IPTU Progressivo

TJ paulista barra cobrança de IPTU Progressivo

Autor

25 de junho de 2002, 17h04

O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Burza

Neto, suspendeu o pagamento de IPTU Progressivo em ação

impetrada por Lúcio Grinover. Ele foi representado pelo escritório Yarshell, Mateucci e Camargo Advogados.

No agravo, os advogados Flávio Luiz Yarshell e Carlos Roberto

Fornes Mateucci, citaram o artigo 156, § 1º, da Constituição

de 1988, que permite a progressividade de alíquotas para o

IPTU, “desde que fosse para assegurar o cumprimento da função

social da propriedade”. Nesse caso, seriam duas formas de

cobrança do tributo: uma com finalidade arrecadatória, e

outra, de cunho extrafiscal, em que a mensuração do imposto

poderia ser feita progressivamente, respeitado o objetivo de

atender à função social da propriedade.

Eles sustentaram que após a aplicação da alíquota 1% sobre o

valor do imóvel, a lei municipal de São Paulo em vigor criou

uma tabela de descontos e acréscimos variáveis conforme a

base de cálculo do imposto e incidentes sobre o percentual da

alíquota. Assim, quanto maior o valor venal do imóvel maior a

alíquota aplicada para aferição do tributo devido.

Os advogados dizem que tanto a Lei Municipal, bem como a

Emenda Constitucional nº 29/2000 (que alterou o art. 156 da

CF), são inconstitucionais. “Sendo a norma estabelecedora da

progressividade ilegal e inconstitucional, é direito líquido

e certo do ora Impetrante a não incidência de tais normas,

recolhendo o IPTU segundo os critérios do exercício anterior,

aplicando-se a alíquota única de 1%”, dizem.

Leia a íntegra do agravo com pedido de liminar

Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

AGRAVO C/ PEDIDO LIMINAR

(URGENTE)

LÚCIO GRINOVER E OUTROS, por seus advogados e bastantes procuradores, não se conformando com a r. decisão proferida nos autos do mandado de segurança impetrado em face do ILUSTRÍSSIMO SENHOR CHEFE DO DEPARTAMENTO DE RECEITAS IMBILIÁRIAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, cuja competência para análise de matéria recursal é desse E. Tribunal, vem, com fundamento no art. 522 e seguintes do estatuto processual civil, interpor o presente recurso de AGRAVO DE INSTRUMENTO, ao qual requer-se seja concedido efeito ativo, consubstanciado nos motivos de fato e de direito que a seguir passa a expor.

Termos em que,

Pedem deferimento.

São Paulo, 14 de junho de 2.002.

Flávio Luiz Yarshell Juliana Demarchi

OAB/SP 88.098 OAB/SP 173.029

Peças que instruem o presente agravo

Todas as peças dos autos.

Em atenção ao disposto no artigo 524, inciso III, do CPC:

Pelos Agravantes:

Flávio Luiz Yarshell – OAB/SP nº 88.098, e Carlos Roberto Fornes Mateucci – OAB/SP nº 88.084, ambos com escritório na Av. Paulista, nº 1.499, conjunto 301, CEP 01311-200, São Paulo – SP.

Pelo Agravado:

A Autoridade Coatora ainda não foi intimada para prestar informações. Não obstante isso, segue o endereço do Departamento de Rendas Imobiliárias do Município de São Paulo: Rua Brigadeiro Tobias, nº 691, nesta Capital.

Agravante: Lúcio Grinover e outros.

Agravado: Chefe do Departamento de Rendas Imobiliárias do Município de São Paulo.

Juízo a quo: MM. Juízo de Direito da 7ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital do Estado de São Paulo.

Autos nº 843/02.

R A Z Õ E S D O R E C U R S O

Ínclitos Julgadores,

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado pelos ora Agravantes em que se aponta como ilegal a cobrança do IPTU nos termos da Lei Municipal nº 13.250/01.

2. Com base nesse fundamento, requereram os Agravantes a concessão de medida liminar a fim de evitar dano de difícil reparação, qual seja, o recolhimento, aos cofres municipais, de tributo inconstitucionalmente majorado.

