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Telepar é condenada a pagar R$ 50 mil para empregado

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14 de junho de 2002, 18h34

“DANO MORAL – DESPEDIDA ABUSIVA – LIMITAÇÕES DO PODER DE RESILIÇÃO – TEORIA OBJETIVISTA DO ABUSO DE DIREITO – DISCRIMINAÇÃO DECORRENTE DE DEFEITO FÍSICO – O direito potestativo de resilir o contrato de trabalho encontra limites nas demais normas componentes do ordenamento jurídico, que formando um todo, exigem interpretação harmônica. Havendo prova de que o empregado foi dispensado apenas por ser deficiente físico, não importando a debilidade em redução da capacidade laborativa, configurada está a despedida abusiva, com violação dos artigos 1º, III e IV 5º, “caput” e XLI 7º, XXXI 37, “caput” 170, “caput” e 193 todos da Constituição Federal de 1988 além do artigo 9º da CLT – Há abuso de direito por seu exercício sem legítimo interesse e em desacordo com sua destinação social – Teoria Objetivista. O dano daí decorrente – moral – deve ser ressarcido, sendo a Justiça do Trabalho competente para apreciar o feito.” (TRT 9ª R. – RO 9.136/93 – Ac. 1ª T. 17.351/94 – Rel. Juiz Santino Gonçalves – DJPR 14.10.1994)

“ESTABILIDADE PROVISÓRIA – DISPENSA – Recurso ordinário (abuso de direito) – caracteriza-se o abuso de direito quando o empregado é demitido sem justa causa às vésperas de sua inscrição como candidato a cargo eletivo sindical, conhecida sua liderança no ambiente de trabalho. Do que resulta ineficaz o ato resilitivo porque destinado a elidir a estabilidade provisória do art. 543, parágrafo 3º da CLT. recurso empresarial improvido por maioria.” (TRT 1ª R. – RO 01997/89 – 3ª T. – Rel. Juiz Roberto Davis – DORJ 08.11.1990)

Na situação dos autos, o que se constata é que, ainda que não tenha havido afastamento do trabalho por período superior a 15 dias, reconhecido que, quando da despedida, estava o autor incapacitado para o exercício de suas atividades laborativas habituais, não havendo a ré tomado a iniciativa de comprovar, por qualquer indício, o critério de escolha do autor para a despedida coletiva, chega-se à conclusão de que a despedida teve cunho discriminatório em razão do seu estado de saúde, sendo, no sentido acima mencionado, abusiva.

Num tal contexto, em que estão em conflito direitos colidentes, privilegiar-se o direito de livre rescisão contratual significaria, in concreto, um menoscabo de tal forma desproporcional aos direitos à saúde, ao trabalho, à valorização social do trabalho e, em suma, à vida digna do trabalhador, aqui clara e concretamente atingidos, que aquele primeiro deve ceder a estes últimos. Na lição de Edilsom Pereira Farias, reportando-se à lei de colisão de Alexy, “a afetação de um direito só é justificável pelo grau de importância de satisfação de outro direito oposto”.

É precisamente essa relação de proporcionalidade que vem observando a jurisprudência ao determinar a reintegração de empregado soropositivo para HIV:

REINTEGRAÇÃO – EMPREGADO PORTADOR DE AIDS – RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA – Como partícipe de sua comunidade e dela refletindo sucessos e insucessos, ganhos e perdas, segurança e risco, saúde e doença, a empresa atualmente já assimila o dever de colaborar na luta que amplamente se trava contra a AIDS e, através de suas lideranças, convenciona condições coletivas em que se exclui a exigência de teste HIV por ocasião da admissão no emprego ou na vigência do contrato, e veda a demissão arbitrária do empregado que tenha contraído o vírus, assim entendida a despedida que não esteja respaldada em motivo econômico, disciplinar, técnico ou financeiro. E isso sob o fundamento de que a questão envolve a vulnerabilidade da saúde pública, não podendo a categoria econômica furtar-se à responsabilidade social que inegavelmente detém. Além do mais, a inviolabilidade do direito à vida está edificada em preceito basilar (artigo 5º, caput, da Constituição Federal). (TRT 2ª R. – RO 20000175697 – (20000396782) – 8ª T. – Relª Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva – DOESP 29.08.2000)

Com maior razão se há de entender assim, quando o descompromisso e falta de solidariedade do empregador se dá em função de doença que, embora não oriunda do trabalho, é agravada pelo fato de o empregador ter descumprido determinação de seu próprio departamento médico para a reabilitação profissional e mudança de função.

