Longa batalha

Juiz manda Fininvest e Serasa pagarem R$ 20 mil para consumidora

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19 de junho de 2002, 16h44

O juiz da 3ª Vara Cível de Porto Velho, Osny Claro de Oliveira Júnior, mandou a Fininvest e a Serasa indenizarem Helaine Esteves de França Siqueira em R$ 20 mil por danos morais. Motivo: o nome da consumidora foi incluído indevidamente no cadastro dos inadimplentes.

A consumidora disse que não conseguiu obter crédito em um banco por causa da restrição. A Fininvest e a Serasa já interpuseram recurso de apelação.

No processo, ficou comprovado que uma terceira pessoa usou o CPF com o mesmo número ao do documento de Helaine e efetuou saques em caixas eletrônicos. A Fininvest mandou o número do CPF para a Serasa. A empresa cadastrou Helaine na lista dos inadimplentes indevidamente.

A Serasa alegou ilegitimidade passiva. O juiz não acatou o argumento.

“Não me convence a tese do “inocente útil” sempre alegada pela Serasa para arrogar-se como parte ilegítima nas ações contra si propostas. O que faz a Serasa é transformar o conjunto de dados referentes aos atributos da personalidade das pessoas – nome, profissão, filiação, número de CPF e do RG – em mero objeto e produto para o comércio”.

De acordo com o juiz, pelos dados recebidos, “não só da rede de clientes, mas até mesmo da Receita Federal”, a Serasa “passa a vender o produto “nome, profissão, filiação, CPF e RG” das pessoas e com isso a obter lucro”.

Oliveira disse que “os atributos da personalidade, que para seus próprios titulares são irrenunciáveis e fora do comércio, para a Serasa passam a ser objeto de mercancia, sem que por isso nada pague aos titulares dos direitos expostos à ampla visitação dos seus clientes”.

Veja a decisão

Autos nº 001.2000.007759-4

Vistos etc.,

HELAINE ESTEVES DE FRANÇA SIQUEIRA pede a condenação de FININVEST – S/A e SERASA ao pagamento de indenização por danos morais que alega ter sofrido por conta de indevida restrição cadastral promovida pela primeira e mantida e divulgada pela segunda ré, também sem prévia comunicação, pois que, objetivando obter crédito junto a instituição financeira, teve seu pedido recusado por conta das restrições mencionadas, aduzindo, ademais, que nunca manteve qualquer relacionamento negocial com as rés, ocorrendo utilização incorreta do seu nº de CPF e sendo este aspecto, que, a seu ver, deveria ser observado pelas rés para evitar o constrangimento ocasionado. Junta os documentos de fls. 13 a 16.

Contestou a FININVEST à fl. 22 alegando, em síntese, que não é parte legítima, agiu como era mandatária e não causou qualquer dano, juntando os documentos de fls. 46 a 60. Contestou também a segunda ré, apontando, em resumo, ilegitimidade passiva, que agiu em exercício regular de direito previsto em lei e no contrato firmado com a primeira ré, que procedeu à comunicação prévia prevista no CDC, que deveria ter a ré providenciado a retirara de seu nome do cadastro, e que não há nexo de causalidade entre os atos da Serasa e os fatos alegados pela autora. Juntou os documentos de fls. 72 a 117. Réplica à fl.118.

Após a especificação de provas, e tendo a Serasa inclusive manifestado antecipada indisposição para a conciliação, deu-se a audiência própria, sem êxito. Dispensada a produção de provas, vieram a alegações finais, e conclusos.

RELATADOS,

DECIDO.

É incontroverso que a autora jamais manteve qualquer relação de negócio com a FININVEST.

Pelos documentos juntados pela própria ré às fls. 146 a 151, vê-se que uma terceira pessoa, portando o CPF com o mesmo número daquele da autora, efetuou saques em caixas eletrônicos, o que bastou para que a FINIVEST remetesse o dito número de CPF para inclusão na Serasa. Esta, por seu turno, acolheu a remessa , e incluiu o número de CPF fornecido em seu rol de inadimplentes, ligando o número ao nome da autora, e daí divulgando a restrição no nome desta.

Descobriu-se depois que não foi efetivamente a autora a pessoa que se utilizou o cartão emitido pela primeira ré, mas por sujeição dos atributos humanos aos números que lhes atribuem, foi ela cadastrada como inadimplente.

Certa, assim, a culpa da primeira ré que, por negligência, apontou para a restrição número de CPF que não corresponde à pessoa responsável pelo débito.

