Taxa liberada

Juiz autoriza Shopping Iguatemi a cobrar taxa de estacionamento

Autor

4 de junho de 2002, 17h17

As empresas comerciais podem cobrar taxa de estacionamento de seus clientes. O entendimento é do juiz da 6ª Vara Cível de Campinas, José Luiz Germano, ao julgar pedido do Shopping Iguatemi para cobrar taxa de estacionamento. Uma lei municipal de Campinas proíbe a cobrança.

O Shopping alegou ter investido R$ 2 milhões na segurança de seu estacionamento e, por isso, queria um retorno. Também argumentou que a competência para legislar sobre direito civil é privativa da União.

O juiz acatou os argumentos e disse que, em tese, pode até mesmo ser cobrado ingresso para quem queira entrar em um shopping como pedestre, a exemplo do que ocorre nas feiras de animais e inúmeras exposições.

Germano afirmou ainda que o próprio Município cobra pelo uso de bens comuns do povo, como as ruas, quando institui a “zona azul”, sem ficar responsável pelos carros. Assim, jamais poderia proibir um particular de cobrar pelo uso de sua propriedade, ainda mais no caso de um estacionamento fechado, pelo qual o shopping responde de forma cabal, de acordo com súmula do STJ.

Leia a sentença

SEXTA VARA CÍVEL DE CAMPINAS – SP

Processo 638/02.

Vistos.

O CONDOMÍNIO CIVIL DO SHOPPING CENTER IGUATEMI CAMPINAS impetrou o presente mandado de segurança preventivo contra o SECRETÁRIO MUNICIPAL DA SECRETARIA DE OBRAS, SERVIÇOS PÚBLICOS E PROJETOS DE CAMPINAS e contra o DIRETOR DO PROCON, alegando que o prédio do autor está devidamente matriculado no cartório de imóveis e nele exerce sua atividade com autorização concedida pelo alvará nº 1109/99; que houve um aperfeiçoamento no sistema de segurança do estacionamento e, no exercício regular do seu direito, resolveu cobrar pelo estacionamento dos veículos que deles se utilizam; que para isso adquiriu equipamentos e outros meios necessários para melhoria do sistema, no valor de R$ 2.000.000,00, mas quando iniciou os testes para implantação da cobrança, as autoridades impetradas manifestaram sua desconformidade com a pretensão de recebimento e ameaçaram o impetrante com imposição de multa e até mesmo o fechamento de suas cancelas; que os impetrados alegam que a Lei Municipal 9546/97 veda a cobrança do estacionamento, mas essa lei foi alterada pela 9904/98, que permite a cobrança quando o estabelecimento tem seguro com cobertura de todos os veículos contra danos materiais, incêndio, roubo e furto; que no final de 2001 a Lei 9904/98 foi revogada, diante do que ficou em vigor somente a Lei 9546/97, a qual, sem nenhuma exceção, no seu art. 1o, veda a cobrança de estacionamento por parte dos shopping centers; que a lei em questão não depende de regulamentação e tem potencialidade efetiva de lesão ao direito do impetrante; que tem direito a essa cobrança porque o uso é concedido pelo proprietário; que opera os espaços de estacionamento, de maneira que é opção sua cobrar ou não, sem que tal liberdade possa ser impedida pela autoridade municipal; que é direito do proprietário usar, gozar e dispor de seus bens; que o contrato de depósito é gratuito, mas as partes podem estipular que ele seja remunerado; que mesmo a jurisprudência tem reconhecido que nos estacionamentos dos shoppings há com os clientes um verdadeiro contrato de depósito; que o art. 3o, da Lei 9546 prevê multa de até 1.000 UFIRs em caso de cobrança pelo estacionamento, o que impede o seu pleno exercício do domínio, caracterizando uma invasão municipal na competência da União, já que legislou sobre Direito Civil, sendo, portanto flagrante a sua inconstitucionalidade; que todos são iguais perante a lei e é lhe garantido o direito de propriedade pela Constituição; que a existência de estacionamento é condição para o fornecimento do alvará do shopping, mas isso não quer dizer que as vagas de estacionamento devam sempre ser cedidas gratuitamente; que os atos que os impetrados pretendem praticar são evidentemente ilegais e devem ser obstados; que o Município não pode impedir a cobrança pelo uso de bens particulares; que já foram concedidas medidas liminares para ações diretas de inconstitucionalidade em casos semelhantes a este; que não se trata de lei em tese, pois a norma municipal em questão tem efeitos concretos, de modo que pretendem a medida liminar para impedir a iminente autuação pela cobrança do uso de estacionamento; quer ainda a declaração incidental da inconstitucionalidade das leis mencionadas.

