O calvário de Gilmar

Gilmar Mendes enfrenta os inimigos do governo FHC

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11 de maio de 2002, 16h12

Na próxima quarta-feira, dia 15, quando os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça do Senado se reunirem para sabatinar o indicado pelo governo para vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal, a temperatura do debate será, sem dúvida, a mais alta já registrada na história do país em torno da escolha de um juiz.

Os motivos para essa situação não são poucos e são todos fascinantes. O principal deles é que, embora a escalação de Romário para a seleção ainda pareça ser assunto mais importante, a mídia já dedica algum espaço à questão da Justiça.

No centro do palco encontra-se Gilmar Mendes. É em torno de seu nome que se trava o debate.

Dono de um currículo acadêmico quilométrico, ele já foi descrito pelo presidente do STF, Marco Aurélio, como “insuplantável” em matéria constitucional. Não se põe em dúvida a capacidade técnica de Gilmar.

A questão que se coloca é a sua identificação com o governo. O mais forte motivo contra sua nomeação, talvez, sejam os resultados da sua atuação à frente da AGU.

Como advogado-geral da União, é consenso, ele cumpriu seu papel com uma eficiência inédita na história do país. Atracou-se com a missão furiosamente. Para defender seu “cliente”, Gilmar se expôs, brigou, fustigou e não deu trégua a seus ex adversus.

Essa atuação foi deletéria para setores acostumados a vencer o poder público sem encontrar grande resistência. Há exemplos de sobra. No caso do FGTS, por exemplo, estima-se que a advocacia privada de Brasília perdeu honorários na casa dos bilhões com a simples desistência, por parte da União, de insistir no litígio, encerrado por acordo.

Em outras causas bilionárias, a vitória da União redundou, igualmente, em amargos prejuízos para outros setores. Estranhamente, porém, a proteção do Erário não tem sido vista como uma vitória em favor da sociedade. “Como se o dinheiro poupado pertencesse ao presidente da República”, assinalou o advogado Paulo Guilherme Mendonça Lopes.

Mesmo o segmento que mais clama por um Estado forte e que, ideologicamente, repele a praxis capitalista, quando se trata de embates da iniciativa privada contra a União, parece torcer pela derrota do governo.

O caso de Gilmar, contudo, aparentemente, provoca sensações diversas e contraditórias na comunidade jurídica.

Pesquisa de opinião feita por este site, quando foi lançado o nome do desembargador paulista Antônio Cezar Peluso para a vaga de Néri da Silveira no STF, no mês passado, resultou em expressiva vitória de Gilmar. Entre as duas “candidaturas”, um colégio de 1.650 leitores manifestou nítida preferência pelo advogado-geral da União (69,5% dos votantes).

Na semana passada, para embaraçar a investidura de Gilmar, o advogado Reginaldo de Castro, pré-candidato ao Senado pelo PSB e o juiz federal Eduardo Cubas invocaram a existência de processos e representações de que o advogado-geral da União foi alvo no exercício do cargo.

No Congresso, o relator da indicação, Lúcio Alcântara, manteve seu parecer favorável à nomeação, uma vez que os processos ainda estão em curso. Na 9ª Vara da Justiça Federal, o pedido de Cubas, para suspender a sabatina, foi ignorado pela mesma razão.

Até porque, do presidente da República aos ministros do STF (todos eles, alguns até mesmo por “formação de quadrilha”), passando pelos senadores, o próprio Reginaldo ou a direção deste site, todos enfrentam ou enfrentaram processos judiciais. Sem que isso implique, necessariamente, culpa. Afinal, usar o Judiciário com o objetivo de intimidar ou atrapalhar a vida de desafetos tem sido uma prática rotineira no país.

Atribui-se a Reginaldo e a Cubas motivação pessoal nas investidas. Quando presidente da OAB, Castro tentou levar seu desafeto ao Tribunal de Ética por conta da edição da Medida Provisória 1.984. O detalhe é que o ato fora assinado pelo então ministro da Justiça, José Carlos Dias, e pelo ex-titular da AGU, Geraldo Quintão – e não pelo requerido.

O juiz Eduardo Cubas, por seu turno, teve seu vitaliciamento ameaçado por representação do advogado-geral, que o levou à Corregedoria por erro formal em processo – onde Cubas foi admoestado. Ao postar-se à frente dos holofotes, em defesa da moralidade, acabou sendo alvo de acusações mais graves do que as que apresentou.

Tendo a chance de fazer média com a esquerda, barrou investidas trabalhistas como a do escritório do ex-prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro. Acusou-o de atuar nas duas pontas (do empregador e dos trabalhadores) auferindo vantagens com isso. Representou contra os advogados perante a OAB e perante o TRT, que acatou sua apelação.

Ironicamente, atua no escritório gaúcho Felipe Néri Dresh da Silveira, um dos filhos do ministro cuja vaga poderá ser ocupada por Gilmar. Felipe encabeça o movimento “Gilmar Não”, que levanta assinaturas contra a nomeação do desafeto.

Desses entreveros originaram-se as desavenças que alimentam a resistência a seu nome. Geraram também as representações e processos que agora se erguem contra a sua nomeação.

Em um aspecto, pelo menos, os acusadores de Gilmar têm razão. Ele foge do lugar comum. Ousa além do que é razoável. Amigo de Ives Gandra, não hesitou em desacatá-lo ao tê-lo como adversário numa causa no STF. Dependente da opinião de juízes para o sucesso de suas causas, desafia-os com desassombro. Egresso do Ministério Público, onde brigou com obstinação, enfrenta seus ex-colegas sem contemplação.

No dizer da Associação Brasileira dos Constitucionalistas, “a Constituição reclama do ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 101, caput) duas condições: “notável saber jurídico” e “ilibada reputação”. Estas duas ele as preenche, estas duas é que devem, objetivamente, ser apreciadas pelo Senado Federal, posta de lado a paixão política.”

O assunto ainda promete polêmica. Envolve uma saudável discussão sobre os critérios de preenchimento de cargos no STF. O fato conjuntural, contudo, é que o artigo 101 da Constituição Federal encontra-se em pleno vigor. E é difícil afirmar que Gilmar Mendes não atende os requisitos ali previstos.

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