Sem ofensa

TJ rejeita pedido de indenização em ação contra Globo

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6 de maio de 2002, 12h29

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Voto nº: 10.871

Apel. nº: 097.222.412-00

Comarca: São Paulo

Apte.: Vasili Uzum

Apda.: Tv Globo de São Paulo Ltda.

Declaração de Voto Vencido

Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais ajuizada por Vasili Uzum contra a TV Globo de São Paulo Ltda. que foi julgada improcedente, porque a ilustre Magistrada entendeu que a ré não agiu de modo ilícito, mas sim dentro dos princípios da liberdade de imprensa constitucionalmente assegurada e, também, os danos narrados não guardam com a conduta da ré nexo de causalidade, decorrentes que são do próprio comportamento adotado pelo autor no caso presente (fls. 561/567).

O autor, na sua petição inicial, afirmou, em síntese, que na qualidade de Juiz da Vara da Infância e Juventude do Foro Regional do Jabaquara foi entrevistado, em 11.5.1997, pelo repórter Carlos Dorneles, funcionário da suplicada, reportagem essa que foi levada ao ar pelo Canal 5 de São Paulo, pelo Globo News (TV a cabo – canal 43 da Multicanal e canal 25, da NET) e demais emissoras afiliadas à Rede Globo de Televisão, no último dia 11 de julho de 1997 (TV Globo Canal 5) e no dia 12 (TV a cabo).

E aduz que a conversa durou cerca de uma (1) hora e que foi ao ar somente um trecho de apenas dois (2) minutos, sendo que foi vítima de alegações e insinuações levianas feitas pelo referido repórter, as quais atentaram contra a sua integridade moral e sem que lhe fosse concedido o devido direito de resposta previsto na legislação pátria, devidamente solicitado pelo suplicante dentro do prazo legal e não concedido pela suplicada.

E esclareceu que revolveu gravar toda a entrevista; afirmou que o repórter, de uma forma tendenciosa, tentou passar ao telespectador a imagem do suplicante como pessoa que estaria envolvida em um suposto “esquema’ para facilitar a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros, em detrimento das famílias nacionais que pleiteavam a adoção das mesmas.

E o repórter pincelou apenas as frases que lhe interessavam e com isso mostrou a imagem do suplicante como um Juiz acuado, incapaz de responder às questões que estavam sendo formuladas, montando um quadro de falsidade.

Alegou que a matéria divulgada pela suplicada levou à ruína o seu patrimônio moral, porque a sua honra foi atingida, o que lhe deixou marcas indeléveis e está sendo objeto de questionamento no seu ambiente de trabalho e social, como se estivesse envolvido em transações ilegais no campo da adoção, sugerindo coligações escusas com o respeitado Curador Dr. Hermes Milan, tendo recebido várias cartas de pessoas solidárias.

A reportagem tenta aparentar comprometimento do autor, um respeitado magistrado, com alguma “máfia” da adoção internacional, juntamente com o curador nomeado, Dr. Hermes Milan.

E conclui que, consumada a ofensa, sem que a ré lhe dera oportunidade de resposta, nada mais lhe restou senão buscar no Poder Judiciário a reparação pelos danos morais sofridos e causados pela atitude da ré (fls. 2/29).

A ré ofertou a sua contestação alegando, em resumo, que a reportagem tratou com a maior seriedade de urna questão envolvendo abandono de menores e adoção, miséria familiar, pobreza e risco de perder filhos, discorrendo também sobre a adoção internacional, sendo fato notório a intensa procura de menores brasileiros por casais estrangeiros, principalmente europeus e a reportagem não se mostra contrária à adoção internacional, pois exibiu diversos casos de crianças felizes e adaptadas a uma nova família e país.

E além do autor outros magistrados, advogados, promotores e funcionários envolvidos com a questão da criança contribuíram para a realização da bem sucedida matéria.

E ao se referir à entrevista com o autor solicitou a juntada da fita VHS a fim de que se possa auferir da qualidade da matéria e do equívoco do autor e aduziu que não atendeu à solicitação deste para participar da edição da matéria porque não é o procedimento adotado por qualquer jornal escrito ou televisivo. E não recebeu a notificação solicitando o direito de resposta.