Desta forma, quer se olhe para os efeitos do ato patronal, à luz do princípio da proporcionalidade, quer se olhe para a conduta tomada em si, maculada pelo caráter discriminatório, avulta a antijuridicidade da despedida da autora.

Quanto à discriminação, há de se ter em conta que não é um ato único de um agente isolado com um motivo consciente absoluto, mas um processo de múltiplas determinações associadas cujo resultado é o menoscabo discriminatório.

Em excelente estudo a respeito da discriminação em razão de LER/DORT, Maria Elizabeth Antunes Lima observa que se trata de um “esforço claramente ideológico, no sentido de mascarar o nexo dessas doenças com certas atividades profissionais, através da tentativa explícita de culpabilizar o próprio doente e de desviar a discussão das verdadeiras causas: as transformações impostas ao mundo do trabalho, no decorrer dos últimos anos”, desvio este que se torna “bastante providencial para as empresas cujos processos de trabalho são patogênicos”.


É significativo o esforço para que a responsabilidade recaia sobre o próprio empregado, eximindo-se o poder público e o empregador de suas responsabilidades perante a consecução dos direitos fundamentais daquele, acima mencionadas. O resultado é a criação de um ambiente propício à discriminação.

“Tudo isso tende a culminar em uma espécie de segregação dos portadores de LER, uma vez que este grupo passou a ser fortemente estigmatizado. Tal estigma é produzido nos seus ambientes de trabalho e continuamente reforçado nos consultórios médicos e psicológicos, nos serviços especializados em doenças ocupacionais, no próprio meio familiar e na sociedade em geral. (…) Como tudo passa a ser percebido como um indício de fragilidade psíquica ou orgânica, ficam criadas as condições para que os indivíduos acometidos por essa doença passem a ser vítimas de todo tipo de preconceito. Ao responsabilizá-los pela sua própria doença, estaremos abrindo o caminho para a sua discriminação. (…) Estando isolados e, mais do que isto, sentindo-se responsáveis pelo próprio adoecimento, ficarão muito mais indefesos e sofrerão, de forma mais intensa, os impactos dos mecanismos já estabelecidos para intimidá-los e obrigá-los a renunciar à defesa dos seus próprios direitos.”

Esses procedimentos são percebidos pelos próprios doentes, sendo recorrentes os relatos no sentido de que “as empresas não querem assumir um doente. Elas sempre falam que depois entram em contato, mas é mentira”. E referem-se não só ao tratamento recebido pelas empresas mas pelo próprio INSS. Uma pessoa relatando a indiferença no tratamento recebido pelo INSS, após ter sua perícia negada por quatro vezes, afirma: “não há gente humana naquele lugar (…) sinto dores, mas não volto lá. A gente sofre muita humilhação” e a “sutileza” da discriminação pela empresa, nesse caso, constou da CAT emitida: “a paciente está reabilitada e possui antecedentes psiquiátricos de depressão”.

Tais relatos dão a dimensão das circunstâncias criadas para se tornar propícia a atitude de discriminação em relação à saúde do trabalhador.

Evidentemente, não se pode exigir, dada a natureza do ato, que a discriminação reste cabalmente comprovada, devendo ser deduzida das circunstâncias de fato. Ninguém assina recibo da prática discriminatória. Exigi-lo seria realizar no processo uma discriminação gritante em desfavor daquele cuja proteção contra a discriminação se trata de aplicar, posto que implicaria em um ônus probatório quase inatingível.

Na hipótese, a sanção adequada à despedida ilegítima é a reintegração, inclusive para possibilitar o adequado encaminhamento do autor ao órgão previdenciário e eventual percepção de benefício.

D.2 -Política de desligamento

Quanto ao segundo fundamento, tem-se que a norma regulamentar aplicável à situação de despedida do autor é aquela trazida à fl. 44 dos autos da demanda sob nº 26735/99, consistente na norma 000-700-005-PR. Consoante já apreciado em diversas demandas anteriores, embora a política de desligamento de empregados emitida em 01.06.81 e aprovada pela diretoria da ré em 09.06.81 não institua modalidade de estabilidade no emprego, não há dúvidas de que se trata de auto-limitação do empregador a seu direito potestativo de resilição, que, por benéfica, adere aos contratos de trabalho vigentes à data de sua instituição. Segundo aquela regra, a ré somente poderia despedir “em razão de incompetência profissional, negligência no trabalho ou falhas éticas”, apuradas na forma definida nos itens A, B e C.

Em se tratando de garantia contratual, esta não pode ser alterada em prejuízo do empregado, mesmo mediante o expediente de pretensa “interpretação autêntica” como no Memo 67/82-P, devendo ser interpretada diretamente a norma instituidora da garantia.

