Pesos e medidas

A inexplicável prisão de Rainha em Teodoro Sampaio

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19 de maio de 2002, 19h03

No Brasil, a partir de 1995, foi introduzido o conceito de infração de pequeno potencial ofensivo, que seriam aquelas imputadas aos juizados especiais, regulados pela Lei 9.099/95. A partir daí, para as condutas puníveis para as quais se imputam penas que não ultrapassem o limite de um ano de prisão, deixou de existir a prisão em flagrante delito, estimulando o Legislador que se optasse por outro tipo de solução que não a pena de prisão. Diz o parágrafo único do artigo 69 daquela norma que “ao autor do fato … não se imporá prisão em flagrante…”.

Com o posterior advento da Lei 10.259 de 2001 (art.2º, parágrafo único) que instituiu os juizados especiais federais, ampliou-se esta moldura para o limite de dois anos, dentre os quais se inclui o delito de porte ilegal de arma de fogo, como dispõe o artigo 10 da Lei 7103 de 20/6/1983.

Em síntese: a lei não permite prisão em flagrante no caso de porte ilegal de arma de fogo. No entanto, os jornais vêm noticiando que o sr. José Rainha, dirigente do Movimento dos Trabalhadores sem Terra foi preso em flagrante delito sob tal acusação.

A mesma imprensa noticiou que o juiz teria negado ao advogado do réu o direito a exercer a prerrogativa prevista no artigo 5o , par. 1o da Lei 8906/94, o que implicaria, teoricamente, em cometer o delito previsto na alínea j do artigo 3o da Lei 4.898 de l965. E mais, teria submetido o acusado à desnecessária humilhação de algemá-lo em audiência, aparentemente, a cometer o delito tipificado no mesmo diploma legal, em sua alínea i.

Todas estas notícias são assustadoras. Um cidadão foi preso em flagrante delito por ser acusado de praticar uma conduta para a qual a lei não permite este tipo de prisão. Não bastasse o Réu pedir para ser solto e ver negada tal pretensão, o próprio Promotor já teria formulado idêntica sugestão, infrutíferamente, por duas vezes. O advogado defensor é cerceado em sua atividade.

A única testemunha diz para a Polícia Militar que a arma é sua e, depois, para a Polícia Civil disse o contrário. Mais tarde, na ante-sala do Juiz, declara à imprensa que a verdade é o que disse para a PM, mas, quando entra na audiência, volta a desmentir-se mais uma vez. As coisas são estranhas em Teodoro Sampaio.

Aqui, tão longe do calor dos acontecimentos, a cidadania espanta-se com tais notícias e fica extremamente preocupada. A acreditar-se nas notícias divulgadas, fica-se na dúvida: a lei penal será diferente, por acaso, naquela localidade, ou será que esse tal José Rainha está a receber um tratamento diferente por ser dirigente do Movimento dos Trabalhadores sem Terra?

Vivemos um momento perigoso neste país, onde cinqüenta milhões de pessoas são tidas, pelos órgãos públicos, como pobres, das quais, vinte e dois milhões, seriam jurídica e tecnicamente, indigentes. As portas da Justiça fecham-se para estes miseráveis que não encontram caminhos para sair de sua miséria. No entanto, abrem-se para processar seus líderes como criminosos perigosos.

A miséria não é um delito e a busca de sua superação não pode ser criminalizada. Explique-se para o povo porque é necessário prender o José Rainha que há dois meses foi baleado pela pistolagem e é acusado de estar com uma espingarda e não é preciso manter na cadeia um milionário acusado de matar a namorada, um marido de governadora que guarda um milhão e meio de reais inexplicados na gaveta, um senador que é acusado de receber milhões do dinheiro público para não construir um ranário.

Será que o perigosíssimo José Rainha é uma ameaça tenebrosa que o Estado precisa manter atrás das grades? Talvez até seja se há uma parte do povo que nele veja a esperança, mas, neste caso, a prisão será inútil porque não se prende o sonho de que um outro mundo é possível.

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