A medida liminar foi negada e a autoridade coatora prestou informações a partir de fls. 129, com a assistência litisconsorcial do município de Campinas, que a fls. 130 disse que os referidos diplomas legais tratam de limitação administrativa para proteção ao consumidor, matérias pelas quais o município tem competência para tratar de acordo com o art. 30 da Constituição Federal; que a lei não foi feita para ser aplicada ao impetrante, mas sim a todos estabelecimentos comerciais de serviços institucionais e industriais que oferecem vagas para estacionar no Município de Campinas, pois o surgimento desses estabelecimentos aumenta muito o tráfego em suas proximidades, o que faz com que a procura por vagas para estacionar seja enorme; que a imposição da gratuidade visa a impedir mais transtornos para o já complicadíssimo trânsito de Campinas, desafogando as vias ao redor do estacionamento; que as atividades desenvolvidas nos shoppings são de ofertas de bens e serviços e estão sujeitas, portanto, ao Código do Consumidor; que a cobrança do estacionamento é abusiva porque não há outra opção, já que as vias próximas não permitem que nela sejam estacionados os carros; que o estacionamento cobrado é na verdade uma venda casada porque impõe o uso desse serviço a quem pretende adquirir produtos dentro do estabelecimento; que a norma em questão não interfere no direito de propriedade, que por sinal não é absoluto; que cabe ao município tutelar os interesses públicos maiores, inclusive por meio do poder de polícia; que a responsabilidade civil pelos danos ocorridos no estacionamento não pode servir de fundamento para a cobrança pretendida.


O parecer do Ministério Público a fls. 136 é no sentido da denegação da segurança.

É o relatório.

A segurança deve ser concedida.

A propriedade do estacionamento em questão é do shopping center e, a princípio, cabe a ele definir se deve ou não cobrar por seu uso.

Não se nega que a cada dia tem sido maior o número de restrições ao direito de propriedade, particularmente para que esse direito se conforme com o uso social e o bem comum. Porém, não se pode proibir alguém de cobrar pelo uso por terceiras pessoas de algo que é seu.

O proprietário tem direito de usar, gozar, dispor e reivindicar o que é seu. O impetrante está dentro do seu direito ao cobrar pelo uso de suas vagas de estacionamento.

Art. 524 – A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

Entretanto, impor a gratuidade de um serviço que tem o seu custo é algo que não se pode admitir. O estacionamento é sempre cobrado pelas empresas que operam nesse seguimento e impor a gratuidade é algo que tangencia o confisco. Diria que a Lei 9546/97 contém uma desapropriação velada.

Como se sabe, o estacionamento não tem outra finalidade que não a utilização para que nele os carros parem. A proibição da cobrança pelo uso do estacionamento equivale, na prática, à sua desapropriação, ao menos em termos econômicos.

O valor de um imóvel é influenciado pela riqueza que ele pode produzir. Se um imóvel já está configurado como um estacionamento, como ocorre num shopping center, a proibição da cobrança pelo seu uso é sim uma desapropriação imprópria ou indireta, já que lhe retira a possibilidade de exploração econômica.