Diz então a Serasa que não tem legitimidade passiva porque cumpre apenas o que lhe mandam fazer e, ademais, porque o contrato firmado com seu cliente a isenta de qualquer responsabilidade quanto à exatidão dos dados que lhe são repassados.

Não me convence a tese do “inocente útil” sempre alegada pela Serasa para arrogar-se como parte ilegítima nas ações contra si propostas.

O que faz a Serasa é transformar o conjunto de dados referentes aos atributos da personalidade das pessoas – nome, profissão, filiação, número de CPF e do RG – em mero objeto e produto para o comércio.


Com estes dados, recebidos, já se sabe, não só da rede de clientes, mas até mesmo da Receita Federal, passa a vender o produto “nome, profissão, filiação, CPF e RG” das pessoas e com isso a obter lucro.

Veja-se : os atributos da personalidade, que para seus próprios titulares são irrenunciáveis e fora do comércio, para a Serasa passam a ser objeto de mercancia, sem que por isso nada pague aos titulares dos direitos expostos à ampla visitação dos seus clientes.

Não há, por princípio fundamental à lei 8.078/90, a chamada “oferta inocente” por parte do fornecedor.

Todo fornecedor é responsável pela higidez do produto que oferece ao mercado de consumo.

Assim, se um restaurante fornece comida estragada, e causa dano ao cliente, é responsável pela indenização correlata. Se uma loja de veículos vende um carro que, depois, se descobre ser roubado, responde perante o adquirente, e volta-se , em seguida, contra quem lhe entregou o bem para venda, caso queira.

Sendo a Serasa uma empresa que comercia e vende informações, não vejo porque tenha ela especial deferência para não se responsabilizar pelo produto que vende e divulga.

Não vigora quanto a terceiros, ademais, a cláusula instituída entre a Serasa e seus clientes, e pela qual, segundo consta de seu texto, estaria ela isenta de qualquer responsabilidade quanto correção dos dados que recebe e disponibiliza.

O CDC é claro e expresso quanto a isto :

“Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I- impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer naturezados produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;…” (g.n)

Assim, responde efetivamente a Serasa pela correção dos dados que comercializa, e tem legitimidade para figurar no polo passivo da ação.

Não bastasse ainda esse estado de coisas, deu-se a inscrição restritiva sem a devida prévia comunicação à autora.

Nada demonstraram a Fininvest e a Serasa no sentido do cumprimento do disposto no artigo 43, parágrafo 2º do CDC.

A primeira não juntou qualquer documento que comprovasse a prévia comunicação.

A segunda, por sua vez, junta o documento dos Correios e que se refere a “Maria das Graças Fonseca, residente à Rua São Vicente, Manaus”, o que nada tem a ver com a autora Helaine Esteves de França Siqueira, residente Rua D, Ipase Novo, Porto Velho-RO.

Os documentos de fls.75 a 76 são produto de elaboração unilateral de terceiro, de modo que provam a declaração nele contida mas não o fato declarado, vigorando quanto a eles o disposto no artigo 368 do CPC.

Ainda que se demonstrasse o envio da comunicação , tal não bastaria para elidir a ilegalidade, sem a comprovação do recebimento efetivo pela pessoa a ser inscrita, pois a providência imposta pelo artigo 43, parágrafo 2 º, do CDC é obrigação de fim, e não de meio, reclamando do cadastro que seja zeloso com a efetividade da comunicação, mormente quando se trata de inscrever o nome de avalistas, como é o caso dos autos.

Fosse a SERASA zelosa com os seus deveres legais, bastaria enviar as comunicações por meio do chamado “AR” – aviso de recebimento – aguardando o retorno do documento para constatar se foi recebido pela pessoa a ser inscrita e então, só após assim constatar, promover a inscrição.

A tão só formulação restritiva nestes moldes – sem que seja a autora a real devedora e sem a prévia comunicação – enseja a ocorrência de danos morais ditos in re ipsa, bastando a comprovação do ato ilegal e dispensando-se a prova efetiva de dano.

É pacífico e reiterado o entendimento do STJ :

“Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam” (REsp nº 86.271/SP, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 09.12.97).Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito ” (AGA 268459/SP)

Quanto ao caso específico aqui examinado, o STJ também já teve oportunidade de julgar :

“SERASA. Inscrição de nome de devedora. Falta de comunicação.A pessoa natural ou jurídica que tem o seu nome inscrito em cadastro de devedores tem o direito de ser informado do fato. A falta dessa comunicação poderá acarretar a responsabilidade da entidade que administra o banco de dados. Recurso conhecido e provido, para julgar procedentes as ações. (RESP 285401/SP) .