Como instituída, a regra limitativa do direito potestativo de despedida imotivada, consubstanciada na política de desligamento de empregados da empresa, não se destinava a vigência temporária, nada ressalvando a este respeito. Ao contrário, invocando os objetivos de “proporcionar a seus empregados a oportunidade de duradoura permanência na empresa”, à evidência não poderia se pretender uma “norma temporária” a promover a “duradoura permanência”.

As alterações posteriores naquela norma, na medida em que restringiram a garantia correspondente à limitação ao poder de despedida, somente atingem os contratos de trabalho iniciados após a alteração, a teor do art. 468 da CLT e enunciado 51 do c. TST. Assim, ao instituir normas regulamentares que prevejam vantagens aos empregados, além das já asseguradas, o empregador inova o contrato beneficamente, ao qual aderem as novas condições, o que é válido e passa a ser exigível, ao passo em que não mais poderá alterá-las para reduzir ou suprimir qualquer das vantagens em detrimento dos empregados cujos contratos estavam vigentes ao tempo da norma mais benéfica.


A questão aqui não se confunde, pois, com a integração ou não aos contratos de trabalho de normas coletivas instituídas com o objetivo de vigência temporária, já que se trata de norma originalmente destinada à definitividade. Isso não significa que a mesma norma não poderia ser alterada ou revogada, mas isso somente resultaria em alteração das condições contratuais dos empregados admitidos a partir da alteração.

Resta analisar se a revogação de que trata a cláusula quinta do acordo homologado no DC 024/84 afasta aquela garantia incorporada ao contrato de trabalho individual do autor, como aduz a ré.

O dispositivo em questão tem a seguinte redação:

“A TELEPAR observará a aplicação da política de adaptação profissional a mudanças na organização da companhia, no 000.700.005-PR, emissão 02, aprovada pela Diretoria da empresa, em 27 de dezembro de 1984, que oferece treinamento e atuação em outras especialidades a empregados atingidos por modificação organizacional ou mudanças tecnológicas, de modo a minimizar as necessidades de demissões, ficando revogada a política de desligamento de empregados da empresa, no 000-700-005-PR, mencionada na CT. no 24/83-AGRH (item I), de 14 de dezembro de 1983.”

Segundo os elementos constantes dos autos, a norma antes mencionada, tem o mesmo código de ambas as normas mencionadas no dispositivo convencional (000-700-005-PR), eis que essa codificação refere-se tanto à norma que teria sido revogada quanto àquele afirmada como vigente. Não resta comprovado (o que incumbiria à ré), que a norma mencionada na CT. no 24/83-AGRH (item I), de 14 de dezembro de 1983 seja a mesma norma 000-700-005-PR, emitida em 01.06.81 e colacionada à fl. 44 da demanda reunida. Daí, não se pode concluir, a partir dos documentos juntados, que aquela norma de fl. 44 tenha de fato sido revogada pelo acordo homologado no DC 024/84.

Não obstante, ainda que se entenda que a cláusula quinta do acordo revoga a norma emitida em 01.06.81, tem-se que não prospera a tese de defesa. Isto porque o instrumento normativo em questão apenas retira a vigência da norma regulamentar, revogando a política de desligamento adotada segundo a norma que menciona, mas não faz qualquer referência aos efeitos da revogação nos contratos individuais de trabalho até então em curso.

Ora, não se confundem a norma regulamentar que leva à inserção no conteúdo do contrato de trabalho formado em sua vigência, mediante o processo de subjetivação que nos menciona a lição de Délio Maranhão, com a norma contratual individual, que, mediante essa subjetivação, recebe o conteúdo regulamentar, mas passa a existir autonomamente no âmbito da relação contratual individual. A revogação da norma regulamentar implica em que seu conteúdo não mais será integrado aos contratos de trabalho formados a partir de então, mas, por si, não revoga as correlatas normas individuais já integradas aos contratos anteriormente em curso.

Decorre daí que, antes de apreciar-se a validade ou não de revogação de normas vigentes nos contratos individuais por instrumento normativo de natureza coletiva, trata-se de verificar que, na situação colacionada aos autos, tal revogação não se verifica, mas tão somente da norma regulamentar, cujos efeitos se operam nos termos do enunciado 51 do c. TST. Reitere-se que, aqui, não se trata de ausência de renovação de norma coletiva destinada à vigência temporária, mas a norma originalmente instituída com declarado objetivo de permanência.

