Assalto Judiciário II

Tutela antecipada em dinheiro desmoraliza a Justiça e o Direito

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3 de maio de 2002, 16h54

Por ocasião do amplamente noticiado bloqueio de contas da Rede Globo, abriu-se discussão a respeito da legitimidade da tutela antecipada em dinheiro.

No caso concreto, verificou-se a decisão de aplacar a dor de um juiz do Piauí, que se disse ofendido por reportagem veiculada pela emissora. Por conta disso, determinou-se que, antes do desfecho da questão, o magistrado deveria receber R$ 3,5 milhões. Um caso que ainda está em discussão.

Para aproveitar a oportunidade, a Revista Consultor Jurídico, houve por bem publicar artigo produzido meses antes pelo advogado Ricardo Tosto que, cabe esclarecer, não é e nunca foi advogado da Rede Globo, nem tem participação no processo em questão.

Em seu texto, o articulista tece graves considerações a respeito do alto risco de, ao final de um processo, mesmo vencedora, a parte que foi forçada a desembolsar antecipadamente verdadeira fortuna, não conseguir recuperar esses valores. Verificada essa situação, afirmou o advogado, teria-se um autêntico “assalto judiciário”.

A expressão foi utilizada para caracterizar um exemplo famoso: o que envolveu a Petrobrás. Houve reações. Leitores com opinião divergente escreveram para contestar que a estatal brasileira do petróleo tenha sido vítima de um saque no sentido criminal da palavra.

Cabe, no caso, resgatar a análise feita pelo próprio Tribunal de Goiás, ao cassar uma das decisões que anteciparam a tutela contra a Petrobrás naquele Estado (no valor de R$ 28 milhões). No voto que conduziu o julgamento, o Il. Des. Relator, Dr. Ari Borges de Almeida, referiu-se à causa e à decisão hostilizada como “aventura jurídica”, “temerária antecipação de tutela, “inusitada” e “surpreendente”.

A certa altura, o Il. Des., em ponto já alertado no artigo do Dr. Ricardo Tosto, assim se referiu a decisão reformada: “A conduta apressada do ilustre juiz processante, não apenas causou prejuízo à ré/agravante, mas, também, e principalmente, expôs a imagem do Judiciário goiano à veemente críticas da imprensa” (ver jornal “Valor Econômico” de 16.04.2002). Custa-nos crer que a questão da Rede Globo terá diferente destino.

O instituto da antecipação da tutela possui nobres finalidades, quais evitar que a parte se utilize do processo para procrastinar o adimplemento de suas obrigações e proporcionar uma mais ágil distribuição da justiça. O alcance de tais objetivos são indispensáveis para a boa administração da justiça.

No entanto, os fatos têm demonstrado que um bom instituto está sendo muito mal utilizado, e isso em desprestígio do próprio Poder Judiciário (ver comentário do Il. Des. Ari Borges de Almeida) e, porque não dizer, da classe dos advogados.

A admissão da antecipação da tutela em casos como o da Rede Globo, ou da Petrobrás, chega a chocar!

Que dano moral necessita tão urgentemente ser reparado em dinheiro? Ainda mais na módica quantia de R$ 3,5 milhões de reais!

Num país onde o salário mínimo é de R$ 200,00, isto é injustificável! Deve-se observar bem. Aqui não se trata de uma pessoa que necessita urgentemente de um tratamento médico, de uma internação, de um medicamento, de um abrigo, mas sim de uma indenização por dano moral, onde a indenização visa proporcionar um conforto ao prejudicado e punir o autor do ilícito para que não volte a repetir seu ato.

A antecipação de tutela de vultosos valores cria situações que devem ser repelidas. Após receber a vultosa quantia de R$ 3,5 milhões, ou de R$ 1,0 milhão, ou de R$ 200 mil que seja, qual interesse tem a parte em continuar com o processo? Para que se preocupar em citar o réu, em produzir provas? Muitos poderão argüir: Se a parte não se preocupar em sair vencedora no processo, terá que devolver o valor.

Juridicamente isso é verdade mas, no campo dos fatos, não, visto que, dificilmente, as pessoas têm patrimônio para poder proceder ao reembolso da quantia de R$ 3,5 milhões, ou que seja R$ 1,0 milhão, ou até R$ 200 mil. Quantas pessoas têm esse patrimônio? Pouquíssimas!

Outras vozes dirão: mas o juiz deve pedir garantias de forma a não tornar irreversível a decisão. Mais uma vez os fatos desmentem a lei. Infelizmente o papel aceita qualquer coisa. Bens de reduzido valor são comumente superavaliados, outras vezes são aceitos como garantia títulos públicos emitidos no início do século passado, ou até mesmo no Império, ou pedras preciosas que de preciosas só tem o título, e se vai por aí a fora.

Todos aqueles que militam no foro já devem ter reparado a dificuldade de se obter um valor justo nas hastas públicas (visto que ninguém paga!), ou constatado os valores ínfimos que são arrecadados na alienação do patrimônio de grandes empresas que faliram.

O próprio Governo, em qualquer uma de suas esferas, já constatou a dificuldade de se recuperar o crédito tributário. E por que? Porque o valor do patrimônio está sujeito à lei da oferta e da procura, e ao próprio movimento especulativo do mercado. E o mercado é implacável: quando pode lucrar, lucra.

Não adianta insistir num preço mais elevado, mesmo que seja o justo, já que é preciso encontrar alguém que pague por ele, o que raramente ocorre! É muito comum ver ações de execução paradas, mesmo com bens penhorados: É que ninguém quis pagar, sequer, o preço mínimo da avaliação dos bens, e aí? Como fica o credor?

Assim, urge que se altere o art. 273 do Código de Processo Civil a fim de que ou se vede a antecipação de tutela nos pedidos condenatórios, ou se limite o seu valor a 40 salários mínimos. Num país tão pobre, tal valor é mais que suficiente para satisfazer a grande maioria das pretensões do que se chama o “povo brasileiro” e, por outro lado, tem a função de afastar aventuras ou evitar equívocos que podem se tornar em fonte de danos irreversíveis, em desprestígio da Justiça!

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