3. No entanto, e em que pese às doutas considerações do MM. Magistrado Oficiante, a medida liminar foi indeferida ante os fundamentos de que não se vislumbrava (i) ilegalidade ou inconstitucionalidade na majoração do tributo, e (ii) urgência, vez que vencido o prazo para pagamento da primeira e segunda parcelas.

4. Ocorre, no entanto, e sem embargo do entendimento do D. Magistrado a quo, que tais fundamentos não são aptos a infirmar a pretensão dos Agravantes. A uma, porque a verossimilhança do direito está solidamente demonstrada. A duas, porque os pagamentos iniciais efetuados pelos Agravantes justificam-se na medida em que esse se mostrava o único meio apto a evitar os sérios ônus de serem aforadas execuções fiscais contra si – o que pode, e deve, ser remediado pela concessão da medida liminar preconizada, inclusive mediante a concessão de feito ativo, e posterior provimento do presente agravo.


PRELIMINARMENTE

Da adequação da via recursal eleita.

5. O presente recurso é interposto na forma de instrumento sob pena de restar inútil o provimento final pleiteado, vez que se trata de agravo tirado contra r. decisão que indeferiu medida liminar em sede de mandado de segurança. À toda evidência, a interposição de agravo retido importaria seu conhecimento apenas depois de ofertada eventual apelação; o que ensejaria a ausência de interesse do presente recurso.

6. Com efeito, o processamento do presente recurso, desde logo, é medida que se impõe, sob pena de se tornar inócua eventual apreciação da questão, o que acarretaria aos Agravantes lesão grave e de difícil reparação. É que o prejuízo para o Agravante será de difícil reparação, tanto mais se levadas em consideração as peculiaridades de demanda (e respectiva execução) objetivando repetição de indébito.

7. Assim sendo, interpõe-se o presente agravo na forma de instrumento, requerendo-se seja o mesmo recebido, processado e, a final, provido, aplicando-se analogicamente, inclusive, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da retenção dos recursos especial e extraordinário (art. 542, § 3º do CPC), que é afastada se o recurso ataca decisão que concedeu ou denegou tutela antecipada (veja-se, a respeito, THEOTONIO NEGRÃO, Código de processo civil e legislação processual em vigor, 32ª edição, São Paulo, Saraiva, 2.001, p. 618).

NO MÉRITO

Histórico dos fatos

8. Os ora Agravantes são proprietários de imóveis residenciais situados no município de São Paulo, contribuintes do IPTU, portanto, conforme demonstram os documentos constantes dos autos.

9. Até o exercício de 2001, a Prefeitura do Município de São Paulo efetuava o lançamento do IPTU devido pelos Impetrantes com base na Lei Municipal nº 6.989/66, a qual consagrava alíquota única para o aludido tributo, estando em perfeita sintonia com os comandos constitucionais relativos à matéria, especificamente o artigo 156, § 1º, da Carta Constitucional.

10. O artigo 156, § 1º, da Constituição Federal de 1988, na sua redação original, permitia, a título de exceção, a progressividade de alíquotas para o IPTU, desde que fosse para assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Existiam, então, duas formas de cobrança desse tributo, uma com finalidade arrecadatória, baseada na proporcionalidade da exação, e outra, de cunho extrafiscal, pela qual a mensuração do imposto poderia ser feita de modo progressivo, respeitado o objetivo de atender à função social da propriedade.

11. Ocorre que, em 13.09.00, foi editada a Emenda Constitucional nº 29, que alterou a redação do mencionado artigo 156, dando nova conformação ao IPTU. Assim, modificado o artigo 156 da Constituição Federal, criou-se a possibilidade de o IPTU ser progressivo não apenas para o fim de se assegurar o cumprimento da função social da propriedade (progressividade no tempo), mas também em razão do valor do imóvel. Além disso, permitiu o Poder Constituinte derivado, ao editar a referida Emenda à Constituição, o estabelecimento de alíquotas diferentes em razão da localização e uso do imóvel.