Reportou-se à determinação do autor junto ao Amparo Maternal recebida por esta em outubro de 1995 e aduz que o número de adoções internacionais na Vara da Infância e Juventude do Foro Regional do Jabaquara, presidida pelo autor, aumentou consideravelmente no ano de 1996, sendo o único Juízo do Estado de São Paulo a mandar mais crianças para o exterior do que para casais brasileiros.

E, ainda, com relação aos feitos em tramitação no Juízo do suplicante várias vezes foi nomeado Curador dos menores o advogado Paulo Hermes Milan, que representa vários casais estrangeiros candidatos à adoção, o que não é comum.

E a ré, intrigada pelos motivos que levam o suplicante a conceder adoção internacional com tanta facilidade, e também porque ditam as mais elementares normas éticas do jornalismo que todas as partes envolvidas em um caso devem ser ouvidas, é que solicitou uma entrevista com o suplicante, que prontamente concordou.


E no dia da entrevista a equipe da ré foi surpreendida pela presença de um pessoa, junto ao autor, portando câmera de vídeo e que filmou a entrevista, embora de maneira parcial e o autor também tinha um gravador ligado sobre a sua mesa.

E ele disse que “já suspeitava que a entrevista tinha propósitos escusos” e tratou o repórter de maneira pouco cortês, justamente porque sabia qual o assunto que seria abordado.

Alega que a entrevista teve que ser editada, pois não poderia colocar no ar a íntegra, porque sequer o programa tem uma hora, mas ela não foi “editada de forma tendenciosa”, estando, ao contrário, plenamente condizente com as linhas gerais daquela matéria jornalística.

E aduziu que “nenhum fato deturpado ou errôneo foi apresentado com relação ao Requerente, que não extrapolou os limites do animus narrandi, tendo todas as informações, dados e estatísticas veiculados sido obtidas junto à Corregedoria Geral da Justiça e à Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional”.

E esses dados e outros juntados pelo autor confirmam que a Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional do Jabaquara é a campeã em adoções internacionais no ano de 1966 (53% contra 47% de adoções nacionais).

Depois passou a rebater, ponto por ponto, as alegações do autor.

E em seguida invoca o seu direito de exercer, com plena liberdade de informação a sua atividade, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XII e XIV, da Constituição Federal e a Lei nº 5.250/67, o seu direito à crítica e à publicidade e se reporta ao “quantum” da indenização por dano moral, cuja fixação deve obedecer aos critérios da realidade e da razoabilidade e termina solicitando a improcedência da ação (fls. 140/170).

Fixados, assim, os limites da lide, o ponto fulcral da questão é a verificação se a ré, nada obstante ter reduzido a entrevista que o autor lhe concedeu, como era o necessário, agiu de forma tendenciosa, ou não e se retratou a realidade no que se refere à conduta do autor.

Os princípios constitucionais que regem a liberdade de imprensa estão preceituados na Carta Magna, como a seguir se expõe:

– Art. 220 : A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

– Parágrafo 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

– Parágrafo 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

E, ainda, existem os parágrafos 3º a 6º, do citado artigo, que regem a comunicação social.

O citado dispositivo constitucional consagra a liberdade de imprensa.

Mas, ao mesmo tempo lhe impõe limites.

E dentre estes, o mais importante é o respeito da pessoa humana, em todos os seus aspectos.

A Carta Magna, em seu artigo 1º, inciso III, estabelece que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados E Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: – a dignidade da pessoa humana.

E o próprio § 1º, do artigo 220, da C.F., ao mesmo tempo que consagra a liberdade de imprensa, impõe limites e se reporta aos incisos IV, V, X, VIII e XIV, do artigo 5º, da C.F., isto é:

– Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

– IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

– V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

– X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

– XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

– XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

A autora Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, em sua obra “Direito à Liberdade de Imprensa”, E. Juarez de Oliveira, 1999, se reporta, às fls. 66/67, a um julgamento feito pelo Tribunal de Alçada Criminal – AC 743.2554/1, sendo relator Walter Guilherme, que salientou:

“A constituição de 1988 estabelece como direito fundamental o acesso para todos à informação (art. 5º, inciso XIV). Para que a sociedade tenha condições de se informar, há de existir quem lhe preste a informação. Nítida, portanto, a necessidade de haver empresas jornalísticas, de comunicação em geral, que vão em busca de fatos para divulgá-los à sociedade, sendo sua expressão livre, independente de censura ou licença (art. 5º, inciso IX). Complementando as disposições referentes a esse direito fundamental dispõe a Carta Magna que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição e, mais, que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV, vedando, ainda, de forma peremptória, toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artísticas (art. 220, parágrafos 1º e 2º). É a consagração máxima da liberdade de imprensa.


