Direito das obrigações

Revisão de contrato de qualquer natureza não está sujeita ao CDC

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19 de maio de 2002, 8h11

O homem é produto de suas tradições. Se essa verdade, asseverada por Bertrand Russel, é inconteste, também inegável é que as tradições são, sempre, rompidas na busca da evolução. Assim, ocorre com o homem individualmente, que de criança passa a adolescente, de adolescente a adulto e de adulto a velho, como também com a sociedade. O paradoxo universal é compreender que a única constância é a mutação.

O Direito, como ciência do homem, não escapa a esta verdade e, como tal, está submetido à constante evolução. Não obstante, embora sujeito à mutação, deve oferecer à sociedade um coeficiente de estabilidade que permita cumprir uma de suas funções básicas, tal seja, a paz social.

Nesse diapasão, talvez, o contrato seja a forma mais perfeita de exercício de direito civil porquanto, tendo uma matriz legal que lhe garante validade, fundamento este estável e pouco mutável, deixa aos contratantes ampla liberdade de estabelecerem e convencionarem suas obrigações.

O sentir de que o contrato faz lei entre as partes foi criado na esteira da revolução francesa e das revoluções liberais. A partir do final do século XVIII a Europa foi varrida por filosofias que coadunavam com o sentimento burguês de liberdade, derrubando todas e quaisquer castas sociais, acreditando que os homens eram livres e, utopia das utopias, iguais.

Desta premissa equivocada (todos são iguais) criou-se um silogismo (portanto livres) que levou à conclusão que o contrato faz lei entre as partes e, desta forma, não cabe revisão judicial de suas cláusulas. Nosso Código Civil de 1917 foi presa fácil deste otimismo filosófico, não regulando a revisão judicial dos contratos, admitindo somente o erro, o dolo, a simulação, a fraude e a coação.

O século XX derrubou por terra esta convicção romântica, fazendo claro aos pensadores, primeiramente no campo da ciência econômica, que não há igualdade entre os homens e, por essa razão, não pode haver liberdade. Dessas conclusões emanaram as primeiras legislações que vieram confrontar o liberalismo puro, surgindo leis que procuraram proteger as nações dos “trustes” e carteis que grandes conglomerados financeiros haviam formado.

Ficou claro, no entanto, que não bastava ter-se uma legislação que impedisse a formação de cartéis, porquanto grandes capitais encastelavam-se, justamente, na proteção do contrato para “vitimizar” o contratante mais fraco. Tal e qual a ação de um vírus, grandes empresas, utilizando-se da legislação emanada da sociedade, firmavam (empunham) contratos e, fundamentando na sua imutabilidade, usavam o aparelho jurídico para lesar a sociedade.

Assim, ainda no primeiro cartel do século XX, legislações nos países de primeiro mundo, abrandaram a imutabilidade do contrato, permitindo a revisão judicial quando, daquele acordo de vontades, resultasse lesão a uma das partes. Lesão, em síntese, conforme definimos em Lesão nos contratos e ação de revisão, nada mais é senão o desequilíbrio de um contrato comutativo em que há um ganho desproporcional de uma das partes contratantes.

Muito embora esse conceito seja regulamentado há muito no Direito de outros países, pela falta de revisão do nosso Código Civil, ficamos sem positivar este importante contra-peso no Direito das Obrigações. A jurisprudência e a doutrina, com certa timidez, veio ao longo das décadas assinalando tal carência em nosso Direito das Obrigações.

Enquanto o novo Código Civil percorria os descaminhos dos corredores do Congresso, atropelou-se um Código do Consumidor, o qual, de maneira um tanto atrapalhada, enfim, trouxe à nossa legislação, a revisão de contratos.

Tal Código do consumidor, de capital importância, terminou por, involuntariamente, prestar um desserviço ao instituto da lesão, porquanto firmou convicção entre os mais desavisados de que a lesão somente seria aplicada aos contratos consumidoristas.

Dessa forma, perdeu-se o Direito das Obrigações em discussões que se arrastam há quase uma década se o contrato bancário está ou não submetido ao Código do Consumidor, se tal contrato está ou afeito ao Código do Consumidor, etc.

Em verdade, conforme tivemos oportunidade de explanar em Ilegalidades nos contratos bancários, a revisão dos contratos, sejam eles de que naturezas forem, não está sujeita ao Código do Consumidor, mas sim ao instituto da lesão.

A lesão, como instituto, foi positivada no novo Código Civil no artigo 157 trazendo uma verdadeira revolução nas tradições do Direito das Obrigações pátrio. Tal artigo, embora pouco abrangente, certamente ensejará aos julgadores a aplicação equânime da discricionariedade, sendo um pequeno passo de uma grande caminhada.

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