Dito isto, tem-se por vigentes no âmbito do contrato individual de trabalho do autor as condições limitativas à despedida imotivada instituída na norma regulamentar reproduzida às fls. 698/699.

Os fundamentos aqui expostos foram expressamente ratificados pelo egrégio Regional, quando do bem lançado aresto, da lavra do Exmo. Juiz Luiz Celso Napp, verbis:

TRT-2000-03-24 ESTABILIDADE. NORMA REGULAMENTAR DA TELEPAR. LIMITAÇÃO AO DIREITO POTESTATIVO DE RESILIÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO. Partindo-se do princípio de que cabem às partes apresentarem os fatos e o juiz aplicar o direito, in casu, a Norma Regulamentar n. 000.700.005-PR, de 01/06/81, não estatuiu garantia de emprego, mas limitou o direito potestativo do empregador de resilir o contrato de emprego. Assim, a dispensa do empregado somente poderia se dar “em razão de incompetência profissional, negligência no trabalho ou falhas éticas”.

Vigente a norma quando em curso o contrato de emprego do Autor (admitido em 27/01/76) e, tendo sido estatuída em caráter permanente (não equiparada a norma coletiva – de caráter eminentemente temporário), nos termos que se extrai do item 03 da norma, incorpora-se aos contratos em curso (art. 468 da CLT e Enunciado n. 51 do C. TST).

Mesmo que acatada sua revogação pelo DC n. 24/84, não há alteração das situações que já haviam se constituído sob a égide da norma revogada, aplicável somente aos contratos que dali em diante se estabeleceram, interpretando a matéria sob os auspícios do princípio da condição mais favorável. A r. sentença esclareceu que “não se confundem a norma regulamentar que leva à inserção no conteúdo do contrato de trabalho formado em sua vigência, mediante o processo de subjetivação que nos menciona a lição de Délio Maranhão, com a norma contratual individual, que, mediante essa subjetivação, recebe o conteúdo regulamentar, mas passa a existir autonomamente no âmbito da relação contratual individual. A revogação da norma regulamentar implica em que seu conteúdo não mais será integrado aos contratos de trabalho formados a partir de então, mas, por si, não revoga as correlatas normas individuais já integradas aos contratos anteriormente em curso”.


In casu, a Ré não observou os ditames para a dispensa do Autor (dispensado sem justa causa) sejam, aqueles impostos pela Norma Regulamentar, ou aqueles previstos no art. 37, caput, da Carta Constitucional, vedada a dispensa sem justa causa sob qualquer ângulo. Devida, portanto, a reintegração, nos exatos termos da fundamentação da r. sentença. (TRT-PR-RO-4659/1999-PR-AC 06083/2000-4a.T-Relator LUIZ CELSO NAPP – DJPr. TRT-24-03-2000)

Idêntico entendimento foi reiterado pelo egrégio Nono Regional, no julgamento do proc. TRT-PR-RO 10.805/99, em acórdão da lavra da Exma. Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu, que reformou a respeitável sentença transcrita pela ré. Daquele aresto se extrai:

“Sustenta o Autor que o indeferimento do pedido de reintegração não pode prosperar, haja vista ser detentor de estabilidade. Aduz que a norma interna, intitulada “política de desligamento de empregados”, assegurou a estabilidade e que a norma não foi revogada no Dissídio Coletivo 24/84, apenas para os contratos novos. Entende, pois, que à época do desligamento para os trabalhadores que já laboravam quando da edição da norma esta ainda vigia, devendo ser reformada a decisão para acolher a pretensão de ser reintegrado.

Em 1981 a Telepar revolveu instituir uma “política de desligamento”, editando norma interna estabelecendo critérios para proceder ao desligamento de seus empregados, ressaltando ser política da empresa “proporcionar a seus empregados a oportunidade de duradoura permanência na Empresa (…) o desligamento de empregados do quadro de pessoal, por iniciativa da empresa só deve ocorrer em razão de incompetência profissional, negligência no trabalho ou falhas éticas” (fls.145). Posteriormente, o DC 024/84, em sua cláusula 5ª, veio a revogar referida norma.

No caso dos autos, a admissão do Autor ocorreu em 16.04.74 (TRCT – fls. 10), anterior, portanto, à alteração produzida pelo DC 24/84. Não comungo do entendimento da sentença, porquanto perfilho daquele no sentido de que sendo condição mais benéfica, a norma contida no regulamento incorporou-se ao contrato de trabalho do Autor. Assim, embora a norma tenha sido revogada em acordo celebrado no Dissídio Coletivo supramencionado, a anterior aderiu ao contrato de trabalho não podendo a Ré desprezá-la em relação aos empregados anteriormente admitidos, sendo que a modificação do regulamento é válida apenas para os novos contratados, a teor do Enunciado 51 do C. TST.