Mas há o contraponto, sob a forma de direito do mesmo calibre do anterior; são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 51, inciso X). Isto é, o livre acesso à informação, e o corolário da livre prestação da informação, têm como limite os valores referidos no último citado dispositivo. Cidadão privado, homem público, artista não-artista e em certa medida a pessoa jurídica, todos têm direito de ver respeitado o seu cabedal intimo, sujeitando-se o ofensor à responsabilização civil e/ou penal, a par do exercício de resposta, se bem que esta freqüentemente é inócua, não se habilitando como medida capaz de ressarcir a intimidade, a vida privada, honra ou imagem violadas, Se a imprensa é essencial num Estado Democrático de Direito – e assim se proclama a República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição Federal) – há ela de balizar sua atividade no estrito parâmetro legal, arcando com as sanções previstas e sempre que invadir a esfera íntima da pessoa. Num país tão pobre culturalmente como o nosso, a responsabilidade do jornalista é maior ainda, não sendo tolerável o açodamento na veiculação de um fato, a má-fé ou ignorância posta como notícia. A cediça frase de Thomas Jefferson (“entre um Estado sem governo e um sem imprensa, prefiro o primeiro”) só se justifica na medida em que à liberdade de imprensa se contraponha efetivamente o direito à intimidade e se responsabilize sem liniência o infrator”.

E a mencionada autora também cita a lição de Pedro Frederico Caldas, em sua obra Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, p. 66:

“Há uma carga de relatividade em qualquer direito, principalmente quando se atenta para o fato de que, sendo o direito um fato social (não faria nenhum sentido em se falar em qualquer direito, mesmo o direito à vida, se no mundo só houvesse Robinson Crusoé), ele sempre é considerado em relação a alguém, além do titular. Por isso, todo direito terá como limite, no mínimo, o direito de outrem… Não sendo absolutos, os direitos são sempre ponderados tendo em vista o conjunto de direitos que com determinado direito estejam interagindo. O sistema jurídico estabelece um sistema de freios e contrapesos para o equilíbrio, o mais harmonioso possível, dos direitos; caso contrário, os direitos conflitantes em relação a determinadas esferas de interesse se anulariam, desestabilizando o sistema. Dosar os direitos contrapostos é uma função que não se esgota no texto da lei, pois, como diz Liebman, feitas as leis, não se considera ainda plenamente realizada a função do direito”.

E a autora também cita trecho do trabalho feito por José Henrique Rodrigues Torres, “A censura à imprensa e o controle jurisdicional da legalidade”, “in” RT 705/26:

“A liberdade de imprensa não é um direito superior a todos os demais nem pode se impor de forma ilimitada, subjugando e sacrificando outros direitos de origem constitucional, os quais sustentam também a democracia. Portanto, a Constituição Federal, que garante liberdade para a imprensa, deve também fixar seus limites em face da extensão e do exercício dos demais direitos tutelados pela ordem jurídica… E a Constituição Federal dá ao Poder Judiciário, com absoluta exclusividade, o poder de controlar os abusos da liberdade de informação jornalística, bem como os abusos da atuação de qualquer outra instituição, ou mesmo Poder, mediante o exercício da jurisdição. Assim, o controle jurisdicional da legalidade, que atinge a liberdade de informação jornalística como qualquer outra atividade privada ou estatal, é exercido, no Brasil, democraticamente, com fundamento na Constituição Federal, pelo Poder Judiciário”.

A Lei nº 5.250, de 9.2.1967, que regula, no plano infra-constitucional, a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, dispõe, em seu artigo 1º, que é livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer.