12. Com base na nova redação do artigo 156 da Constituição Federal, a Municipalidade de São Paulo editou a Lei nº 13.250/01, que, por sua vez, alterou diversos dispositivos da Lei Municipal nº 6.989/66. Com efeito, após a aplicação da alíquota 1% sobre o valor do imóvel, a lei municipal ora em vigor criou uma tabela de descontos e acréscimos variáveis conforme a base de cálculo do imposto e incidentes sobre o percentual da alíquota. Assim, quanto maior o valor venal do imóvel (que, de modo geral, foi reajustado segundo os valores de marcado), maior a alíquota aplicada para aferição do tributo devido.

13. Ocorre, no entanto, que referida Lei Municipal, bem como a Emenda Constitucional nº 29/2000 (que alterou o art. 156 da CF), padecem de inconstitucionalidade, vez que ferem os princípios da capacidade econômica do contribuinte e da isonomia, garantias constitucionais que não admitem qualquer espécie de mitigação (art. 60, § 4º, inciso IV da Constituição da República). Sendo a norma estabelecedora da progressividade ilegal e inconstitucional, é direito líquido e certo do ora Impetrante a não incidência de tais normas, recolhendo o IPTU segundo os critérios do exercício anterior, aplicando-se a alíquota única de 1%.

DA CAPACIDADE ECONÔMICA DO CONTRIBUINTE COMO GARANTIA INDIVIDUAL

14. O princípio da capacidade contributiva vem expresso no art. 145, § 1º da Constituição Federal e seu conteúdo, grosso modo, traduz-se na idéia de que o contribuinte deve pagar seus impostos na proporção de seus haveres.

15. Com efeito, dispõe a Constituição, na Seção referente aos princípios gerais do sistema tributário nacional (art. 145, § 1º) que, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Ora, o próprio texto constitucional estabelece a graduação dos impostos segundo a capacidade econômica dos contribuintes e indica a forma por meio da qual essa capacidade é aferida (conjugação de patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte).


16. E, ainda que assim não fosse, é de se ter em mente que, “quanto à capacidade contributiva, o princípio deve ser atuante, permeando os impostos do sistema. Aliás, a capacidade contributiva, assim como o princípio da isonomia, o do direito adquirido, o da irretroatividade das leis, são princípios gerais de direito. Nem precisavam estar expressos. É da constituição real dos povos cultos” (SACHA CALMON NAVARRO COELHO, Comentários à Constituição de 1988, sistema tributário, 7ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1.998, p. 90, destacamos).

17. É de se destacar, ainda, citando o mesmo Autor, que “no Brasil pós 88, de sobredobro, o princípio está expressamente consagrado no corpo da Lei Maior. Assim além de ser jurídico, o princípio é constitucional. (.) E mais, o principio da isonomia tributária não tem condições de ser operacionalizado sem a ajuda do princípio da capacidade contributiva, i.e, sem uma referência à capacidade de contribuir das pessoas físicas e até jurídicas.” (SACHA CALMON, p. 91)

18. Pelo retro exposto, inegável que a fixação dos impostos segundo a capacidade contributiva assume foros de princípio geral e, pela sistemática adotada na Constituição vigente, tem natureza de garantia individual (interpretação autorizada pelo art. 5º, § 2º da Constituição).

DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

19. O princípio da isonomia é consagrado no art. 5º da Constituição e, especificamente na esfera tributária, vem expresso no art. 150, inciso II do Texto Constitucional:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

20. Do princípio se infere que o poder de tributar encontra limites no tratamento isonômico que deve ser conferido aos contribuintes. Assim, intolerável, pelo sistema, situações em que contribuintes que apresentem as mesmas condições econômico-financeiras sejam tributados de forma díspar ou, contrario sensu, que contribuintes que apresentam características diversas sejam tributados da mesma maneira.

21. Tem-se, então, que os princípios da isonomia e da capacidade contributiva são complementares, concretizando-se a isonomia na medida em que a capacidade contributiva é observada na imposição dos tributos. E mais: ambos os princípios inserem-se no rol de direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal.

DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

a. O IPTU como imposto real.

22. Conforme se infere da Lei Municipal nº 13.250/01, a progressividade estabelecida tomou como critério para majoração da alíquota apenas e tão somente o valor venal do imóvel, o que é insuficiente para a aferição da capacidade contributiva do contribuinte.

