Calote público

Quitação dos precatórios poderia ser negociada com os bancos

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13 de maio de 2002, 12h13

O Poder Público continua firme e forte em sua disposição inabalável de dar o calote em seus legítimos credores judiciais. Qual é a situação hoje? O Supremo Tribunal Federal, através de seu presidente, tentou levantar o estoque de dívidas vencidas, alimentares ou não, junto aos Tribunais Estaduais e União, aparentemente sem sucesso.

Tanto quanto se sabe, alguns simplesmente não se dignaram a responder, o que leva a primeira e importante constatação: não existe qualquer controle ou monitoramento do estoque de dívidas judiciais públicas no país.

Certamente estamos falando de muitos bilhões de reais, vencidos, inadimplência monstruosa financeira e eticamente, que é cuidadosamente sonegada nos números apresentados aos bancos nacionais e estrangeiros que emprestam dinheiro ao governo.

Isto apesar da nova lei de responsabilidade fiscal, que pede transparência nos números, mas já começa a fazer água com resoluções do Senado Federal retirando dívidas judiciais de cálculos e equações do passivo público.

Enquanto não houver transparência nos números, qualquer exercício para administração do passivo não passará de uma farsa, encenada sem pudor principalmente pelos Governadores, vários dos quais compareceram ao Gabinete do Presidente do STF, fazendo promessas, oferecendo números e datas, invariavelmente descumpridos.

Sob o ângulo legislativo, as dívidas judiciais não-alimentares foram objeto de nova e vergonhosa moratória (Emenda 30), que dá mais 10 anos para pagamento, até para novas ações simplesmente ajuizadas até 31/12 de 1999.

Para acalmar um pouco os credores, e manter alguma aparência de seriedade, prevê-se na nova moratória algumas sanções para a inadimplência, como seqüestro de rendas.

A OAB entrou com ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF contra esta moratória, e o relator, Néri da Silveira (recentemente aposentado), já votou neste sentido.

O julgamento prosseguirá, mas o que se ouve nos corredores dos Tribunais, por incrível que pareça, é que o Poder Público agora está torcendo sim pela declaração de inconstitucionalidade, pois, em conseqüência, voltaríamos ao status quo anterior, onde ninguém paga nada e nada acontece.

As dívidas judiciais alimentares, que teoricamente têm preferência absoluta para pagamento e estão fora de qualquer moratória legislativa, são pagas a conta gotas, ao bel prazer dos inquilinos de plantão no Executivo.

Como não passa pela cabeça dos governantes usar verbas orçamentárias ou quaisquer outras para esses alimentares (só em São Paulo milhares de pessoas já morreram aguardando pagamento de pequenas indenizações), está em andamento no Congresso projeto de lei permitindo a utilização dos depósitos judiciais para pagamento de alimentares.

A coisa (pagar conta do Governo com dinheiro de terceiros) já estava aprovada na Câmara, quando descobriu-se, no Senado, que este dinheiro (bilhões) já não existe mais no mundo real, apenas escrituralmente, pois teria sido emprestada pelos Bancos Estatais a outras estatais, que não podem devolve-lo assim de uma hora para outra. Uma solução mais tímida é agora negociada, mas os números são muitos pequenos.

É a mesma situação dos fundos de pensão de funcionários públicos (o Ipesp, em São Paulo, por exemplo), cujos recursos (retirados do empregado do governo) são desviados para um caixa único do governo ou suas estatais. O Ministério Público poderia muito bem investigar onde foi parar esse dinheiro.

Neste cenário tenebroso, o presidente do STF decidiu colocar em votação brevemente (fala-se já em junho) pedidos de intervenção federal.

As conseqüências jurídicas e políticas seriam enormes, e o prestigioso jornal “O Estado de São Paulo” fez editorial em 12/4, afirmando, em resumo, que, sim, é preciso que o Poder Público pague suas dívidas, vencidas há anos, mas desde que não seja agora, muito menos em ano eleitoral. Enfim, é preciso acabar com a corrupção nos costumes financeiros públicos, mas não podemos radicalizar.

A imoralidade, a injustiça, o desprezo às ordens do Poder Judiciário, a falta de ética do Poder Público parecem não sensibilizar mais a comunidade ou a mídia, ou, talvez tudo isto seja para alguns muito pequenos em comparação à necessidade real e correta de manutenção de suposto equilíbrio financeiro nas contas públicas (suposto porque grande parte do passivo está debaixo do tapete, como demonstrou-se). Convoquemos, pois, os banqueiros à mesa, acostumados a financiar o governo, em grandes volumes e prazo.

Está mais do que claro que o Poder Público não tem a menor preocupação com seus credores judiciais ou com o Judiciário, mas não pode brigar com os bancos, pois precisa permanentemente de crédito.

Os credores poderiam securitizar (tornar líquidos) seus créditos judiciais, para possível negociação voluntária em mercado aberto. Haverá perdas para os credores e lucros para os Bancos, mas seria um caminho para o desate do impasse atual e quem sabe um passo para uma postura civilizada do Poder Público no futuro.

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