Leis modernizadas

'Trabalho não pode servir de moeda de troca no mercado político'

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9 de maio de 2002, 11h51

Maio é o mês tradicionalmente ligado ao tema trabalho – o maior desafio dos países que tentam se inserir na chamada economia globalizada. Em todo o mundo, esse desafio exige novas formas de tratamento das relações entre capital e trabalho. O que fazer diante do número de pessoas que buscam trabalho e das possibilidades reais de ocupação?

Está aberta a temporada de promessas para os futuros dirigentes deste País. Mas no campo legislativo – onde as leis são discutidas, negociadas, alteradas -, a história é outra. Longe dos palanques, em um mundo cada vez mais individualista, tornou-se fora de moda falar de proteção ao trabalho. Pois sustento: o Direito do Trabalho é sistemático e não pode servir de moeda de troca no mercado político.

Ele tem as suas regras universais como ciência jurídica. Evidente que evolui, sendo ciência social, no passo das mudanças em cada tempo e lugar. Mas não é o fato político, isolado nas conveniências de um partido ou mesmo de uma eventual maioria parlamentar, que conduz a alteração legislativa de tal maneira a criar ou extinguir direitos incorporados à vida dos agentes sociais.

O Direito do Trabalho não nasceu para os mercados. É claro que a economia tem influência na ordem social, mas querer que as relações de trabalho se confinem à visão da economia é submeter a ciência jurídica à ciência econômica, quando a ciência econômica deve configurar-se no lastro da ciência jurídica. É esse o patamar do Estado de Direito.

Essas idéias são mais claras nas relações jurídico-trabalhistas. O Direito do Trabalho surgiu, no mundo moderno, para tutelar o trabalhador e, entre nós, também foi dirigido, inclusive processualmente, para conciliar capital e trabalho. Qualquer teoria política que despreze os seus postulados erigindo como primado o interesse econômico tem a força do punhal que matou César. Tem a força da felonia e terá sido objeto de um debate que de tão antigo e superado é anterior à Consolidação das Leis do Trabalho.

É certo, no entanto, que desde 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho vem sendo permanentemente modernizada. Há muitos anos se debateu, inclusive no Congresso Nacional, a conveniência de transformar-se a Consolidação das Leis do Trabalho em código. E ninguém teve dúvida de que a idéia do código não deveria prosperar, sob pena de tornar mais rígida a regulamentação do Direito, dificultando a sua modernização. Venceu a tese da consolidação que afinal permitiria, como vem permitindo, a gradual alteração legislativa por intermédio de leis esparsas.

Um exemplo da modernização legislativa é a lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Foi uma legislação inovadora, deixando para trás o regime de estabilidade no emprego, que de algum modo ainda é tido de difícil assimilação na área empresarial. Também é certo que o Tribunal Superior do Trabalho vem flexibilizando a legislação, como é o caso das horas in itinere – criação jurisprudencial depois convertida em lei – e do tempo gasto pelo empregado antes e depois da marcação do ponto. Outro exemplo que merece destaque foi dado pelo TST quando permitiu um piso salarial diferenciado para menores de 18 anos.

Mas a forma mais evidente de flexibilização da legislação trabalhista na jurisprudência do TST diz respeito à terceirização, que passou a ser admitida em atividades-meios. Foi essa maneira que a mais alta Corte trabalhista encontrou para compatibilizar o emprego com as necessidades mais prementes da moderna atividade empresarial.

Como se vê, a legislação trabalhista vem sendo modernizada sem sacrifício dos direitos trabalhistas. A questão não resolvida é que muita gente confunde a modernização da Consolidação das Leis do Trabalho com a extinção de direitos do trabalhador. A idéia, que parece felonia, é aliviar o sufoco das empresas com a carga tributária, reduzindo, de outro lado, os seus encargos sociais com as relações trabalhistas. Mas isso nada tem a ver com o Direito do Trabalho porque é mera construção política adstrita à conveniência dos projetos econômico-financeiros de um governo e sem ligação com os interesses maiores da sociedade civil. Daí porque digo, com segurança, que o Direito do Trabalho não é moeda de troca para o mercado político.

É possível a flexibilização. Mas ela deve ser feita com responsabilidade e com a adoção, no projeto do governo que altera o art. 618 da CLT, de um mecanismo de controle capaz de salvaguardar os interesses da categoria profissional na negociação coletiva. Foi essa a minha sugestão ao Dr. Paulo Jobim, Ministro de Estado do Trabalho, a quem também sugeri, como fundamental à ordem jurídica, uma ampla reforma na organização sindical, de maneira que as entidades sindicais se tornassem mais representativas na defesa dos direitos dos sindicalizados na celebração do acordo com fundamento na nova redação a ser dada ao art. 618 da CLT.

Estou convencido de que, com essas salvaguardas, o projeto do governo teria não apenas o apoio dos seus partidários, ou de pessoas que falam intermediando interesses, mas de todos os estudiosos e operadores do Direito do Trabalho que defendem, com imparcialidade, a modernização da Consolidação das Leis do Trabalho.

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