23. Além disso, é de se ter em mente que o IPTU é um imposto real, e não pessoal, o que impede a aplicação da sistemática da progressividade. E isto porque, a teor dos arts. 32 e 33 do CTN, tal imposto incide sobre o direito real de propriedade, e não sobre todos os elementos componentes do patrimônio, renda e atividades do contribuinte.

24. Com efeito, a finalidade do referido imposto é tributar o direito real, com base no valor venal do imóvel, e não a esfera de recursos do contribuinte, segundo sua capacidade contributiva. Assim inexiste a possibilidade de aplicação do regime progressivo simplesmente em razão da variação da base de cálculo, como pretende o Município de São Paulo por meio da Autoridade Impetrada.

25. É de se ressaltar, ainda, que a progressividade autorizada pelo § 1º do artigo 145 da Constituição estende-se apenas aos tributos de caráter pessoal, em relação aos quais é possível aferir a capacidade econômica do contribuinte para, a partir daí, instituir-se tributação. Nesse sentido, o entendimento do C. STF:

“Demonstrou, então, o eminente Relator, com apoio em numerosos doutrinadores estrangeiros e nacionais, em voto que mereceu a aprovação da quase totalidade de seus pares, que a progressividade de natureza fiscal, prevista no § 1º do art. 145 da Constituição, porque fundada na capacidade econômica do contribuinte, aquilatada mediante identificação do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte, não tem sentido quando se está diante de imposto com caráter real, como o IPTU, que no sistema tributário nacional é “inequivocadamente um imposto real, porquanto tem ele como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor.” (voto do Min. Ilmar Galvão, em acórdão proferido no autos do RExt nº 204.827-5/SP, com referência ao julgamento do RExt nº 153.771/MG, in DJ 25.04.97)


26. Desta forma, o sistema progressivo de cobrança de impostos concebido pela Constituição Federal não abrange os tributos reais e, conseqüentemente, não pode ser aplicado ao IPTU. Nesse sentido o voto do Min. Moreira Alves, no julgamento do RExt 153.771/MG:

“Ora, no sistema tributário nacional, é o IPTU inequivocadamente um imposto real, porquanto tem ele como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel gerador da propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor, tanto assim que o Código Tributário Nacional ao definir seu fato gerador e sua base de cálculo não leva em conta as condições da pessoa do sujeito passivo. E mais: no artigo 130 estabelece que “os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, … , subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação”, o que implica dizer que, se não constar do título de transmissão a prova da quitação desses impostos (inclusive, portanto, o IPTU), o sujeito passivo do imposto devido anteriormente à transmissão do imóvel passa a ser o adquirente, o que importa concluir que essa obrigação tributária, nesse caso, de certa forma, se aproxima da obrigação ob ou propter rem, também denominada obrigação ambulatória, porque o devedor não é necessariamente o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor ao tempo em que ocorreu o fato gerador e nasceu a obrigação tributária, mas pode ser o que estiver numa dessas posições quando da exigibilidade do crédito tributário, circunstância esta que mostra, claramente, que nesses impostos não se leva em consideração a capacidade contributiva do sujeito passivo, até porque, no momento da ocorrência do fato gerador anterior à transmissão, o futuro adquirente não era titular de direito real ou tinha a posse para daí se inferir, por presunção, que ele tivesse capacidade contributiva, que obviamente tem de ser aferida quando do fato gerador e não posteriormente a ele.” (DJ 25.04.97, p. 534)

27. Frise-se, aqui, que nem mesmo a nova redação do art. 156 do Texto Constitucional, introduzida pela Emenda Constitucional nº 29/00, autoriza a instituição de alíquotas progressivas do IPTU com base apenas no valor venal do imóvel. Assim já se manifestou Aires Fernandino Barreto:

“Ora, no caso da progressividade, é inquestionável que a Emenda Constitucional nº 29/00 não apenas tende a abolir, como, de fato, aniquila, suprime, destrói, anula a restrição posta pelo princípio de que progressivos só podem ser os impostos pessoais.” (BARRETO, Aires F. IPTU: Progressividade e Diferenciação. Revista Dialética de Direito Tributário nº 76. São Paulo, Dialética, 2001. p. 8 – grifamos)

b. Da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29/00.

