato, que ele abra o inquérito e assuma as suas responsabilidades funcionais por isso. Temos divergência não de substância, mas de método.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Está claro.

O SR. PRESIDENTE (Bernardo Cabral) – Senador Pedro Simon, V. Exª continua com a palavra.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Obrigado, Sr. Presidente.

V. Sª foi Procurador da República de 1985 a 1988. Em 1990 e 1991, foi Adjunto da Secretaria-Geral da Presidência da República. Em 1991 e 1992, Consultor Jurídico da Secretaria-Geral da Presidência da República. Como V. Sª foi parar na Subsecretaria-Geral?

O SR. GILMAR MENDES – Senador Pedro Simon, é uma questão interessante. Passei em primeiro lugar no concurso para Procurador da República de 1984. Logo em seguida, fui designado para trabalhar no Supremo Tribunal Federal, ainda na gestão Inocêncio Martes Coelho. Depois, continuei na gestão do Sr. José Paulo Pertence e tornei-me talvez o seu principal assessor, o que muito me honra.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – V. Sª está dando uma demonstração interessante. Temos a impressão de que V. Sª, indo para o Tribunal, vai pertencer ao grupo da minoria do Pertence, pelas várias afirmativas que temos ouvido de V. Sª.

O SR. GILMAR MENDES – Pois é. Fomos até litisconsortes, Senador, numa queixa-crime no caso do Xingu. Quando Sepúlveda Pertence passou por aqui, respondia a essa queixa-crime. Tanto é que me surpreendi quando houve esse levantamento, exatamente porque estávamos atuando na defesa do patrimônio público, e isso ocorre.

Em 1988, depois de concluir a minha dissertação, fui para a Alemanha, onde fiquei até 1990. Quando voltei, a Procuradoria da República estava transformada. Na verdade, era a gestão inicial do Procurador Aristides Junqueira. Era uma co-gestão. A Associação e o Procurador-Geral geriam aquilo. Era uma legitimidade toda própria. Então, quando cheguei, já era considerado talvez o melhor, o maior especialista em questão constitucional na Procuradoria da República. Devo ter voltado um pouco melhor, mas o Dr. Aristides disse: "Você vai para a primeira instância, porque agora a regra é esta: procurador que não é subprocurador fica na primeira instância. Agora aqui manda a corporação".


O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – – Foi um pouco de ciumeira, não?

O SR. GILMAR MENDES – Sabe-se lá, mas foi a mão de Deus, na verdade. Então veio o convite do Embaixador Márcio Dias, que seria Subsecretário-Geral da Presidência da República, o segundo homem de Marcos Coimbra na Presidência. Convidou-me. Fui para lá trabalhar como um de seus adjuntos, portanto comecei…

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Na eleição, V. Sª nem estava no Brasil.

O SR. GILMAR MENDES – Não, cheguei em outubro de 1990, portanto nem conhecia os contextos eleitorais nem tinha nenhuma vinculação política com o grupo que ganhara a eleição. Pelo contrário, como eu fora Oficial de Chancelaria do Itamaraty, tinha vinculação com diplomatas. Foram eles que me chamaram para essa missão. Posteriormente, talvez por mérito, me elevaram à condição de Chefe da Consultoria Jurídica da Secretaria-Geral, então fiz todo esse trabalho em relação a essa questão.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Não teve nenhuma ligação com o Governo?

O SR. GILMAR MENDES – Nenhuma ligação política.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – V. Sª já falou, e me pareceu importante, da questão da quarentena. V. Sª fez uma referência muito importante. Por que quarentena para ministro e não para outras questões? Fecho com V. Sª, a quarentena devia ser ampliada. Aliás, eu e vários outros Senadores e Deputados temos projetos nesse sentido. A quarentena devia ser ampliada. O Ministro do Supremo Tribunal Federal que sai devia ter um tempo para advogar. O Ministro da Educação, da Fazenda, etc., devia ter um tempo. V. Sª sabe que nos Estados Unidos é sagrado: o Presidente do Banco Central passa pela quarentena. Ele recebe do Governo, mas não pode… Ao contrário do que aconteceu no Brasil: o Sr. Pérsio Arida saiu do Banco e no dia seguinte estava prestando assistência, ele que havia elaborado o plano de privatização, num banco que coordenava as empresas multinacionais que entravam no plano de privatização. Quer dizer, é o acúmulo do absurdo que se pode imaginar. Então concordo com V. Sª quanto à ampliação, seria muito importante que essa ampliação existisse e que fizéssemos da quarentena algo que realmente tivesse significado. V. Sª levantou uma questão muito interessante: se a quarentena for feita, para mim, que sou advogado, para o outro, que é promotor, vou acrescentar para o outro que tem causas perante o Supremo Tribunal Federal, para um outro não sei quê, não vai sobrar ninguém. Vão colocar tecnocratas que, disse muito bem V. Sª, talvez nem saber jurídico tenham.

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