Discorrendo sobre a matéria, “sobrevida de garantias convencionais para os contratos vigentes, mesmo após o termo final do instrumento normativo”, o mestre Valentin Carrion enumera umas poucas exceções à regra geral de que todas as vantagens se integram definitivamente no patrimônio jurídico do empregado, verbis: “… salvo se: a) a norma que as instituiu expressamente previu, não apenas o prazo genérico de sua eficácia, o que se aplica aos contratos futuros, mas especificamente quanto a alguma ou algumas cláusulas que não terão sobrevida nas individuais; b) a mesma fonte que a instituiu (sentença, convenção ou acordo coletivos), posteriormente, as revogue expressamente para os contratos individuais anteriores; …” (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 459)”.

A norma regulamentar em questão tratou, sem dúvidas, de garantia relativa de emprego, impondo limitações ao direito potestativo de resilição do contrato de trabalho e, como já mencionado, sendo mais benéfica, aderiu aos contratos de trabalho que então vigiam quando de sua instituição. A Ré, sponte própria, criou as limitações ao direito potestativo de resilição, advindo daí a estabilidade relativa.

O eminente doutrinador Américo Plá Rodrigues, esclarece acerca do princípio da condição mais benéfica:

“A regra da condição mais benéfica pressupõe a existência de uma situação concreta, anteriormente reconhecida, e determina que ela deve ser respeitada, na medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma aplicável” (Princípios de Direito do Trabalho”, LTr, SP, p.60).

Não há que se confundir o caso em análise com a integração ou não de normas coletivas transitórias aos contratos individuais de trabalho. A Norma Regulamentar, por si só denota sua natureza definitiva ao dispor: “política de proporcionar a seus empregados a oportunidade de duradoura permanência na Empresa” (grifamos). Indene de dúvidas que a mesma aderiu aos contratos em curso, e sua revogação se opera apenas aos novos contratos.”

A matéria ainda foi objeto de apreciação no mesmo sentido no acórdão- 06730-2001 TRT-PR-RO-10670-2000, Rel. Exmo. Juiz Ney José de Freitas, entre outros.

Sendo assim, a despedida do autor, juntamente com outras centenas de empregados despedidos na mesma semana, sem sequer a alegação e, ainda menos, a comprovação, de qualquer das três modalidades permissivas previstas na norma regulamentar a cuja observância fazia jus o autor, bem como o cumprimento dos procedimentos mencionados nos itens A e B da dita norma regulamentar, é nula, por violar a auto-restrição imposta pelo empregador, geradora do direito reflexo do empregado à sua observância.


Não se tratando de hipótese de restrição temporária à despedida, faz jus o autor à reintegração, eis que não se vislumbra incompatibilidade entre as partes, posto que de todo impessoal a decisão de despedida em massa.

A análise desses dois fundamentos torna desnecessária a apreciação dos demais fundamentos da inicial quanto à despedida (CPC, art. 515, parágrafo 1º e 2º), restando prejudicados os pedidos relativos a indenização decorrente da despedida nessas condições.

Defere-se, pois, a reintegração do autor ao emprego, nas mesmas condições em que se encontraria na continuidade da relação empregatícia, com o pagamento dos salários e demais parcelas remuneratórias, férias, natalinas e depósitos do FGTS vencidos desde a despedida e vincendos até a efetiva reintegração.

Devem ser abatidos os valores pagos a título de verbas rescisórias, consoante comprovados nos autos, inclusive a indenização de reestruturação.

Resta prejudicada a reconvenção apresentada pela ré, por ausência de interesse/adequação para tanto, eis que matéria típica de defesa.

E- Indenização por dano moral e acidentária

A jurisprudência vem revertendo tendência anterior, verificada nos julgados antes mencionados, para acolher a competência da Justiça do Trabalho para apreciar ações de indenização por dano moral e material decorrente de acidente de trabalho e fundadas na responsabilidade do empregador, a cujo entendimento se adere. A matéria foi recentemente fixada pelo STF:

Recurso extraordinário. Medida Cautelar. Deferimento. É de deferir-se medida cautelar de suspensão dos efeitos do acórdão objeto de RE já admitido na origem e adstrito a questão de competência da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho para o processo, quando, à primeira vista, a solução dada na instância a qua, ao afirmar a competência da Justiça Estadual para o caso – ação de indenização contra o empregador por danos decorrentes de acidente do trabalho -, é contrária à orientação do Supremo Tribunal”. Cf. BRASIL. STF. 1ª Turma. Pet. n. 2.260-2, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Ac. de 18 dez. 2001, DJ 1.3.2002.

