Empresa multada

Microsoft condenada por pirataria na França

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

13 de maio de 2002, 15h37

Pouca gente sabia disso, mas a Corte Comercial de Nanterre, na França, multou a Microsoft em 3 milhões de francos por pirataria de software. A companhia foi condenada por ter incluído ilegalmente em seu programa chamado SoftImage 3D (um pacote de animações de alto nível), o código-fonte proprietário pertencente a outra empresa. A decisão ocorreu em setembro de 2001, mas só começou a ser divulgada amplamente após ter sido abordada em 8/5 por Tina Gasperson, editora da NewsForge.

A única reportagem confiável a respeito havia sido redigida por Lionel Berthomier e publicada no jornal francês Le Monde Informatique. Uma versão em inglês foi divulgada pela PCWorldMalta em 28/11/01 – aproximadamente dois meses após a decisão daquela Corte. O site da revista online inglesa Digit também publicou a versão de Berthomier em 3/12/01. Mas até hoje, nenhum site de notícias importante, nem mesmo os tradicionalmente anti-Microsoft, havia publicado uma linha sequer a respeito. E nenhum dos concorrentes da MS aproveitou-se do ocorrido para uma desforra.

Mas o congressista peruano Edgar David Villanueva Nuñez trouxe a história à tona. Nuñez vem sendo chamado de “versão open source de São Tomás de Aquino” por ter elaborado uma respostaSumma Compulogica” à carta remetida pelo gerente geral da Microsoft no Peru, Juan Alberto González.

A Microsoft considerou que o envio dessa carta era imperioso porque, caso um projeto de lei peruano fosse aprovado, o governo daquele país passaria a adquir e utilizar apenas os softwares de fonte aberta (open source). Da carta-resposta do congressista, destaca-se o trecho:

“Questões relacionadas à propriedade intelectual estão fora do escopo deste projeto, uma vez que é protegida por outras leis específicas. O modelo de software livre não implica, de modo algum, na ignorância dessas leis, e no fato da grande maioria do software livre ser protegido por direitos autorais. Na realidade, a inclusão dessa questão em suas observações veio demonstrar a sua confusão a respeito da estrutura legal na qual o software livre é desenvolvido. A inclusão da propriedade intelectual de terceiros nos trabalhos reivindicados como próprios não é uma prática que está sendo considerada pela comunidade do software livre; visto que, infelizmente, faz parte da área do software proprietário. Como exemplo, a condenação da Microsoft Corp. pela Corte Comercial de Nanterre, França, em 27/9/2001, a uma pena de 3 milhões de francos por perdas e danos e lucros cessantes, pela ocorrência de violação a propriedade intelectual (pirataria, utilizando-se o termo infeliz que sua empresa comumente usa em sua publicidade).”

Sim, a corporação que cunhou o termo “pirataria de software” foi considerada culpada de ter cometido esse mesmo crime. Utilizando-se os fatos descritos no artigo de referência da PCWorldMalta, delineou-se uma linha temporal básica acerca dos eventos que conduziram à decisão da Corte francesa:

1-) Final dos anos 80: a Syn’X Relief, uma companhia de animações em CGI com sede em Paris, desenvolveu o Character, uma ferramenta proprietária de animação, e procedeu ao seu registro no Instituto Nacional Francês da Propriedade Intelectual;

2-) 1992: A SoftImage assinou um contrato com a Syn’X visando integrar as funções originais do Character ao programa SoftImage 3D, em troca do pagamento de royalties;

3-) 1994: A SoftImage propõe à Syn’X uma alteração indecorosa ao contrato: a concessão dos direitos sobre o código-fonte do Character ou o rompimento do negócio. A Syn’X não concorda e, logo após, notícias informam que a Microsoft adquiriu a Softimage;

4-) 1995: O contrato entre a Syn’X e a Microsoft/SoftImage é rompido, e a Microsoft declara que “o todo ou parte” do Character foi removido do SoftImage 3D. Mas de acordo com a Syn’X, a Microsoft/SoftImage excluiu somente uma função, e há pelo menos outras oito remanescentes. A Syn’X emitiu uma notificação de cessação e desistência do contrato, e acabou tendo que ajuizar uma ação na Corte francesa;

5-) 1996: A Syn’X, com seus recursos esvaídos, declara falência e deixa o negócio;

6-) 1997: os autores do Character integram a luta contra a SoftImage, em busca da preservação de seus direitos;

7-) Setembro/2001: A Corte anuncia o seu veredicto: a Microsoft é multada em 3 milhões de francos (o que corresponde a “míseros” US$422.000). A MS declarou que vai apelar da decisão.

O que o artigo da PCWorldMalta não menciona é que, durante o ano de 1998 e logo após o início do julgamento em si, a Microsoft livrou-se da carga trazida pela SoftImage, transmitindo-a a empresa Avid. Mas acabou tendo que adquirir uma porção minoritária desta empresa como parte do negócio.

A Avid divulgou em uma informação legal que possui os direitos autorais sobre todos os softwares divulgados em seu site. Inclusive sobre aquele que, certa vez, ficou conhecido como Microsoft SoftImage 3D.

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  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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