Vaga no Supremo

Disputa pela vaga no Supremo esconde interesses

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14 de maio de 2002, 13h50

Com a aposentadoria compulsória do ministro Néri da Silveira, ocorrida no dia 25/4, bem como pelo anúncio da Presidência da República, indicando o nome do advogado-geral da União, o digno Dr. Gilmar Mendes, para integrar o Supremo Tribunal Federal, oportuno se faz um olhar para esse ápice do nosso judiciário, para vermos como o mesmo está. Muito daquilo que se desenrola nas demais estruturas judicantes (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal, instâncias “A Quo” federal, do trabalho, eleitoral e estadual, etc) tem, necessariamente, sua origem naquela corte totalmente especial e particular.

Com um total histórico de 153 ministros, desde que foi oficial e legalmente constituído, nosso STF tem se notabilizado por ter ou já ter tido, em seus quadros, figuras de destaque no cenário nacional brasileiro, em seus diversos momentos históricos, seja para bem, seja para o mal, o que impôs um desenho altamente único para aquela excelsa corte judiciária.

Nesse particular de sua constituição histórica, não há como se deixar de mencionar a situação de que somente agora, no século XXI, aquela corte passou a ter, em sua composição, a presença feminina, por ato do atual presidente da República que, em sua postura inovadora e de vanguarda indicou nomeou a juíza Ellen Gracie Northfleet para o STF. E já no início da atuação da mesma, enquanto ministra do pretório máximo, lhe coube ser a relatora da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra as medidas executivas tomadas pelo governo federal quando da situação da crise energética brasileira, o famoso “apagão”, no qual medidas antipáticas para a sociedade forma, quando do julgamento do processo, tornado perfeitamente legais ante nosso ordenamento jurídico, por voto exemplarmente proferido pela ministra e seguido pela maioria dos demais ministros.

Segundo estabelece o texto constitucional em vigor, mais especificamente no “caput” do artigo 102, a guarda permanente da Constituição Federal, a partir da sua interpretação quanto aos casos concretos, delimitando direitos e deveres, é a função precípua do STF, ou seja, aquela corte altamente especializada tem de se preocupar, diuturnamente, com a nossa Carta Política, em todos os seus aspectos e implicações. Contudo, com 247 artigos, 74 disposições constitucionais transitórias, quase trinta emendas constitucionais e quase dez emendas constitucionais de revisão, todas repletas de incisos, parágrafos e alíneas, os quais, por sua vez de desdobram em remissões a um sem-número de outros textos legais de natureza infraconstitucional, evidencia-se ser uma tarefa hercúlea essa.

Mesmo assim, nossos onze ministros têm se esmerado em atuar sem esmorecimento no julgamento das milhares – tendendo para o milhão – de causas que chegam ao STF, tendo em vista que, por opção do nosso legislador constituinte, como mossa carta política é das mais amplas e detalhistas da história contemporânea das democracias, virtualmente qualquer processo, seja o de uma briga entre vizinhos por causa de animais de estimação, passando por extradição de criminosos solicitadas por outros países e culminando com toda uma miríade de ações declaratórias de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, acabam desaguando na corte suprema e tendo que ser objeto de julgamento e sentenciamento definitivo.

Porém, desde a promulgação da atual constituição federal e, notadamente nesses últimos oito anos, como senão bastasse o volume e diversidade de medidas judiciais que tem de serem julgadas pelo STF, tem se verificado que aquela corte, “data maxima venia“, tem pautado sua linha de julgamento por critérios muito mais políticos que jurídicos, sendo que isso salta aos olhos de qualquer cidadão de mediana inteligência. A grande pergunta é: Porque isso está acontecendo?