Formula o autor pedido de indenização pela redução da capacidade laborativa, no importe de 50% de sua remuneração, até que complete 67 anos ou outro valor e indenização por danos morais em razão do caráter discriminatório da despedida, no valor de 200 remunerações.

Quanto ao nexo de causalidade entre a lesão e o trabalho e quanto ao caráter discriminatório da despedida, reporta-se ao já aduzido no item D, supra, considerando-se configurados ambos.

Consoante supra decidido, ainda, restam associados, na hipótese em questão, a lesão decorrente do trabalho e a despedida do autor. Lícito, por isso, fixar-se uma única indenização, mormente considerando-se que não resta demonstrado especificamente qual foi a participação do agravamento decorrente do não afastamento do autor do trabalho no terminal de vídeo, a fim de que se possa quantificar a perda laborativa isoladamente daquela decorrente da patologia de origem degenerativa.

Por outro lado, há de considerar-se que a inobservância da determinação médica foi lesiva à saúde do autor. Bem assim, o caráter discriminatório da despedida implica, por si, o menoscabo moral, pois fundada no desprezo à pessoa do autor, em função de sua condição de saúde. Não se olvide, todavia, que, determinada a reintegração, receberá o autor o salário e demais verbas de todo o período de afastamento, possibilitando o encaminhamento ao órgão previdenciário e a regular percepção de benefício pelo afastamento ou eventual redução laborativa.

Considerando-se esses aspectos, tem-se por excessivo o valor postulado na inicial. Sopesando-se a culpabilidade da ré, a sua capacidade econômica, a expectativa econômica do autor e o dano sofrido, fixa-se a indenização, já envolvendo ambos os aspectos mencionados relativos à doença do trabalho e à despedida discriminatória em 100 salários mínimos vigentes nesta data, corrigidos desde então.

F- Nulidade da “venda do carimbo”

O litígio em questão envolve a validade do ato de alteração de cláusula do contrato individual de trabalho que assegurava ao autor o benefício de complementação de aposentadoria. A ré propôs o pagamento de uma indenização pela supressão do benefício, o que foi aceito pelo autor.

De início, cumpre afastar enganos no que se refere à relação da questão com a figura do direito adquirido. É correto que o empregado, antes de implementar a condição para a aposentadoria, o tempo de serviço, não tem direito adquirido ao benefício. Todavia, essa diretriz é diversa no que se refere às regras de complementação de aposentadoria instituídas no âmbito privado. Isto porque, aqui, a matéria é regida pelo art. 468 da CLT, cuja interpretação uniforme é dada pelos enunciados 51 e 288 do c. TST. Aqui, a norma legal não protege somente o direito adquirido, mas a própria intangibilidade da regra para aquisição do direito, mesmo quando ainda em curso de aquisição (ou seja, mera expectativa) e inclusive ainda antes do início do processo de sua formação.


Trata-se, portanto, de garantia legal à preservação em abstrato da norma contratual que assegure algum direito contra qualquer alteração prejudicial, ainda que antes da formação completa do direito. Com certa liberdade pode-se dizer que há um direito adquirido à regra de formação de direitos ainda não adquiridos.

Dito isso, observa-se que o ato inquinado, que levou à supressão e indenização do direito à complementação de aposentadoria tem por objeto a extinção da própria regra contratual de aquisição do direito à aposentadoria, vale dizer, envolve a extirpação de um direito em abstrato. Não se trata, portanto, de transação, na medida em que esta tem por pressuposto a res dúbia e não havia qualquer dúvida de que o empregado fizesse jus à cláusula do contrato individual que lhe assegurava o direito em formação à complementação de aposentadoria.

De toda forma, o que se cuida, aqui, simplesmente, é de apreciar aquele ato à luz do art. 468 da CLT. Consoante o critério legal, não basta a bilateralidade da alteração contratual, sendo indispensável que da mesma não resulte prejuízo direto ou indireto.

Neste ponto, em que pese a variabilidade dos critérios atuariais que possam ser adotados, a larga distância entre o valor pago a título de indenização pela supressão do benefício e a expectativa do que representaria o valor da complementação de aposentadoria, no caso do autor, como bem demonstrado no cálculo de fl. 112, não deixa dúvidas da lesividade da alteração. A expectativa atuarial do valor da complementação da aposentadoria remontaria a R$ 114.205,27, ao passo em que o autor percebeu apenas a reduzida quantia de R$ 23.388,23, não havendo a ré logrado apontar qual a fórmula através da qual se chegou a esse valor.