A proibição de cobrança é especialmente injusta no caso do impetrante, que para criar o estacionamento adquiriu uma área grande e hoje muito valorizada, como em geral são todas as que circundam os shopping centers. Uma aquisição de uma grande área assim demanda muitos recursos e paga um grande valor anual de IPTU.

Além disso, para a manutenção de um estacionamento do porte do que a impetrante fez, normalmente são necessários grandes investimentos em segurança, construções e pavimentações. A segurança cada vez se sofistica mais em termos tecnológicos e isso tem custo, inclusive de pessoal para operar o sistema. O impetrante oferece vagas de estacionamento para o consumidor, que naturalmente tem que pagar por esse serviço.

Os Municípios em geral cobram pelo uso de bens comuns do povo, como é o caso das ruas. Se os carros pagam estacionar na rua, como é caso da tão conhecida “zona azul”, com maior razão pode um particular cobrar pelo uso de área exclusivamente sua.

Não pode o município, como pretexto de proteger o consumidor, fazer uma lei para proibir a cobrança dos estacionamentos dos empreendimentos, pois isso acarreta um grande e injusto prejuízo ao impetrante.

O princípio da isonomia determina que todos são iguais e todos devem, da forma mais igualitária possível sofrer os ônus impostos pelo bem comum. Se o Município de Campinas acha que deve ser gratuito o estacionamento em questão para a proteção dos consumidores e a melhoria do trânsito, então que o Município arque, via indenização, com o custo desses benefícios.

Estaria o Município de Campinas disposto a pagar o custo do estacionamento de todas as pessoas que vão ao shopping Iguatemi? O dinheiro público sai dos cofres públicos, sai do bolso da população, direta ou indiretamente. Nessa hipótese, todos os munícipes, mesmo aqueles mais humildes que não têm carro, acabariam pagando por um serviço prestado apenas as pessoas de maior poder aquisitivo e que têm carro. Cabe ao Município dizer se quer isso ou não. O que não pode é impor aos empresários a gratuidade dos estacionamentos.

Hoje em dia até mesmo as áreas públicas, como as ruas, estão sendo monitoradas por câmaras e outros sistemas de segurança e tudo isso tem um custo, que normalmente é suportado pelos próprios beneficiários diretos desse tipo de serviço. No caso em questão, quem se beneficia do estacionamento é o usuário e deve pagar por isso. Penso, pois, que quem tem carro tem que arcar com as despesas decorrentes de sua utilização, como, por exemplo, estacionamento, pedágio, combustível, etc.

A Lei 9546/97 é puramente demagógica porque, com o pretexto de proteger o consumidor ou regulamentar o trânsito, na verdade procura fazer média com certa parcela da população, impondo uma gratuidade que naturalmente agrada aos consumidores, mas que é contrária ao direito de propriedade. O Município de Campinas não pode dar para um o que tira de outros.

Os transportes públicos em Campinas são cobrados, mesmo sendo muito mais essenciais do que os estacionamentos em shopping centers. Pergunto, por que o Município de Campinas, tão preocupado com o trânsito caótico e o bolso dos consumidores, não impede a cobrança das passagens dos ônibus? Menos carros circulariam nas ruas, haveria menos trânsito, menos poluição e milhões de reais ficariam nos bolsos das pessoas, especialmente as mais humildes, todos os meses. Que maravilha seria!


Nem a água é de graça, mesmo sendo um essencial sem o qual uma pessoa não vive mais que 3 dias. A luz não é de graça. O telefone não é de graça. Se nada disso for pago, o fornecimento é cortado. Por que o estacionamento dos carros nos estabelecimentos comerciais tem que ser gratuito?

A demagógica decisão de tornar gratuito os estacionamentos dos comércios em geral na verdade vai contra o declarado propósito da administração de desestimular o trânsito, pois com estacionamento gratuito é muito maior o número de pessoas que saem de casa com seu veículo em vez de preferir o transporte público.