Aparentemente uma pergunta fácil de ser respondida, mas que, por envolver diversos fatores internos e externos ao próprio STF, acaba demonstrando ser mais complexa a sua abordagem e elucidação. Façamos aqui, duas algumas considerações que podem, ainda que parcialmente, apontar para uma ou algumas respostas. Senão, vejamos:

I)- Desde a promulgação de nossa primeira constituição republicana, passando pelo período ditatorial e, culminando com a atual carta política – fruto da (re) democratização pátria -, o STF tem se constituído numa corte judicial cujos membros – embora obtidos nas fileiras daqueles que militam no foro – por conta do próprio “modus” como são indicados e entronizados no cargo, o acabam sendo por força de fatores mais políticos-técnicos que técnicos-políticos.

Ora pelo que consta no parágrafo único, do artigo 101 da nossa Carta Política, os ministros do STF são escolhidos pelo mandatário máximo do Poder Executivo e, após essa escolha, tornada devidamente pública pelos meios de praxe, a nomeação somente se concretiza após a aprovação, por maioria absoluta do Senado Federal, porção do Poder Legislativo explicitamente ligada ao Pode Executivo.

Dessa forma temos que, a constituição humana da corte máxima do Poder Judiciário passa, necessariamente, pelas mãos do Poder Executivo – detentor do poder de escolha, indicação e nomeação -, isso com o aval do Senado Federal que, historicamente se constitui na representação governamental dentro do Poder Legislativo.

II)- O próprio texto constitucional, que é o referencial para a constituição do STF é, no mínimo oportunista, e no máximo ambíguo, pois estabelece condições carregadas de subjetividade em seu seio, no tocante à indicação e nomeação daqueles que comporão a excelsa corte, senão veja-se o texto: “Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.”.

Claramente se verifica, pelo texto legal em questão que, oportunisticamente o legislador constitucional manipulou no passado e continuou manipulando quando da última constituinte, e agora tornou-se letra da lei, aquele “modus” de indicação, dando-lhe uma aparência de seriedade e isenção, sem que, na realidade efetiva, isso ocorra, pois, efetivamente, há uma grande e explícita ingerência dos poderes Executivo e Legislativo, no Poder Judiciário, especialmente nas cortes superiores e especificamente naquela corte máxima.

Além daquela manifesta ingerência, tem-se que os valores individuais alocados como pré-requisito para aquele “múnus“, a saber o notável saber jurídico e reputação ilibada, se constituem, sem sombra de dúvida, em fatores altamente relativos ou relativizáveis, mas que, necessariamente podem ser aquilatados numa avaliação da vida pregressa de qualquer pessoa.

Mesmo assim, é de fácil constatação que aqueles valores individualizadores dos possíveis ocupantes de uma cadeira cativa na mais alta corte judicial brasileira, não precisam ser, necessariamente, modelos de conduta e virtude, pois quem vai aquilatar tais valores não é a sociedade brasileira como um todo e como o deveria ser numa sociedade democrática, mesmo que isso seja feito indiretamente por meio de representação. Quem avaliza a indicação do Poder Executivo é, na realidade dos fatos, apenas uma parcela da representatividade da nossa sociedade, oportunamente aquela que tem como função precípua ser a defensora dos interesses do Estado em si, ou numa clarificação de idéia, do Poder Executivo em si.

Como bem se verifica e já havíamos afirmado anteriormente, as considerações acima expostas são o mínimo, por assim se dizer a “ponta do iceberg”, do que pode ser posto a análise mais acurada sobre o STF, seus componentes e sua função judicante, por que não dizer, política.

Segundo tem sido noticiado na imprensa brasileira – ainda que de forma mínima -, mas que tem reverberado com força no setor jurídico pátrio – leia-se o Poder Judiciário, juízes, promotores, procuradores, advogados e demais pessoas que atuam na esfera judicial -, em que pese a qualidade inegável do indicado Gilmar Mendes, que segundo palavra do atual presidente do Supremo Tribunal Federal “no campo constitucional Gilmar é insuplantável”, fazendo reverência à conhecida qualidade técnico-jurídica do indicado, há uma resistência dentro do próprio Judiciário, disseminada pelo Legislativo – leia-se Senado Federal -, bem como um certo desconforto numa relativa parcela da área jurídica brasileira quanto à aprovação e ocupação da vaga pelo supracitado advogado-geral da União.

