Relacões conflitantes

Juízes têm o dever de respeitar os advogados

Autor

24 de junho de 2002, 14h03

Li, indignado, manchete estampada em edição do jornal O Debate, de Macaé: “Advogada acusa juiz do Trabalho de impedir livre exercício da profissão”. Eu gostaria de ver a seguinte manchete: “Juiz atende advogada e respeita a suas prerrogativas profissionais”. Como profissional do direito, e ex-dirigente da OAB, não posso aceitar que o preceito legal de que não existe hierarquia entre magistrados e advogados seja tão relegado pelos nossos juízes.

É bom que se alargue publicidade do art. 6º, da Lei nº 8.906, de 04.07.94, que instituiu o vigente Estatuto da Advocacia e da OAB, segundo o qual “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho”.

Torna-se difícil – muito difícil – buscar no judiciário o direito do cidadão quando juízes arvoram-se em donos da verdade e detentores de poderes superiores e inatingíveis pelos preceitos legais e, via de conseqüência desse estado de espírito, atravancam um sistema que, por si só, já é capenga. Já está na hora de se relegar para o passado a praxe nociva de que o magistrado está posicionado acima do bem e do mal, sob pena de termos nas esferas judicantes desses magistrados uma distribuição de justiça cada vez mais deficiente, lerda, inoperante e, sobretudo, em flagrante prejuízo ao cidadão.

O advogado, segundo preceito constitucional, “é indispensável na administração da justiça”. A mim me parece que parte da magistratura não aceita essa premissa, pois, se aceitasse, não teríamos conclusões tão vexatórias como as que acontecem quando o advogado é desrespeitado em suas prerrogativas. É uma minoria, graças a Deus, os juízes que assim pensam e agem e, assim mesmo, aqueles que seguros de suas responsabilidades respeitam o advogado, tendem a servirem de exemplos a esses outros que assim não agem.

Deveriam os magistrados reconhecerem – e não estariam fazendo nenhum favor à classe – que nós, advogados, somos os principais responsáveis pela possibilidade de uma eficiente distribuição de Justiça. Se pelo lado institucional pertencemos a uma entidade respeitada e acatada em todo território nacional, nos processos judiciais contribuímos decisivamente para que a máquina estatal deslinde a questão colocada ao seu juízo.

Pelos nossos arrazoados ficam nos autos conhecimentos e cultura jurídicos necessários para o conhecimento da causa, os quais, na maior das vezes, apesar de aproveitados, são relegados ao desprezo pelos magistrados no decisum derradeiro. Ao contrário, todavia, está o nosso Judiciário, que, como Instituição, encontra-se desacreditado perante a sociedade, mercê de uma emperrada máquina, da qual fazem parte juízes que começam por desrespeitarem as prerrogativas do advogado.

O que aconteceu pela notícia estampada na imprensa de Macaé não pode restar no olvido pela OAB. O advogado quando atingido em suas prerrogativas, seja ele amedalhado ou recém saído dos bancos acadêmicos, deve receber a proteção do órgão de classe e, da mesma forma como foi agravado, deve ser desagravado o mais rápido possível. Aliás, a subseccional já deveria ter promovido medidas administrativas e judiciais perante o magistrado que desconsiderou a advogada, sem que fosse necessário aguardar providências da Seccional.

O respaldo do presidente Octávio Gomes virá indiscutivelmente. Conhecemos bem o destemor do presidente da Seccional e, por isso mesmo, as medidas de sua competência hão de ser promovidas, no entanto, é preciso que o órgão subseccional, que está bem mais próximo da situação fáctica, aja com desprendimento e sem medo de receber futuras retaliações, a fim de que surja um eficiente desagravo.

Por muito menos, na administração anterior da subseccional, nos insurgimos veementemente contra atitude de um magistrado trabalhista que, de maneira hostil, destratou um advogado em plena audiência, tornando o seu rancor e impertinência expressos na sentença. Não teve o nosso aval e a resposta veio imediata. Cumprimos com o nosso dever profissional, entretanto, não só basta o cumprimento do dever pelos advogados, é preciso que também os magistrados estejam conscientizados do dever de consideração e respeito recíprocos previstos na lei infraconstitucional, pois, só assim, haveremos, todos, de contribuir para a celeridade no andamento dos processos e eficiência na prestação jurisdicional.

Por outro lado, não se deve esquecer que, da mesma forma que à OAB cabe zelar pelos direitos e prerrogativas do advogado, também cabe a todos nós profissionais do direito o dever de consideração e respeito recíprocos aos magistrados e membros do Ministério Público, buscando zelar pela dignidade de suas funções.

Por isso mesmo, o nosso órgão de classe não deve permitir emparceiramentos com entidades outras que, sob pretexto de abarcarem a defesa de grupos sociais em destaque, abraçam a causa do profissional, não possuindo, todavia, o comprometimento legal desses deveres recíprocos.

Somente a OAB está legalmente habilitada a defender as prerrogativas dos seus advogados. Estive – e sempre estarei – ao lado do advogado, desde que haja um mínimo de desrespeito as suas prerrogativas, mas, também, colocar-me-ei sempre, como profissional do direito, ladeado ao magistrado se for ele vilipendiado na seu sagrado dever de julgar.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!