O ilustre Magistrado Rui Stocco, conforme a citação feita pela Dra. Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, salientou:

“O legislador concede a liberdade de pensamento e de externá-lo livremente mas sempre condicionada, porque exige a liberdade responsável, quer dizer, desde que não cause lesão ou dano a outrem. É que o direito à informação é também um direito-dever de não só bem informar, como de informar corretamente e sem excessos ou acréscimos, sendo vedado o confronto com o direito à inviolabilidade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, posto inexistir preponderância do direito de divulgar sobre o direito à intimidade e ao resguardo, impondo-se encontrar o equilíbrio suficiente para que ambos possam ser preservados. Não se trata de responsabilidade objetiva mas a intenção do agente é desimportante. Basta que tenha agido de forma imprudente, negligente ou imperita e que haja nexo de causalidade entre a informação ou divulgação e o dano experimentado” (RUI STOCO, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, p. 480).


Diante de tudo o que foi exposto é preciso se verificar, no caso concreto, se a ré praticou os atos que à ela são imputados na petição inicial, isto é, alegações e insinuações levianas e, ainda, inverídicas, ofensivas à honra do autor, em decorrência da deturpação da sua entrevista, consoante a montagem veiculada, que atingiram a honra do apelante e, portanto, lhe causou danos morais ou, ao contrário, como afirma a ré, que não se afastou dos limites da liberdade de manifestação que lhe é constitucionalmente assegurada.

De início é preciso se deixar bem claro que este Juiz, após ter lido todas as peças dos autos, percebeu que para que pudesse proferir o seu voto deveria verificar o conteúdo das fitas VHS e assim o fez, assistindo à entrevista dada pelo autor, na íntegra e, depois, o conteúdo do programa.

Na sua entrevista o autor procurou responder a todas as perguntas pelo que foram formuladas pelo repórter Carlos Dorneles, dando-lhe as devidas explicações, com o exame de autos e de estatísticas, mas a edição do “Globo Repórter” que foi ao ar contém somente uma parte dessa entrevista, foi feita uma síntese e assim sendo, somente pequenos trechos da entrevista foi ao ar.

E em decorrência dessa edição limitada, algumas respostas ficaram truncadas.

É evidente que não se pode exigir que toda a entrevista fosse ao ar, diante do tempo dedicado ao programa.

Mas quem se propõe a fazer uma síntese de uma entrevista que durou uma hora, para pouco mais de cinco minutos, tem que ter o cuidado de retratar o exato conteúdo da mesma, isto é, a síntese deve retratar a realidade da entrevista, sem deturpações ou insinuações.

O ilustre Relator, Desembargador Ruiter Oliva, fez uma brilhante síntese do programa que foi ao ar.

E eu também o assisti e verifiquei que, realmente, foi um programa de excelente qualidade, que procurou abordar todas as faces do grave problema humano relacionado com a pobreza, a impossibilidade ou as dificuldades de pais pobres criarem seus filhos e as crianças abandonadas, quer em instituições de caridade ou do estado, quer na rua e, ainda, a questão da adoção, seja por brasileiros, seja por estrangeiros.

Assunto de relevante interesse social, retratando o drama de filhos abandonados pelos pais, sofrimento quer da mãe, quer da adotante, crianças rejeitadas por todos, por apresentarem graves problemas de saúde, preconceitos, indagando o repórter o que se fazer com as crianças abandonadas, mostrando a relação íntima e sutil entre a pobreza e o risco de perder os filhos, salientando que a Justiça é dura para quem é pobre, mostrando uma mãe que decide deixar a filha para a adoção logo após o parto, sem tempo para meditar melhor, mães que abandonam seus filhos no lixo ou no elevador, remorso e arrependimento, levantando uma questão importante, que é a inércia do Estado em procurar ajudar os pais pobres para que possam ficar com os filhos, demonstrando que é preciso que se esgotem todas as tentativas no ideal de deixar as crianças com os seus pais de sangue e, a final, mostrando, com a ajuda da matemática, a realidade cruel de que existem mais crianças abandonadas do que pessoas dispostas à adoção.

E, quanto à esta, procurando demonstrar que se uma criança não pude ficar com os seus pais, antes de se permitir a adoção por casais estrangeiros é preciso se tentar encontrar um casal brasileiro que se disponha adotá-la.

Mostrou, também, uma família que adotou inúmeras crianças, de ambos os sexos e com idades variadas, que vivem harmoniosamente.

E também o drama do menino Gabriel, um brasileiro que ninguém quis adotar e a luta de um casal alemão para adota-lo.

