Vaga no Supremo

AMB e Abrat questionam critério de escolha de ministros do STF

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12 de maio de 2002, 21h55

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat) posicionaram-se, no final de semana, a respeito do preenchimento de vagas no Supremo Tribunal Federal e, em especial, sobre a indicação do advogado-geral da União, Gilmar Mendes para a substituição do ministro Néri da Silveira, que se aposentou recentemente.

A nota assinada pelo juiz Cláudio Baldino Maciel, presidente da AMB, invoca a importância da quarentena, como critério para buscar a neutralidade de ministros do STF. O advogado Luís Carlos Moro, titular da Abrat, em carta aberta dirigida ao Senado, invoca também a necessária independência por parte dos integrantes da Corte e cita o fato de que, tendo atuado nas principais causas em apreciação no STF, o advogado-geral de veria impedido de participar dos julgamentos de, aproximadamente, ¾ dos processos do Tribunal.

Leia as manifestações:

NOTA PÚBLICA

A ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS-AMB, em face da indicação pelo Presidente da República do Sr. Gilmar Mendes ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, sente-se no dever de tornar público o seguinte:

1. Há longo tempo constata-se que o atual modelo constitucional de escolha de ministro do Supremo Tribunal Federal deve ser modificado, para garantir-se à Excelsa Corte maior distância do poder político-partidário e imagem de absoluta independência nos julgamentos.

2. A indicação do Dr. Gilmar Ferreira Mendes para o cargo, que ensejou inusitado adiamento de sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, agrava a crise do referido modelo de escolha, porque, se o eminente jurista detém reconhecida competência técnica para o cargo, inegavelmente é oriundo das instâncias mais próximas das políticas governamentais com as quais mantém notório envolvimento.

3. Se tal grau de comprometimento máximo na defesa de interesses governamentais – que levou o jurista de superior formação intelectual a excessos como o de qualificar de “manicômio” o próprio poder ao qual pretende agora ascender – já não seria aceitável no exercício de cargo de governo, certamente é incompatível com a alta função de ministro do Supremo Tribunal Federal, que tem como requisito fundamental absoluta independência (ser e parecer ser) frente aos demais Poderes da República, além de reputação ilibada.

4. Não foi por outro motivo que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou, na emenda constitucional que trata da reforma do Poder Judiciário, regra estabelecendo “quarentena” para a indicação de ministros do STF. Tal dispositivo, mesmo insuficiente para superar o problema, acaso vigente já impediria a referida nomeação. Todavia, os elevados valores éticos e políticos contidos na regra da “quarentena” representam justa expectativa da sociedade brasileira, e só por isso foram já acolhidos pela própria Comissão do Senado Federal encarregada de sabatinar o indicado ao cargo.

Brasília, 10 de maio de 2002.

Cláudio Baldino Maciel

Presidente

ABRAT

Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas

CARTA ABERTA AOS SENHORES SENADORES

Senhores Senadores da República:

A ABRAT, ante a iminência de que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado da República ouça o senhor GILMAR FERREIRA MENDES, como indicado à ocupação de vaga na Suprema Corte, solicita a atenção de Vossas Excelências para a grave e profunda responsabilidade que a Constituição Federal lhes impõe: a de preservação do equilíbrio, independência e harmonia entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Não se cuida de um libelo, mas apenas um alerta. Não figuram aqui quaisquer acusações pessoais ao candidato. Estas já vieram a lume e dispensam reforço, haja vista a estatura e o jaez de seus autores.

A preocupação que se manifesta é de ordem legal e de sentido de preservação do Judiciário como instituição.

Isso porque não é admissível venha o Advogado Geral da União converter-se em Ministro do Supremo Tribunal Federal.

À Corte Constitucional compete apreciar e julgar inúmeros feitos nos quais a União figura como parte ou interessada: um volume próximo a três quartos das causas ali em trâmite.

Sendo o senhor GILMAR FERREIRA MENDES egresso da Advocacia Geral da União, recentissimamente, em todos aqueles feitos, o indicado atuou, interveio, oficiou, funcionando como órgão da União.

Quando não pessoalmente, fê-lo através de comandos genéricos e abstratos, expressos em instruções normativas aos advogados da União.

E, pelo texto legal, artigo 134 do Código de Processo Civil, o indicado é impedido de exercer as funções de julgador nos processos em que a União guarda interesse.

Como tais ações avolumam-se e preponderam no Supremo Tribunal Federal, o ministro FERREIRA MENDES só poderia exercer suas novéis funções em pequenina fração das lides.

Assoberbaria os pares (já tão assoberbados) ainda mais. Não se integraria à Corte como um ministro, mas um fragmento de ministro, que oneraria todo o Sumo Pretório com seus impedimentos.

Senão impedido, ao menos suspeito o indicado seria, na forma do artigo 135 do Código de Processo Civil, na medida em que, no mínimo, teria aconselhado a União, por seus pareceres e instruções, acerca do objeto de inúmeras causas que, na nova condição, lhe incumbiria julgar.

E mesmo que não viesse, ele próprio, a reconhecer o impedimento e suspeição que lhe inquinam, poderia vir a ser recusado pelas partes, por meio de exceção (artigos 137 e 304 do Código de Processo Civil).

Natural seria que as partes assim procedessem, eis que causaria espécie que viesse o advogado de um dos pólos de uma ação a ser nomeado julgador dos feitos em que oficiou como advogado-chefe.

Fossem os senhores senadores partes, permitiriam que o advogado-mor, representante dos interesses opostos, viesse a julgar seu feito? E caso contra tal poder não pudessem se opor: devotariam algum respeito ou consideração pelo julgamento?

Aprovar tal escolha, destarte, consiste em expor o Judiciário, diminuir o papel do Legislativo nesse processo e admitir que a União, ainda quando parte, poderia por, impor e dispor do processo, convertendo seu advogado em julgador e sua defesa em sentença.

Eis a razão desse chamamento: engrandeça-se o Legislativo impedindo-se esse risco institucional: façamos dos poderes, a par de harmônicos, fundamentalmente independentes.

São Paulo, 10 de maio de 2002.

Luís Carlos Moro

Presidente da ABRAT

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