Cidadania eletrônica

Analfabetos tecnológicos são os náufragos do futuro

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19 de maio de 2002, 8h08

Enquanto os Estados Unidos lançavam mísseis sobre as paupérrimas cidades do Afeganistão, os jornais noticiaram uma oportuna iniciativa do governo federal: um investimento de R$ 22 milhões para o desenvolvimento da cidadania eletrônica no Brasil, por meio da criação de pontos públicos de acesso à Internet destinados à população de menor renda.

Os primeiros terminais de acesso público funcionarão nas agências dos Correios e permitirão o incremento do governo digital e do e-commerce, ou comércio eletrônico. Estima-se que em 2005 as empresas de varejo on line no Brasil venderão R$ 9 bilhões em produtos e serviços pela Internet. E isso num cenário em que apenas 10% dos brasileiros compram pela rede. Calcule-se, então, o que pode vir a ser o e-commerce no futuro, quando os terminais estiverem acessíveis e as compras forem mais seguras, em virtude da criptografia e da certificação digital.

O conceito de governo eletrônico é relativamente novo e diz respeito à participação dos cidadãos na sociedade da informação, decorrente da revolução tecnológica. Entre as inovações que repercutirão em nossas vidas, como a nanotecnologia e a inteligência artificial, destacam-se as empregadas para a difusão, compartilhamento e segurança da informação. Hoje, informação é poder e corresponde a uma verdadeira commodity, com valor mensurável no mercado de capitais.

É a partir dessa idéia de sociedade digital que o professor Christiano German, da Universidade da Baviera, acentua o surgimento de uma nova divisão social, entre os ricos em informação (information rich) e os carentes dela (information poor), surgindo daí, respectivamente, uma elite on line e um proletariado off line. Isso é o digital divide ou exclusão digital.

Com a Internet, especialmente com World Wide Web, a sociedade cibernética, caracterizada pela difusão da informação por sistemas de telemática, passa a ser composta por uma elite, a daqueles plugados na Internet, os on line, que têm acesso ao conhecimento em qualquer parte e podem interagir com o mundo em tempo real. Navegam as ondas virtuais do mundo novo, etéreo, mas concreto, que surgiu com a Internet.

Do outro lado, ou fora dessa sociedade, como marginalizados do mundo hitech, estão os desplugados, ou povo off line, grupo muito mais numeroso que não tem computadores, não tem linhas telefônicas e às vezes nem mesmo é alfabetizado. Muitos brasileiros são analfabetos em português e serão também analfabetos tecnológicos no século XXI. Estão isolados, em ilhas perdidas no oceano informacional. Não navegam. Não interagem. São náufragos do futuro.

A distinção das pessoas na sociedade digital não se fará pelo poderio econômico, mas sim pela posse da informação e ainda pela capacidade de buscá-la nos seus repositórios e de identificar o que seja de qualidade, em meio a tantos “dados-lixo”, bem como pela ciência das formas de utilização eficiente dessas informações. Nesse contexto, cresce em importância a noção de interdisciplinariedade. Qualquer profissional que pretenda ser bem sucedido, qualquer empresa ou empreendimento que busque o êxito, deverá estar na rede e cercar-se de conhecimentos e especialistas em diversos campos, a fim de que se tornem visíveis e alcançáveis os horizontes desse mar cibernético.

Se na incipiente democracia helênica, antes de Cristo, havia a agora, em que se reuniam as assembléias populares, para deliberar sobre o destino da polis, hoje temos a praça eletrônica, ainda em construção no espaço cibernético, onde os cidadãos poderão fiscalizar a Administração Pública e obter serviços públicos sem sair de casa ou do trabalho, mediante o governo eletrônico (e-government).

Louva-se, portanto, a anunciada iniciativa do Planalto, que se soma a outras no campo da cidadania eletrônica. Sem dúvida, é uma das tarefas dos governos fomentar o acesso à informação, como direito subjetivo público, fundamental da pessoa humana.

De igual modo, é tarefa inafastável promover a transparência na administração pública, permitindo a concretização do e-gov e uma maior participação popular nos negócios públicos. Rui Barbosa, ao seu tempo, disse que a imprensa era a “vista da Nação”. Se estivesse vivo e conhecesse a Internet, o grande jurista teria dito que a rede mundial de computadores – que criou um “local” privilegiado de discussão, interação e busca chamado ciberespaço – é que doravante desempenhará o papel de “olhos e ouvidos” da Nação sobre as ações e práticas dos governos.

A sociedade da era da informação já é uma realidade. Os poderes públicos devem promover a inclusão eletrônica dos cidadãos, livrando-os da marginalização no mundo cibernético, no qual quem tem informação pode mais. Afinal, numa nova leitura do conhecido verso do poeta Fernando Pessoa: “Navegar é preciso“.

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