Várias pessoas foram entrevistas e, entre elas, mães de sangue e adotivas, um outro Juiz de Direito, um Desembargador, um Promotor, o advogado Hermes Milan, que fora nomeado algumas vezes Curador Especial pelo autor.

Enfim, um programa de alto nível, que mostrou a realidade relacionada com pais pobres, crianças abandonadas e adoção, nacional e internacional, que nada obstante mostrar que o ideal é que o Estado ampare economicamente os pais para que não abandonem os seus filhos, também não se mostrou contrário à adoção, quer nacional, quer internacional, mostrando casos que tiveram um desfecho feliz, quer para as crianças, quer para os pais adotivos, mas que também procurou demonstrar que a adoção internacional deve ser feita somente em hipóteses extraordinárias e excepcionais, após se verificou ser impossível se colocar a criança em um lar, no seu país de origem.

Mas o que importa é se analisar o citado programa com relação ao autor.

E no que se refere ao autor o que se observa é que o repórter Carlos Dorneles já estava imbuído do propósito de demonstrar que havia alguma coisa de irregular na atuação do autor como Juiz de Menores; já havia se munido de certos elementos, que lhe transmitiam a impressão de que as adoções internacionais que o citado Juiz concedia, em número maior do que as outras Varas, escondiam algo de suspeito.


E nada obstante o autor ter procurado lhe mostrar que nada de irregular havia, o repórter não acreditava.

E assim sendo, o programa, no que se refere ao autor, contém certas insinuações de que o autor estaria ligado a um “esquema” de adoção internacional, que algo de irregular escondia. E essas insinuações consistiram no seguinte:

– a Vara do Jabaquara foi a que mais fez adoções internacionais;

– o Juiz não consultava o cadastro de brasileiros interessados na adoção;

– existência de intermediários no caminho da adoção, principalmente por estrangeiros;

– mais facilidades para os estrangeiros do que para os nacionais;

– a partir de outubro de 1995, quando o autor determinou ao Amparo Maternal que lhe comunicasse o nascimento de todas as crianças nessa instituição, disparou os casos de adoção internacional;

– o autor tem opiniões muito firmes sobre a adoção internacional;

– o autor tem uma ligação no mínimo anti-ética com o advogado Hermes Milan, tendo nomeado essa pessoa, por várias vezes, como Curador Especial, para o fim de destituição do pátrio poder, em preparação para a adoção internacional;

– não deveria nomear esse advogado como Curador Especial, primeiro porque essa é uma função que deve ser exercida pelo representante do Ministério Público e depois porque constituiu esse advogado para defender os seus interesses particulares e, ainda, porque esse advogado foi contratado por casais estrangeiros interessados na adoção de crianças brasileiras, recebendo por esse trabalho.

Foi também entrevistado o Promotor César Dario, que se reportou a vários recursos interpostos contra a nomeação desse Curador Especial, tendo salientado que o autor, ao nomeá-lo, já havia feito um pré-julgamento à respeito da destituição do pátrio poder, deixou de ser imparcial e passou a ser suspeito.

Portanto, o que o programa transmitiu ao telespectador, no que concerne ao autor, de um modo claro e indubitável, foi um Juiz de Menores que, de um modo irregular, no mínimo antí-ético, promove adoções internacionais, dando tratamento preferencial aos estrangeiros, sem qualquer preocupação com cadastros de brasileiros interessados na adoção, de um modo precipitado e sem muita verificação, conluiado com um advogado também ligado a casais estrangeiros interessados na adoção de crianças brasileiras e, evidentemente, com insinuações veladas de intuito de lucro.

Na parte do programa que se relaciona com o autor verifica-se, de um modo nítido, o agir tendencioso e com o propósito de mostrar que algo de irregular ocorria na Vara de Infância e de Menores do Jabaquara, no que se refere à adoção internacional.

A imagem que o programa transmitiu do autor foi, portanto, como está colocado na petição inicial, de um modo resumido, a de um Juiz de Menores envolvido em um suposto esquema para facilitar a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros, em detrimento das famílias nacionais que pleiteavam a adoção das mesmas, agindo em conluio com o advogado Hermes Milan.

