Atos abusivos

O cartão de crédito e as suas irregularidades

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25 de junho de 2002, 19h12

Um dos problemas que mais aflingem os consumidores atualmente refere-se aos contratos firmados com as administradoras de cartão de crédito, eis que eles muitas vezes são lesados em seus direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Uma das principais irregularidades é o envio de cartão de crédito não solicitado, com a posterior cobrança de faturas e, pior, a inclusão do nome dos consumidores nos cadastros de devedores.

Nesse caso, as administradoras de cartão de crédito emitem fatura em nome daquele que recebeu o produto, não o tendo solicitado. Sendo assim, acaba por tornar-se inadimplente, já que está sendo cobrado por dívida da qual não é responsável. Diante disso, o próximo passo é incluir o nome desse suposto “devedor” nos cadastros de inadimplentes, e só reabilitar o seu nome se ele quitar a dívida pendente.

Trata-se de prática que provoca no consumidor profundo constrangimento, ferindo direitos previstos constitucionalmente, principalmente no artigo 5º, inciso LIV, que dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

As outras irregularidades referem-se aos contratos firmados com as administradoras de cartão de crédito, que são contratos de adesão, ou seja, o cliente adere a um contrato padrão pelo fornecedor, não podendo propor qualquer alteração. Ocorre que, muitas vezes, nesses contratos estão inseridas cláusulas abusivas, que permitem inclusive, à administradora alterar unilateralmente a taxa de juros. Constata-se, com frequência, a correção do débito utilizando taxa de juros moratórios de aproximadamente 12% ao mês, quando a lei autoriza a cobrança de 12% ao ano, o que equivale à taxa de 1% ao mês.

Isso porque os artigos 1.062 e 1.063 do Código Civil Brasileiro determinam que a taxa legal de juros, sejam eles moratórios ou compensatórios, no Direito Brasileiro, é de 6% ao ano. Ainda dispõe o artigo 1º do Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933 que vedam-se “em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal.” Portanto, as administradoras de cartão de crédito estão proibidas, por força da lei, a cobrar taxa de juros superior a 1% ao mês, sob pena de ser configurada a prática de crime de usura, nos termos do artigo 4º, alínea “a” da lei nº 1.521 de 26 de dezembro de 1.951.

Até porque tais administradoras não são consideradas instituições financeiras e, portanto, não integram o Sistema Financeiro Nacional. E, ainda que integrem, no caso de tal serviço ser prestado por bancos, a natureza do contrato de administração de cartões de crédito não se inclui dentre aquelas pertencentes ao sistema financeiro.

Além dos juros exorbitantes, em muitos casos, as administradoras de cartão ainda cobram juros sobre juros, praticando dessa forma o anatocismo, proibido pela legislação vigente, como dispõe a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal. Tal prática consiste em se capitalizar os juros, incorporando novos juros ao saldo devedor do contrato, já composto por juros dos meses anteriores.

Note-se que ainda que expressamente convencionada, a capitalização de juros é proibida também pela Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal. Nesse caso, inclusive, o Decreto nº 22.626/33, acima citado, veda a capitalização de juros em seu artigo 4º, ficando assegurada ao devedor a repetição do que houver pago a mais, isso conforme artigo 11 do mesmo Decreto. Outra irregularidade presente nos contratos firmados com as administradoras de cartão de crédito refere-se à inserção da cláusula-mandato nos citados contratos. Trata-se de cláusula em que o consumidor concede à administradora um mandato dando poderes para agir contra o próprio concedente.

Entretanto, tal fato provoca um desequilíbrio no contrato, colocando o consumidor em desvantagem exagerada, por estabelecer obrigações consideradas abusivas. Nos termos do artigo 51, incisos IV e VIII do Código de Defesa do Consumidor, tal cláusula é nula, assim como todas aquelas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada…” e também as que “imponham representante para concluir ou realizar negócio jurídico pelo consumidor”.

Atente-se ainda para o que estabelece a Súmula nº 60 do Superior Tribunal de Justiça: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. Sendo assim, a cláusula-mandato é nula de pleno direito, eis que outorga mandato à pessoa jurídica pertencente ao mutuante e é caracterizada pelo excesso de arbitrariedade deste. Enfim, todas as práticas aqui expostas desequilibram o negócio jurídico firmado, violando princípios da equidade e da boa fé que devem estar presentes nas relações de consumo.

Nesses casos, devem ser aplicadas normas do Código de Defesa do Consumidor. Entre elas, estão os artigos 46 a 54 do referido Código, que tratam da proteção contratual do consumidor. A proteção contra cláusulas abusivas é o mais importante instrumento de defesa do consumidor. Tanto assim que constitui seu direito, previsto no artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, a “modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.” Além disso, e para finalizar, vale ressaltar o previsto no artigo 47 do mesmo Código: “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, tanto nos contratos de adesão quanto nos de “comum acordo”.

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