É muito fácil determinar que os outros prestem serviços gratuitos, mas o próprio Município, pessoalmente ou através de permissionários, cobra por serviços análogos como a zona azul e mesmo o transporte público.

A administração chega a dizer que o estacionamento gratuito serviria até mesmo de incremento das vendas, mas não cabe ao Município se intrometer na estratégia de “marketing” dos empresários, ainda mais os de um shopping center, que sabe muito bem qual é a melhor hora de cobrar ou de tornar gratuito o estacionamento de seus clientes. A sempre saudável concorrência pode até fazer com surjam estacionamento nas cercanias dos shoppings por um preço mais convidativo, forçando os preços para baixo ou a gratuidade. Existe ainda a opção de a compra não ser feita num shopping center. Ninguém é obrigado a ir a um shopping para fazer suas compras e por isso não há venda casada. Em Campinas há um grande comércio de rua e que em muitos casos fornece estacionamento conveniado, muitas vezes gratuito.

O Município não é parte na relação que se forma entre o consumidor e o fornecedor do estacionamento e por isso não pode impor a gratuidade. É natural que um shopping tenha que ter estacionamento, assim como qualquer prédio de uma maneira geral deve ter vagas para os veículos que normalmente ele acaba estimulando circular naquela região. Em São Paulo não é permitido construir um prédio sem garagens, mas daí até o estacionamento ser forçosamente gratuito vai uma grande distância.

Nem na rua se pára de graça em certos casos, como é que se pode exigir que um shopping não cobre pelo estacionamento que propicia aos clientes. Por sinal o estacionamento do shopping tem muito mais controle, segurança e eficiência que as ruas onde existe a chamada “zona azul”.

A jurisprudência, mesmo nos casos de estacionamento gratuito, tem sistematicamente condenado os shoppings a pagar pelos veículos que são furtados ou danificados, o que mostra que neste caso fica bem caracterizado um contrato de depósito.

Pois bem, o contrato de depósito, quando não é profissional ou empresarial, costuma ser gratuito. É o que ocorre, por exemplo, quando eu deixo meu cão para ser cuidado na casa de um vizinho enquanto passo minhas férias no exterior. Porém, não há nenhum impedimento de que seja cobrado pelo depósito cobrado, nos termos do art. 1.265 do Código Civil.

Art. 1.265 – Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.

Parágrafo único – Este contrato é gratuito; mas as partes podem estipular que o depositário seja gratificado.

No início do século passado, em 1916, quando entrou em vigor o atual Código Civil, raramente alguém desenvolvia a atividade empresarial de guardas bens pertencentes a outras pessoas. Naquela época, por exemplo, não havia carros no Brasil, ao passo que hoje o excesso deles é um dos problemas das grandes cidades.

Sensível a tantas mudanças, o novo Código Civil, que entrará em vigor em menos de um ano, fez algumas alterações no direito atual. O art. 627 do Código novo é uma cópia do caput do art. 1.265 do velho.

Art. 627 – Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.

Porém, o parágrafo único do art. 1.265 desapareceu como tal e tornou-se um dispositivo autônomo com redação diferente, que é o novo art. 628.

Art. 628 – O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante da atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.

Parágrafo único – Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei, nem resultar de ajuste, será determinada pelos usos do lugar, e, na falta destes, por arbitramento.

É fácil ver que antes a cobrança do depósito era excepcional, mas perfeitamente possível, ainda que com o tímido nome de gratificação. A gratuidade persiste, mas há nada menos que três hipóteses em que a cobrança pode ser feita: convenção em contrário, atividade negocial e profissão do depositário.

É cristalino que o estacionamento do shopping, como o estacionamento de qualquer comércio, está ligado à atividade negocial principal. Porém, o que o direito agora prevê é a regra de que tal tipo de estacionamento seja cobrado.


