O papel de cada qual

OAB paulista desagrava o criminalista Alberto Toron

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10 de junho de 2002, 16h26

O desagravo ao advogado Alberto Zacharias Toron, realizado no Salão Nobre da OAB-SP, reuniu grandes nomes da Advocacia, Magistratura e Ministério Público, dirigentes de entidades do Direito, diretores e conselheiros da Ordem. Na abertura do ato, o presidente da Seccional Paulista, Carlos Miguel Aidar, destacou a questão dos prejuízos causados pela imprensa quando invade a privacidade e detrata a reputação de pessoas.

Também apontou que, hoje, todos os advogados sabem que, quando tiverem sua honra ofendida, como no caso de Toron, contam com a certeza e a segurança de uma atuação firme de sua entidade de classe.

Na saudação de desagravo, o presidente da Comissão de Direitos e

Prerrogativas da OAB-SP, José Luis Oliveira Lima, destacou que estava presente no desagravo de Toron a “elite do Direito”, ressaltando as qualidades do desagravado como pessoa e como profissional. José Luis chamou a atenção para o fato que Toron sempre se preocupou com a necessidade de se preservar as prerrogativas do advogado porque ela embute a luta por direitos mais amplos. “Com os comentários infundados do jornalista Boris Casoy,

Toron sentiu na pele a violação de direitos que sempre defendeu”, disse Lima. Para ele, é necessário avançar mais, com a união das entidades de classe dos operadores do Direito para que as prerrogativas sejam integralmente cumpridas.

Ovacionado, Toron iniciou seu pronunciamento de forma descontraída,

referindo-se ao ex-presidente do TJ-SP, Weiss de Andrade, como um magistrado duro e correto, que nunca lhe havia concedido um habeas corpus. Agradeceu a saudação de José Luis, lembrando frase do rabino Henry Sobel, dita na entrega de um prêmio na OAB SP, de que se sua mãe fosse vida, assinaria embaixo as palavras elogiosas de saudação. Para Toron, as prerrogativas, atualmente, vêm sendo entendidas como apanágio de um segmento profissional, o que é um equívoco, porque na verdade visam assegurar direitos do cidadão, pois será o advogado que fará a defesa do cidadão contra as arbitrariedades cometidas pelos detentores do poder. Assim, como acontece com juizes e parlamentares, que possuem suas

prerrogativas.

“Os direitos estão sendo aviltados à luz do dia”, comentou Toron, não mais de forma escusa como acontecia no período da ditadura. Ele citou vários exemplos para ilustrar sua afirmativa, como o fato de o advogado que defendia o ex-presidente do BC ter recebido voz de prisão dentro de uma sessão na CPI do Senado, porque instruiu seu cliente a não fazer declarações para não se incriminar.

Também citou uma série de distorções de enfoque em notícias veiculadas pela imprensa, como ter feito o público acreditar que os prédios de Sérgio Naya caíram porque foram construídos com areia da praia, quando o problema foi de erro de cálculo estrutural; ter colocado a mulher do juiz Nicolau dos Santos Neto como ré e ter silenciado quando ela foi excluída da ação penal. “Acreditamos na verdade que a imprensa constrói, na maioria das vezes incriminatória, porque vende mais”, afirmou Toron. Para ele, está na hora de se exigir tratamento equânime por parte da mídia.

“Por que advogado de bandido tem de ser feio?” perguntou, citando o

enquadramento da câmera que sempre beneficia o promotor com o melhor ângulo.

No seu entender, ou se busca uma estrutura legal que não permita a repetição de fatos como este do qual foi vítima ou a sociedade passará a viver numa sociedade de inquisição, onde os âncoras acusadores terão plenos poderes.

Toron foi aplaudido de pé pelos presentes. O Desagravo foi encerrado pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Rubens Approbato Machado. “Minha presença aqui simboliza que todos os advogados brasileiros também estão presentes neste desagravo”, afirmou Approbato, ressaltando que lamentava ter o agravo vindo da imprensa, “logo ela pela qual os advogados lutaram durante a Ditadura para não tivessem mais de colocar receitas e versos no lugar das notícias”. Segundo o presidente da OAB, o jornalista que acusou Toron não teve consciência do mal que fez ao Estado Democrático de Direito e à cidadania, que só se concretiza na ação do advogado.

O papel de cada qual

A OAB paulista cumpriu seu papel ao promover um ato solene de desagravo público para enaltecer a figura do advogado Alberto Zacharias Toron.

A homenagem ao famoso criminalista se fez a título de reparação por alegadas ofensas praticadas contra ele por um jornalista, o não menos famoso Boris Casoy.

O imbroglio teve origem em um comentário de Casoy. Ao referir-se à capacidade econômica do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, para contratar bons advogados (como Toron), o apresentador da TV Record afirmou que ele seria pago, provavelmente, com o dinheiro desviado da construção do fórum trabalhista de São Paulo.

É provável que, se está pagando honorários neste momento, o juiz aposentado tenha recursos de outra origem. Pode ser que não esteja pagando. E pode ser que, efetivamente, esteja pagando com verbas do negócio referido ou de outro qualquer. O fato é que Toron se ofendeu. E não só por isso. A Record teria praticado outras ofensas, como a de exibir Toron em situações incômodas.

Fácil compreender. Toron dedicou-se ao seu cliente com fervor. Não facilitou o trabalho da imprensa. Resistiu com bravura a todas as tentativas de sedução dos jornalistas, enm busca de informações. Entre a glória de projetar-se com glória na mídia e o conforto íntimo de proteger o vulnerável jurisdicionado que lhe coube, ficou com a segunda alternativa. O advogado cumpriu seu papel.

Se existem neste país 10 mil veículos de comunicação. E é provável que existam mais. Todos se precipitaram com voracidade sobre a bola da vez. A revista Veja, à frente de todas as publicações, precipitou-se a apelidar o audacioso juiz de Lalau. A poderosa TV Globo, não se fez de rogada tampouco. Mesmo os veículos de comunicação sem muita moral para criticar alguém, exultaram ao berrar aos quatro cantos: “pega ladrão”.

No fenômeno de catarse coletiva, quase toda a população passou a associar o juiz aposentado com o crime. Evidentemente, não por acaso. Mas Toron ofendeu-se mesmo foi com Boris Casoy.

Processado civil e criminalmente pelo advogado, Casoy não teve desagravo nem solidariedade da sua entidade de classe. Teve de contar, solitariamente, com a respeitabilidade de seu nome e com o empenho de seus advogados.

Toron sabe, assim como a Comissão de Prerrogativas da OAB-SP, que a imprensa brasileira (assim como a advocacia) tem uma banda podre de fazer inveja às polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Sabe-se que há jornais e jornalistas dispostos a tudo para faturar algum. Pulemos aqui o capítulo dos advogados. Irônico é saber também que Toron e Boris, além de bons profissionais, são reconhecidos como pessoas corretas.

O jornalista, dono de notável biografia, conquistou a condição de consciência crítica do país. O comentário que feriu o advogado está dentro do que esperam seus espectadores. Dentro também do que a Constituição lhe garante. Portanto, ele também cumpriu seu papel. Cabe refletir se, ao pedir cadeia para o jornalista, Toron está dentro de seu papel.

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