28. A Emenda Constitucional nº 29/00 mitiga o princípio da igualdade tributária previsto no artigo 150, inciso II, da Carta Constitucional, bem como o princípio da capacidade contributiva, expresso no artigo 145, § 1º, da CF. Tais princípios, conforme já se afirmou, constam do rol de “direitos e garantias individuais”, que não podem ser objeto de emenda tendente a sua abolição, tal qual dispõe o artigo 60, §4º, inciso IV, da CF/88.

29. E, ainda que tal matéria tenha sido objeto de norma editada pelo Legislativo, admite-se a possibilidade de que mesmo uma Emenda Constitucional seja declarada inconstitucional. Nesse sentido, cite-se:

“(…) é possível, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, o exercício do controle jurisdicional de constitucionalidade de norma constitucional quando esta provém do poder constituinte derivado.

Conforme já decidiu o plenário da Corte Suprema por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939-7-DF (RJSTF – Lex 186:69), mesmo uma Emenda Constitucional, emanada do poder constituinte derivado, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pela Corte Suprema que é a guardiã da Constituição por força do inciso I, a, do seu art. 102. Em tais circunstâncias o controle da eventual inconstitucionalidade se faz em confronto da norma da Emenda Constitucional com os assuntos considerados como “cláusulas pétreas” da Constituição, indicados no §4º de seu art. 60.

Nesse único precedente jurisprudencial sobre o controle de constitucionalidade exercido sobre Emenda à Constituição (EC nº 3/93) ocorreu quando se prentendia, por ato do poder constituinte derivado, suprimir o sistema de imunidades tributárias das pessoas políticas por intermédio do malsinado Imposto Provisório sobre Operações Financeiras.” (EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO. Controle de Constitucionalidade de Leis e Atos Normativos. São Paulo, Dialética, 1997, p. 78, destacamos)


Também FLÁVIO BAUER NOVELLI manifestou-se sobre a questão:

“Com efeito (e aliás, já se pode desumir de simples leitura do art. 60, § 4º, da Lei Fundamental), tem-se por ponto pacífico, assim na teoria como na prática, que também tais normas– quer dizer, especificamente as normas formuladas mediante o procedimento legislativo especial de emenda à Constituição – enquanto contrastem, inclusive materialmente, com outras determinadas normas constitucionais (as integrantes do denominado “núcleo intangível” da Constituição), podem ser, também elas, “inconstitucionais”, e constituir, assim, objeto de argüição de inconstitucionalidade, seja por via incidental, seja, como no caso, por via principal. Aliás, se dúvida ainda houvesse quanto ao ponto, estaria ela já agora desfeita. Que tais normas se sujeitam ao controle de constitucionalidade é justamente o que vem de reconhecer, de forma explícita, o Supremo Tribunal Federal, ao assentar, na própria ementa da decisão ora comentada, a título de premissa: “Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I,, “a”, da CF)”.” (FLÁVIO BAUER NOVELLI, Norma Constitucional Inconstitucional? A Propósito do Art. 2º, § 2º, da EC 3/93, São Paulo, Revista dos Tribunais nº 13, 1995, p. 19/20, grifou-se)

30. Tem-se, portanto, que, apesar de formalmente constitucional, a EC nº 29/00 fere princípios constitucionais erigidos à categoria de garantias fundamentais dos contribuintes. É que a redação dada ao art. 156 da CF é claramente incompatível com o § 1º do artigo 145 da Constituição, bem como com o inciso II do artigo 150, cláusulas pétreas que não admitem modificação ou restrição por Emenda Constitucional. Por isso, de rigor o reconhecimento de que a EC nº 29/00 é inconstitucional.

c. Da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.250/01.

31. A Lei Municipal nº 13.250/01 foi editada com fundamento de validade na EC nº 29/00. Inconstitucional a Emenda, não subsiste a Lei Municipal.

32. Mas não só isso. A Lei Municipal, tal qual promulgada, viola frontalmente os princípios da capacidade econômica e da isonomia.