As respostas que o autor procurou dar na sua entrevista ao repórter Carlos Dorneles não foram por este levadas em consideração e apareceram no programa de forma truncada, justamente porque a intenção era a de transmitir ao público que havia algo de irregular na conduta do Magistrado, no que concerne à adoção internacional.

Mas, não se vislumbrou, no programa que foi ao ar, uma imagem de Juiz acuado, incapaz de responder às questões que estavam sendo formuladas, mesmo porque foram poucas as imagens transmitidas; mas que as respostas foram truncadas não resta a menor dúvida, bastando para tal constatação a comparação entre a entrevista na sua íntegra e a pequena parte que foi ao ar.

E é irrelevante que a Vara de Menores do Jabaquara, mesmo no ano de 1996, ou em qualquer outro ano, tenha promovido mais a adoção para casais estrangeiros do que para brasileiros, se o Poder Judiciário, apesar de todos os recursos interpostos pelo Ministério Público, não vislumbrou na conduta do Juiz de Menores nenhuma falha funcional ou irregularidades praticadas que merecessem seu afastamento ou punição.

Quanto à nomeação do Curador Especial verifique-se o acórdão que está às fls. 56/61 e no que concerte à ausência de consulta ao cadastro centralizado verifique-se o acórdão de fls. 82/88.

É verdade que, com relação à menina Tábata, o Tribunal extinguiu o processo (fls. 103/111), mas esse julgado não serve de alicerce para as insinuações que foram feitas à pessoa do autor e acima relatadas.

A conclusão que se extraí dos autos, portanto, a meu ver, é que o programa atingiu a honra do autor, de um modo tendencioso e injustificado, ocasionando-lhe danos morais que ensejam indenização, com fulcro no inciso X, do artigo 5º, da C.F. e no artigo 159, do Código Civil, sendo que a conduta é dolosa e não simplesmente culposa, pois houve o intuito de denegrir, de ofender a honra do autor, sem motivo justificado e sem provas do alegado.

Resta, pois, se fixar o valor indenizatório.

É preciso se encontrar um valor que satisfaça o autor pelos danos morais sofridos e que penalize a ré, na proporção do seu ato, com o intuito de punição e, também, para inibi-la de atos semelhantes no futuro.

E o valor não pode ser tão ínfimo que nada signifique para o autor e nenhuma satisfação lhe acarrete, mas também não pode ser tão vultoso que penalize excessivamente a ré, em quantia desproporcional ao gravame.

E para a fixação se deve levar em conta, também, que o autor era um Juiz de Menores que foi atacado em decorrência dos seus atos jurisdicionais, a repercussão deletéria ocorreu em todo o território nacional e foi enorme, pois essa sua imagem distorcida foi transmitida para milhões de telespectadores em todo o Brasil e o repúdio foi geral.

E por mais que se faça dificilmente se eliminará a dúvida que ficou no telespectador à respeito do autor.

E se deve levar em consideração, também, o poder econômico da ré e a sua responsabilidade com a verdade e o respeito ao autor e ao público, além do seu agir por lucro.

É verdade que foi um programa que teve um cunho educativo; mas sem o patrocínio e o lucro não iria para o ar.

Daí esse cunho sensacionalista, como é comum.

Portanto, levando em consideração todos esses aspectos, entendo que o valor indenizatório deve corresponder a R$ 100.000,00 (cem mil reais), o que atende ao defendido pela ré, isto é, a de que, se devida indenização, ela deve ser arbitrada dentro dos parâmetros da moderação e razoabilidade.

Mas, evidentemente, não se aplicam ao caso “sub judice”, os limites da Lei da Imprensa.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para julgar a ação procedente e, em conseqüência, condeno a ré a pagar indenização pelos danos morais sofridos pelo autor em quantia correspondente a R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária incidente a partir da data do julgamento, segundo a Tabela Prática do Tribunal de Justiça, além de arcar a ré com o pagamento verbas da sucumbência, arbitrados os honorários advocatícios em quinze por cento (15%) sobre o valor atualizado da indenização, conforme o parágrafo 3º, do artigo 20, do C.P.Civil, levando-se em consideração os parâmetros fixados nas letras “a” a “c”, do citado parágrafo.

São Paulo, 02 de abril de 2002.

DES. ALBERTO TEDESCO

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