Considere-se, ainda, ser bastante para configurar a obrigação de indenizar a mera lesão a direito, como ocorreu, e consoante reza o artigo 159 do CCB :” Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” (g.n.) .


Dispensáveis maiores digressões sobre a quem deve caber a retirada da inscrição indevida, e que de todo modo nem deveria ter ocorrido, dado que somente a Serasa tem o domínio técnico de seu “sistema” para efeito de retirar a restrição, e ela mesma diz que somente a retira com a ordem de seu cliente , a Fininvest, conforme consta à fl. 14, em carta enviada à autora.

A própria Fininvest submeteu a tese ao Superior Tribunal de Justiça que no REsp nº 292.045, relatado pelo Min. Carlos Alberto Menezes Direito, decidiu :

“Dano moral. Cadastro negativo. Art. 73 do Código de Defesa do Consumidor.

1. Não tem força a argumentação que pretende impor ao devedor que quita a sua dívida o dever de solicitar seja cancelado o cadastro negativo. O dispositivo do Código de Defesa do Consumidor configura como prática infrativa “Deixar de corrigir imediatamente informação sobre o consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata”. Quitada a dívida, sabe o credor que não mais é exata a anotação que providenciou, cabendo-lhe, imediatamente, cancelá-la.”

E no corpo do julgado consignou o Min. Relator :

“…Mas a meu sentir, sem razão alguma. Veja-se o absurdo pretendido pela ré,credora. O devedor fica inadimplente; a empresa, sem pestanejar, impõe o registro negativo; o devedor paga o débito; mas, a empresa afirmaque não tem mais responsabilidade sobre o registro, cabendo ao devedor a obrigação de pedir seja o mesmo cancelado. Ora esse tipo de argumento é risível porque aquele que faz o registro, uma vez sanada a causa deste, deve proceder ao cancelamento, não tendo o devedor sequer elementos para tanto…”

E aqui tratamos de quem nem mesmo devia ou era inadimplente, daí porque mais ainda ser impositiva a exclusão por quem a promoveu e a manteve.

O abalo de crédito ficou demonstrado com o documento de fl. 13, não impugnado pelas partes.

Presentes, portanto, todos os requisitos a ensejar a obrigação de indenizar.

É sabido que o valor da indenização deve pautar-se em termos razoáveis, de modo que os impositivos de desestímulo ao lesionador e compensação ao lesado sejam atendidos com equilíbrio.

É notório o efeito atômico que gera a inscrição na Serasa: passa o inscrito a fazer parte de um clube para o qual não foi convidado a associar-se, mas do qual tem que participar assiduamente, pois seu nome e qualificação tornam-se disponíveis ao exame de qualquer um que tenha mínimo acesso aos dados, e que são obtidos em qualquer empresa associada por meio do sistema on line.

O inscrito perde, verdadeiramente, grande parte de sua capacidade para os atos da cida civil.

Conseguem a Serasa e seus clientes, com a simples inserção de um disquete no “drive a” de seus computadores, obter efeito prático que , para os reles credores que não sejam seus associados , apenas é alcansável após o longo e devido processo legal de declaração de insolvência civil, previsto nos artigos 748 e seguintes do CPC.

O arbitramento da indenização deve operar-se com moderação, em direta proporção ao grau de culpa, ao porte empresarial e à capacidade econômica das partes, de forma tal que se outorgue ao ofendido uma justa compensação, sem enriquecê-lo indevidamente e, ao mesmo tempo, que esse valor seja significativo o bastante para o ofensor, de sorte que se preocupe em agir com maior zelo e cuidado ao adotar procedimentos que possam causar danos morais às pessoas.

No caso, somam-se as negligências das rés, e vejo como suficiente e necessário que a indenização seja no montante de R$20.000,00 (vinte mil reais) a ser paga por ambas, solidariamente.

Pelo exposto e diante de tudo mais que consta dos autos , JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para condenar as rés FININVEST e SERASA a pagar solidariamente à autora a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de indenização pelo dano moral sofrido, cabendo-lhes pagar as custas e despesas processuais e honorários que arbitro em 15% sobre a condenação.

P.R.I..

Porto Velho, 24 de abril de 2.002.

Osny Claro de Oliveira Junior

Juiz de Direito

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