Por outro lado, há de se assegurar à ré a compensação do pagamento efetuado, sem o que não se trataria de recompor o statu quo ante, mas de promover enriquecimento sem causa do autor. Com isso, fica naturalmente definida a questão da lesividade, pois o benefício somente será exercido pelo autor na medida da prejudicialidade da indenização paga.

A par da lesividade, um outro fundamento leva a se autorizar o desfazimento do negócio. É que a ré violou seu dever de boa fé objetiva (CLT, art. 8º), ao escusar-se reiteradamente, antes e após a propositura da demanda, a apresentar os critérios para apuração da indenização de cada empregado. O revigoramento da força normativa desse princípio é cada vez mais presente no direito privado, do que não se deve excluir as relações contratuais de trabalho, especialmente adequadas à sua incidência.

Na lição de Cláudia Lima Marques, “o Princípio da Boa-Fé Objetiva na formação e na execução das obrigações possui uma dupla função na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos, e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos.”

Ocioso lembrar que o descumprimento ao dever geral de boa-fé objetiva não depende de qualquer espécie de má-fé subjetiva. “Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.”

O princípio da boa fé objetiva assume especial relevância nas situações em que há material desigualdade entre as partes, como na relação de trabalho, em que há, de regra, a dependência (aqui no sentido material e não meramente jurídico). A primeira obrigação do empregador a ser respeitada, como decorrência do princípio da boa-fé objetiva é a obrigação de informar. Essa obrigação é expressada nas normas dos arts. 4º, III, 46, 51, IV, 30 e 31 da Lei 8.078/90, por exemplo, que servem de diretriz para a concretização do princípio da boa-fé objetiva no âmbito das relações de trabalho.

Com esses pressupostos, trasladam-se, aqui, as observações doutrinárias sobre o dever de informação nas relações de consumo para o âmbito da relação de trabalho:

“O primeiro e mais conhecido dos deveres anexos (ou das obrigações contratuais acessórias) é o dever de informar (…). Aqui as informações são fundamentais para a decisão do consumidor (…) e não deve haver indução ao erro, qualquer dolo ou falha na informação por parte do fornecedor ou promessas vazias, uma vez que as informações prestadas passam a ser juridicamente relevantes (…). (A) doutrina estrangeira visualiza dois tipos de deveres de informação, o primeiro denominado dever de “conselho” ou aconselhamento, e o segundo, dever de esclarecimento simples. O dever de esclarecimento (…) obriga o fornecedor do serviço (…) sobre a forma de utilização e a qualidade dos serviços (…). Já o dever de aconselhamento (…) é um dever mais forte e só existe nas relações entre um profissional, especialista, e um não especialista. Cumprir ou não o dever de aconselhamento significa fornecer aquelas informações necessárias para que o consumidor possa escolher entre os vários caminhos a seguir.


É exatamente este último dever que foi descumprido pela ré. Se trata de uma relação onde não só há a desigualdade financeira, mas há uma desigualdade de informação. A ré assume a condição de especialista, na medida em que detém as informações atuariais sobre o valor previsível do benefício, se realizado. Todavia, às vésperas da privatização da empresa, para a qual interessa a eliminação do benefício, existindo insegurança generalizada (não se trata, porém de coação), a ré apresenta a “opção” por manter ou não o benefício, induzindo os empregados a aceitá-lo ou não sem ter as informações necessárias para tanto (as quais a empresa, desigualmente, possui).

Constitui truísmo ressaltar-se que de todo inadequada, aqui, qualquer invocação dos vícios clássicos dos atos jurídicos próprios do direito napoleônico. O que se cuida é apreciar a incidência do princípio da boa-fé objetiva como dever geral limitador do exercício da autonomia privada. Assim, não se trata de discutir se a opção do autor foi “livre” ou não, no sentido do dogma da autonomia da vontade, mas se esse exercício foi afetado pelo descumprimento, pela ré, de seu dever de boa fé, ao sonegar a informação essencial à decisão: a previsão atuarial do benefício suprimido.

Assim, a nulidade da alteração contratual que levou à chamada “venda do carimbo” tem dois fundamentos: a violação ao art. 468 da CLT, dada a lesividade, que será recomposta na exata medida do prejuízo havido, pois compensado o valor pago e o descumprimento, pela ré, de seu dever de boa-fé objetiva, ao sonegar a informação essencial à tomada da decisão entre um dos três caminhos sugeridos na proposta da empresa.

