Era uma vez um homicida pedófilo que foi preso em flagrante pela polícia de São Paulo e, alguns dias depois, foi posto em liberdade por um juiz que entendeu irregular o flagrante. A prisão ocorrera cinco dias após o fato criminoso (ele violentou e matou um menino de 9 anos) e, diante do tempo transcorrido, não se poderia considerar que o agressor fora pego no momento do crime ou logo após a sua prática. Portanto, não havia flagrante.
O suspeito foi imediatamente solto, apesar de ser morador de rua e, consequentemente, não ter endereço fixo nem ocupação lícita, além de ser acusado de crime hediondo — nessas condições, dificilmente ele seria posto na rua por juiz mais cauteloso. Moral da história: alguns dias depois, esse indivíduo tentou fazer a mesma coisa com outro menino. Por sorte, um desconhecido que passava pelo local bateu com um pedaço de madeira nas costas do agressor e salvou a vítima. Mas o sujeito, comprovadamente perigosíssimo, fugiu. Provavelmente, já deve estar fazendo outras vítimas, pois o agressor sexual com o seu perfil é compulsivo. É um tipo semelhante ao “maníaco do parque”, que estuprou e matou muitas mulheres até ser preso.
Embora alguns tenham culpado o Código de Processo Penal pela soltura de um suspeito desse calibre, a lei não pode ser responsabilizada. A falha foi humana, isto é, do juiz. Quando um suspeito não tem endereço fixo nem ocupação lícita e apresenta alto grau de periculosidade, mesmo havendo falhas no flagrante, é de toda a conveniência a decretação da prisão preventiva, prevista em lei. Bastaria que o juiz tivesse adotado a medida certa para proteger a sociedade.
Outro fato recente, ocorrido no Rio de Janeiro, trouxe a mesma indagação: por que o traficante “Elias Maluco”, que estava preso, saiu por ordem da justiça? Ele é suspeito de ser um dos responsáveis pela morte do repórter de televisão Tim Lopes, que foi torturado, seccionado por uma espada, queimado e enterrado aos pedaços. Se o traficante tivesse continuado preso, talvez Tim não tivesse morrido.
O suspeito Elias havia cumprido pena por tráfico de drogas e estava detido preventivamente por outro crime hediondo, um seqüestro. O Tribunal de Justiça do Rio disse que concedeu um habeas corpus em favor do acusado, pondo-o em liberdade, porque ele estava encarcerado há quatro anos sem que o seu processo tivesse sido julgado. As razões do atraso, segundo a imprensa, foram as manobras da defesa e os adiamentos das audiências pela ausência do réu e das testemunhas de acusação, que eram policiais. Todos os problemas alegados, porém, poderiam ter sido evitados.
As manobras da defesa, sejam quais forem, não podem ser admitidas para impedir a aplicação da justiça. Percebendo isso, o juiz do processo pode e deve tomar as providências cabíveis, indeferindo solicitações protelatórias. Se o advogado do réu faltar a uma audiência, o juiz nomeia um defensor dativo e dá prosseguimento ao feito. Se as testemunhas de acusação não comparecem para prestar seus depoimentos sem justificativa plausível, o juiz deve determinar a condução coercitiva. A testemunha vai à força. Se o réu preso faltar à audiência, a culpa pode ser da indisponibilidade de escolta policial para levá-lo ao Fórum. A falha é da Secretaria da Segurança Pública, mas uma intervenção direta do juiz pode ajudar a sanar o problema.
Por fim, se a pauta da Vara está superlotada e, uma vez adiada a audiência a próxima vaga só surge dentro de um ano ou mais, então será preciso encontrar um horário extra e realizar a audiência o quanto antes, justamente com o fim de evitar o excesso de prazo para concluir a instrução. Nada disso depende de lei. A precariedade dos serviços do Estado não é culpa da legislação.
Os dois casos mencionados (há muitos outros semelhantes, infelizmente) causaram revolta na população porque os criminosos foram localizados e presos pela polícia, mas, em pouco tempo, estavam de volta às ruas. Logo em seguida, cometeram novos crimes graves. Percebe-se que a legislação, embora tenha brechas, não foi a principal responsável pelo que se passou. As falhas foram, acima de tudo, humanas. Teria sido perfeitamente possível manter os meliantes presos com as leis que temos. Em segundo lugar, a grande falha é do aparelho do Estado. Justiça sobrecarregada, falta de empenho na investigação e na punição de acusados perigosos, polícia sem escolta de presos, prisões superlotadas.
É uma forma de desviar a atenção do verdadeiro problema atribuir à legislação a responsabilidade pelo mau funcionamento do Estado. Criticar a lei é fácil, porque fazer uma revolução no papel todo o mundo pode. Escrever é simples, barato. Difícil é fazer funcionar o sistema depois de criado. Isso, até hoje, ninguém fez direito no Brasil.
Um bom “pacote antiviolência” deve conter medidas concretas com relação ao funcionamento satisfatório dos serviços públicos. É fundamental alocar recursos financeiros para custear o aprimoramento das Polícias e da Justiça. Por fim, vontade política de transcender o discurso para atingir a realidade social é imprescindível. O resto, é bobagem.