33. A referida lei criou três categorias distintas para a incidência do IPTU: (i) imóveis residenciais; (ii) imóveis não residenciais e (iii) imóveis que não possuam edificações ou tenham obras em andamento ou paralisadas. Além disso, para todas as categorias aplica-se a progressividade. Especificamente no que toca aos imóveis residenciais, dispõe a Lei nº 6.989/66, com redação dada pela mencionada Lei nº 13.250/01, nos seus arts. 7º e 7º-A que:

Art. 7º – O imposto calcula-se à razão de 1,0% sobre o valor venal do imóvel, para imóveis utilizados exclusiva ou predominantemente como residência.

Art. 7º-A – Ao valor do imposto, apurado na forma do artigo 7º, adiciona-se o desconto ou o acréscimo, calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendida em cada uma das faixas de valor venal da tabela a seguir, sendo o total do desconto ou do acréscimo determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo.

34. Assim, a alíquota do IPTU para os imóveis residenciais corresponde a 1%, e sofre acréscimos ou decréscimos em razão das faixas de valor venal consideradas para o cálculo do tributo. Esta progressividade em função do valor venal do imóvel possui finalidade eminentemente arrecadatória, desvinculada do propósito intervencionista ou extrafiscal previsto no artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal de 1988 e que, por isso, não poderia ser aplicada a imposto real como o IPTU.

35. A progressividade adotada pela Lei 13.250/01 não se conforma com aquela (progressividade no tempo) prevista no § 1º, do artigo 156 da Constituição Federal, excepcionada para o IPTU exclusivamente quando tenha por objetivo assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

36. Além da ofensa ao princípio da capacidade contributiva, a Lei Municipal também fere o princípio da isonomia, e isto porque trata desigualmente contribuintes que se encontram na mesma situação. Veja-se, por exemplo, que dois contribuintes detentores de patrimônio imóvel avaliado em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) podem ser diferentemente tributados:

– O Contribuinte A, proprietário de imóvel residencial no valor de R$ 500.000,00, teria que pagar o seguinte valor a título de IPTU:

Faixas de valor venal Alíquota por faixa IPTU

até R$ 50 mil 0,8% R$ 400,00

acima de R$ 50 mil até R$ 100 mil 1,0% R$ 500,00

acima de R$ 100 mil até R$ 200 mil 1,2% R$ 1.200,00

acima de R$ 200 mil até R$ 400 mil 1,4% R$ 2.800,00


Acima de R$ 400 mil 1,6% R$ 1.600,00

TOTAL DO IMPOSTO R$ 6.500,00

O IPTU equivale a 1,3% do valor do imóvel

– Já o Contribuinte B, proprietário de dez (10) imóveis residenciais no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) cada, estaria isento para o exercício de 2.002 e, a partir do exercício de 2.003, o tributo devido corresponderia a:

Valor venal Alíquota IPTU/2.002 IPTU/2.003

R$ 50.000,00 0,8% R$ 0,00 R$ 400,00

Total dos 10 imóveis R$ 4.000,00

37. Notória, assim, a disparidade. Até mesmo porque, conforme se infere do Texto Constitucional, ao instituir o regime da progressividade do IPTU (redação original do art. 156, I, § 1º, da CF, bem como art. 182, § 4º, II, da CF), buscou o Constituinte assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Ora, o exemplo acima é categórico ao demonstrar que, embora o patrimônio imobiliário de ambos os contribuintes expresse o mesmo valor, aquele que lida com especulação imobiliária auferirá vantagens com a nova sistemática do IPTU, em detrimento daquele que possui um único imóvel residencial, destinado à moradia própria e da família.

38. Nem se alegue, ainda, que a diferenciação de alíquotas em razão do uso do imóvel seria autorizada pelo sistema. Com efeito, a 2ª parte do inciso II do artigo 150 da Constituição veda o tratamento desigual em razão da atividade econômica exercida pelo contribuinte.