Deferida a reintegração, cumpre apenas declarar a nulidade da alteração contratual que implicou na indenização pela supressão da complementação de aposentadoria, declarando-se o direito do autor à observância das regras previstas para o exercício desse direito, consoante o postulado no item “g” da inicial da demanda sob nº 26.735/99, restando prejudicados os demais pedidos.

Defere-se ao autor a opção entre devolver o valor da indenização recebida ao título, corrigida ou a compensação gradativa do valor pago, corrigido, à medida do vencimento futuro das parcelas da complementação de aposentadoria a que venha a fazer jus.

G- Honorários advocatícios

O autor está assistido por seu sindicato de classe, formulando declaração de hipossuficiência nos termos do art. 4º da Lei 1.060/50 (fls. 47/48), atendendo, pois os requisitos exigidos pelos arts. 14 e 16 da lei 5.584/70, única hipótese de deferimento de honorários de advogado na esfera trabalhista, em que segue vigendo o jus postulandi das partes.

Deferem-se os honorários assistenciais à base de 15% sobre o valor da condenação.

H- Retenções previdenciárias e fiscais

Com a Emenda Constitucional no 20, passa a Justiça do Trabalho a ter competência para exigir o recolhimento da contribuição previdenciária incidente sobre as parcelas salariais decorrentes da execução, o que implica em competência, decorrente da mudança do texto constitucional, para definir o montante dos valores a serem recolhidos pelo empregado e pelo empregador no que se refere às parcelas constantes da fundamentação.

Assim, autoriza-se seja retida, apenas no momento de pagamento ao credor, a quantia cabível a este no que se refere à contribuição previdenciária incidente sobre os valores salariais ora deferidos, consoante se apurar em liquidação de sentença, respeitado o limite máximo de contribuição. Igualmente deverá o empregador comprovar nos autos, após o trânsito em julgado da sentença de liquidação, a contribuição previdenciária que lhe cabe.

No que diz respeito à retenção de Imposto de Renda, com o julgamento do RE 196.517-PR, em 14.11.00, Rel. Min. Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser da competência da Justiça do Trabalho definir a incidência ou não do Imposto de Renda, além da Contribuição Previdenciária, sobre cada parcela objeto de condenação em sentença trabalhista. Diante disso, ficando pacificada a controvérsia pelo STF, inclusive quanto ao julgamento das controvérsias relativas à quantificação e incidência do tributo, altera-se o entendimento anterior, para acolher-se o posicionamento pacificado na jurisprudência.

Dessarte, autoriza-se a retenção do imposto de renda sobre as parcelas cabíveis, observados os limites de isenção mensalmente verificáveis de acordo com os meses de referência dos débitos da ré, sob pena de impor ao contribuinte o ônus pelo inadimplemento oportuno de seus haveres.

III- DISPOSITIVO

Isto posto, decide, a 1a Vara do Trabalho de Curitiba, acolher em parte o pedido inicial, para condenar a ré, BRASIL TELECOM S.A., a reintegrar o autor, WALDEMIRO JOSÉ MASLOWSKY, nas mesmas condições de trabalho em que se encontrava, sem prejuízo do tempo de serviço, e a pagar-lhe os salários e demais parcelas remuneratórias e direitos convencionalmente previstos vencidos e vincendos até a efetiva reintegração, como se trabalhando estivesse, consoante se apurar em liquidação de sentença, observados os termos e limites constantes da fundamentação, que integra este dispositivo para todos os efeitos. Condena-se a ré, ainda, a pagar ao autor, na forma da fundamentação decorrente, as seguintes verbas:

a- indenização por dano moral e acidentária;

b- honorários assistenciais de 15%. Acolhe-se, ainda, o pedido “g” da demanda 26.735/99, observando-se a obrigação alternativa de devolução ou compensação da indenização recebida a critério do autor. Juros e correção monetária na forma da lei, observado, quanto a esta, o vencimento da obrigação, antecipando-se para o mês da prestação de serviços quando houver prova de pagamento dentro do próprio mês trabalhado, e utilizando-se as tabelas elaboradas pelas assessoria econômica do TRT da 1ª Região. Custas pela ré, no importe de R$ 1.000,00, sobre R$ 50.000,00, valor arbitrado à condenação. Observe-se o constante da fundamentação quanto à contribuição previdenciária e imposto de renda. Oficie-se ao INSS e Receita Federal. Publicada em audiência. Intimem-se as partes. Nada mais.

LEONARDO VIEIRA WANDELLI

Juiz do Trabalho

Diretor de Secretaria

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