Embora tendo escapado de ser comentada pela sociedade como um todo, no meio jurídico ficou evidenciada a autêntica “guerra” que se abriu para aquela indicação ao STF, que contou, dentre outros “peixes graúdos”, com nomes como o do vice-Presidente da República, Marcos Maciel, do atual procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, além de deputados, senadores, ministros de Estado e até mesmo governadores, somente para exemplificar a amplitude de interesses que a ocupação dessa vaga envolve.

Nos termos daquela nossa consideração “I”, tem-se que Gilmar Mendes, tecnicamente “insuplantável” quando da defesa dos direitos e interesses do seu cliente, no caso a União Federal, no geral e o Poder Executivo, especificamente, possui uma qualidade inquestionável de filiar-se total e irrestritamente na defesa daqueles ditos direitos e interesses, mesmo que questionáveis a qualidade de alguns deles, como por exemplo, o chamado “seguro-apagão”, implementado após a sociedade como um todo ter conseguido suplantar um racionamento que lhe foi imposto pela, explícita e inquestionável, falha do próprio Poder Executivo, no cumprimento de suas funções.

Nesse particular veja-se o paradoxo, a população como um todo teve que arcar com aumentos nas tarifas de energia elétrica, isso por conta do pleito das empresas geradoras que alegaram ter prejuízo pela acentuada diminuição no consumo de energia elétrica Ou seja, mesmo tendo feito sua “lição de casa” corretamente, todos os brasileiros tiveram que se submeter, juntamente com os poderes constituídos, a sanar com esse possível – mas não comprovado – “prejuízo” das geradoras de energia elétrica, além de terem de se render a mais esse “tributozinho” que será encartado nas contas de energia elétrica, com objetivo de que sejam implementadas políticas e práticas que atendam às demandas energéticas do país, as quais sempre foram do conhecimento do Poder Executivo – lembra-se, aquele que tem a função de administrar e executar -, mas que, historicamente, foram deixadas de lado, sem que nem o Poder Legislativo ou o poder Judiciário, dentro de suas competências, fizessem as devidas cobranças quanto a isso.

E, quando do julgamento daquela Adin sobre o “Plano de Racionamento”, o qual foi o elemento embrionário daquele “tributozinho”, quem fez, coro para provar, indelevelmente, como realmente foi provada no julgamento, a legalidade, constitucionalidade e necessidade daquelas medidas? Sim, lá estava ele, explicitamente ou indiretamente, Gilmar Mendes, valendo-se de todos os seus conhecimentos técnico-jurídicos e dos seus conhecimentos técnico-políticos relacionados ao cargo que ainda ocupa.

Como bem se vê, o nosso STF é uma corte judicante das mais complexas, para não se dizer única, em todo o mundo contemporâneo. Uma corte com altas e indelegáveis responsabilidades para como a Democracia e o estado de Direito, ambos altamente necessários e salutares para a sociedade brasileiras, mas que, para se consolidarem, requerem uma atuação firme, no campo específico de suas competências, de cada um dos poderes constituídos, dos quais o STF é o ápice de um deles.

Ao que parece, muito mudou no STF e muito ainda vai e deve ser mudado, com ou sem Gilmar Mendes, mas com qualquer cidadão que, em sendo detentor de “(…) notável saber jurídico e reputação ilibada.” (CF/88 – Art. 101, “caput”), ao fazer parte da corte suprema, lembre-se sempre que a vida de milhões de pessoas estão diretamente ligadas ao condão de suas decisões, as quais devem, sempre e inexoravelmente buscar a efetivação do Direito, aqui tido como a aplicação da letra da lei de uma forma equilibrada e isenta de interesses e paixões, pois todos são e devem ser iguais perante a letra da lei.

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