39. A Lei Municipal, ao estabelecer tabelas distintas segundo o uso e destinação dos imóveis, inequivocamente fere a 2ª parte do inciso II do artigo 150 do Texto Constitucional. Sobre esse tema, oportuno mencionar o entendimento de KIYOSHI HARADA:

“Ora, a consideração de três tabelas distintas de tributação gradual, como aquelas aprovadas pela lei municipal guerreada, desnatura a unidade do imposto predial e territorial urbano, conhecido pela sigla IPTU. Nada há na Constituição que autorize adoção de tabelas progressivas distintas, segundo a destinação do prédio ou, segundo a existência ou não de edificação (…). Se o imposto constitucionalmente outorgado é um só, não há como a lei local criar três castas de contribuintes com tratamentos diferenciados.” (KIYOSHI HARADA, Prática do IPTU Progressivo, Direito Tributário Atual nº 14, p. 83/84, destacou-se)

40. Assim, por qualquer ângulo que se analise a Lei nº 13.250/01, forçoso reconhecer sua inconstitucionalidade. Veja-se que é possível identificar, ainda, intuito extrafiscal na diferenciação de alíquotas (espécie de incentivo ao uso residencial de imóveis e, em contrapartida, desincentivo para uso comercial ou industrial). E isto, evidentemente, não encontra respaldo no Texto Constitucional.

41. Por tudo que já se expôs, principalmente no que se refere às violações aos princípios da isonomia e da capacidade econômica do contribuinte, há que se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei nº 13.250/01, que modificou a Lei nº 6.989/66, bem como da Emenda Constitucional nº 29/00.

DA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR

42. Por todo o exposto, presente o requisito do direito líquido e certo a autorizar a impetração do mandado de segurança. Com efeito, no presente caso, a liquidez e certeza do direito dos Impetrantes saltam aos olhos.

43. Ora, conforme já mencionado, a imposição da progressividade do IPTU é flagrantemente inconstitucional, havendo direito líquido e certo dos Impetrantes a recolherem o tributo segundo as prescrições da Lei nº 6.989/66.

44. E mais: estão presentes os requisitos autorizadores da concessão de medida liminar, haja vista a relevante fundamentação acima deduzida e o risco de ineficácia da medida se processada sem a suspensão do ato coator.

45. Com efeito, o lançamento já foi efetuado e os Impetrantes encontram-se obrigados a recolher o tributo segundo os valores aferidos pelos critérios da Lei nº 13.250/01. Ora, efetuados os pagamentos, o julgamento do presente mandamus, ainda que concessivo da ordem, restaria inócuo. Se o que se pretende é afastar a ilegalidade (no caso, inconstitucionalidade) na cobrança do tributo, de rigor seu recolhimento, via depósito judicial, sem a incidência da legislação aqui impugnada.

46. É de se frisar, ainda, que os Impetrantes, ora Agravantes, caso não efetuem os pagamentos nos moldes exigidos pela Autoridade Coatora, poderão vir a ser autuados, o que redundaria sérios prejuízos de ordem financeira (acréscimo de multa e juros, restrição a créditos pela inclusão do nome no rol de devedores da Fazenda Municipal, possível ajuizamento de execução fiscal etc.)

47. Por todo o exposto, requer-se seja concedida medida liminar suspensiva do ato coator, autorizando-se os Impetrantes a efetuarem o depósito judicial do tributo nos moldes da Lei Municipal nº 6.989/66, afastando-se, desse modo, as inconstitucionalidades contidas na EC nº29/00 e na Lei Municipal nº 13.250/01.

CONCLUSÃO

48. À vista das razões supra expendidas, requer-se seja processado o presente recurso, inclusive com o efeito ativo preconizado, provendo-se-o, a final, para que seja concedida MEDIDA LIMINAR suspensiva do ato coator, autorizando os aqui Agravantes a efetuarem o pagamento do IPTU nos moldes da Lei nº 6.989/66, ou, em caráter eventual, seja deferido o depósito judicial da importância cobrada pela Autoridade Impetrada a título de IPTU, a fim de que se suspenda a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151, inciso II, do Código Tributário Nacional. É o que se espera, como medida de Justiça.

São Paulo, 14 de junho de 2002.

Flávio Luiz Yarshell

OAB/SP 88.098

Juliana Demarchi

OAB/SP 173.029

JU/REC/AI MS IPTU Lúcio Grinover 392 – 3

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