Música online

Os desbravadores e pioneiros do mercado de música na Web

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

22 de junho de 2002, 19h27

Aparentemente, tudo começou quando algumas bandas ainda eram formadas em garagens. Em 1993, dois americanos, Robert Loyd e Jeff Patterson e alguns amigos do campus de Santa Cruz da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, formaram um grupo musical denominado “UGLY MUGS”. Como qualquer outro conjunto, eles queriam apenas tocar e cantar as músicas de sua autoria, como “Cold Turd on a Paper Plate” e “Abracadaver” para os bêbados de plantão no bar.

Para isso, e pretendendo ser de algum modo diferentes do resto do mercado, eles montaram um sítio na Internet chamado INTERNET UNDERGROUND MUSIC ARCHIVE, ou IUMA. A idéia vingou, e logo alguns milhares de outros grupos musicais se juntaram ao clube. O site convidou artistas a colocar música, gráficos e texto na Internet, numa tentativa pioneira de divulgar gratuitamente trabalhos intelectuais na Grande Rede.

Naquela época, a “fabulosa” Internet ostentava cerca de 4.000 bandas musicais listadas na UseNet, uma divisão responsável pela catalogação eletrônica de BBS, dos quais pelo menos 60 eram grupos de discussão musical focados em gêneros específicos de música e artistas individuais. O IUMA permitia aos usuários com equipamento adequado escutar e salvar faixas musicais em formato digital, dos artistas de sua preferência constantes do catálogo do site.

A faixa musical podia ser acessada por qualquer um que possuísse um sound card (geralmente contido na maioria das máquinas McIntosh e disponível para instalação em outros PCs, que era capaz de descomprimir sinais digitalizados). A música podia ser transferida e arquivada em qualquer meio gravável existente na época, tais como fitas magnéticas e CDs graváveis, estes últimos ainda raros então.

Texto e gráficos podiam ser armazenados juntamente com o áudio, em discos rígidos de computador. O IUMA era gratuito para todos os artistas e selos musicais que nele inserissem conteúdo, como era preconizado por seus fundadores, Loyd e Patterson. A idéia dos dois era viabilizar uma alternativa para grupos novos e estreantes de encontrarem audiência para as suas criações musicais, dentre os cerca de 20 milhões de usuários da Grande Rede naquela época (hoje já beiram 100 milhões).

Eles acreditavam que o IUMA pudesse evoluir para se tornar uma alternativa viável e bem-sucedida de distribuição de música em nível mundial, oferecendo CDs inteiros a custo mínimo para os interessados. É claro que o plano daqueles dois pioneiros não estava livre de problemas, incluindo as questões relativas a direitos autorais e à proteção de obras de terceiros. Na busca de bypassar o establishment fonográfico, Loyd e Patterson se aventuraram em um campo minado de questões jurídico-econômicas que até hoje continuam a se situar na ordem do dia no âmbito da comunidade do entretenimento. Isso sem mencionar as notórias dificuldades da Internet de sete anos atrás: difícil de navegar e sem meios aparentes de reivindicação em caso de problemas.

A par disso, havia também as limitações tecnológicas. Os dois fundadores utilizavam compressão de sinais para digitalizar até cinco minutos para cada grupo musical integrante do site. Uma vez comprimida, a informação podia levar até 30′ (trinta minutos) para transmitir uma faixa com 03′ (três minutos) de duração através de linhas telefônicas, dependendo das conexões e dos equipamentos de cada usuário.

Mesmo assim, ambos eram otimistas: “a transferência de dados através das linhas telefônicas vai se tornar cada vez mais veloz”, dizia Patterson. “Em breve, você poderá premir a tecla play e ouvir imediatamente a música escolhida.” O IUMA proclamava oferecer a melhor qualidade musical disponível na Internet, uma vez que já existiam outros sites de música online, mas a qualidade de gravação era muito pobre (“sub-AM quality“, eles afirmavam), pior do que muitas rádios monaurais e a maioria do material existente eram fragmentos de faixas pirateadas de CDs. “Podemos vislumbrar o dia em que estaremos comprimindo CDs inteiros e reproduzindo-os em tempo real”, disse Lord. “Lá pelo ano 2000, qualquer um que possua um sound card poderá ter acesso a uma discoteca online completa”.

O IUMA existe até hoje, embora o tempo tenha atropelado vários conceitos que pareciam certos e definitivos para os seus criadores, em termos tecnológicos. Sua missão era simples – para cada artista que tenha um contrato com gravadora ou esteja sendo executado em emissoras de FM – existem milhares de outros artistas talentosos perseguindo o sonho da fama e do sucesso e outros tantos milhões de fãs que jamais conseguirão ter acesso a essas músicas.

A intenção do IUMA era mudar esse quadro, unindo artistas e fãs, divulgando as músicas e oferecendo a tantos novos usuários uma nova modalidade de descobrir a música. No coração da proposta do IUMA estava a oportunidade de deixar a música falar por si mesma e os artistas se comunicarem diretamente com os seus fãs.

O IUMA era o limiar do futuro da música independente, hoje tão bem representada por Shawn Fanning e seu Napster. Loyd e Patterson jamais poderiam imaginar que sua idéia pioneira iria abalar o poderoso e fechado mundo da indústria fonográfica mundial, colocando em xeque conceitos de distribuição, administração e liquidação de conteúdo musical de forma inexorável, que já mudaram o comportamento do consumidor de música em escala global e estão auxiliando sobremaneira a ampliar o conhecimento e sacramentar a modernização da legislação de direitos autorais que durante tantas décadas privilegiou o usuário em detrimento do criador de obras musicais inesquecíveis.

Tal como tantos visionários do século XX, George Orwell, Aldous Huxley, Arthur C. Clarke e Isaac Asimov, esta dupla americana tem o direito de se considerar inserida no rol dos desbravadores e pioneiros do mercado de download (transferência) de música online.

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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