O novo Código estabelece em seu art. 1.228, §1o, que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais. Qual a finalidade econômica de um estacionamento? Permitir que os carros estacionem com segurança e comodidade. E segurança e comodidade não têm preço? Claro que sim.

O shopping é responsável pelos carros deixados em seu estacionamento. A matéria já foi até mesmo sumulada pelo STJ, cuja súmula 130 diz: “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento”. Essa responsabilidade independe de ser o estacionamento gratuito ou cobrado, conforme as regras que tratam do contrato de depósito.

Mesmo que essa responsabilidade não existisse, a ninguém é dado o direito de entrar em propriedade particular. Se o dono permitir o ingresso gratuito, tudo bem. Mas se o dono quiser cobrar pelo ingresso, é um direito seu.

Até mesmo os hospitais terceirizaram ou exploram os seus estacionamentos. Isso é venda casada? Não. Isso é explorar o consumidor? Não. Por que o hospital pode cobrar e o shopping não?

O direito de propriedade não é absoluto. Aliás, nenhum direito é absoluto. Porém, o que o Município de Campinas fez foi praticamente aniquilar com o direito de propriedade dos empresários sobre os estacionamentos anexos a outros empreendimentos, ao proibir a cobrança pelo uso.

Nem se diga que a Lei de Campinas foi editada para uso de seu poder de polícia. Ora, o shopping ou um estacionamento já tem licença de uso e para isso paga a taxa de funcionamento, que é renovada todos os anos. A cobrança ou a gratuidade do uso não tem qualquer relação com o poder de polícia, que é uma fiscalização municipal inibidora de atividades contrárias aos interesses públicos. Não é o que ocorre neste caso.

Se o estabelecimento, por uma estratégia de marketing, decide fornecer estacionamento gratuito, isto é uma liberalidade sua, é um problema seu, mas que jamais poderia ser imposta pelo Município, que neste ponto estaria legislando sobre direito civil, competência que é privativa da União, nos termos do art. 22 da Constituição Federal.

Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

É fácil perceber que as Leis Municipais mencionadas na petição inicial são, materialmente, inconstitucionais, pois não cabe ao Município, nem mesmo com a melhor das intenções, invadir competência privativa da União e legislar sobre direito civil, no caso, para impedir que os estabelecimentos comerciais cobrem pelo depósito dos veículos de seus clientes.

Se um estabelecimento comercial quer oferecer estacionamento gratuito como um diferencial para atrair a concorrência, isso é um direito que ele tem. Porém, se preferir cobrar pelo estacionamento é também um direito que ele tem e que não pode de forma alguma ser proibido por lei municipal.

No caso de Campinas, nem sequer o estacionamento do shopping precisa ser próprio, como bem salientou o curador, podendo ser conveniado com algum estacionamento próximo. Pois bem, quando há convênio normalmente há onerosidade, já que os estacionamentos profissionais vivem da cobrança que fazem. Essa onerosidade pode ser cobrada do shopping ou dos próprios clientes, de maneira que não há na lógica e no direito razão nenhuma para se impor o fornecimento de vagas gratuitas.

Com a Lei 11.112/01 revogou a Lei 9904/98, que tinha alterado parte da Lei 9546/97, que proíbe a cobrança, esta Lei teve a sua vigência plenamente restaurada. Porém, o seu conteúdo, como acima já explicado, é inconstitucional.

Naturalmente que as leis de 2001 e de 1997 protegem o consumidor, mas nem tudo que protege o consumidor pode ser feito pelo Município. Se assim não fosse, poderia uma lei municipal dizer que a gasolina em Campinas custa apenas R$ 0,50 o litro; que o leite não pode ser vendido a mais que R$ 0,50 o litro; que em Campinas a carne de primeira deve ser vendida pelo preço da carne de segunda e assim sucessivamente. Nem tudo pode ser feito em nome da proteção do consumidor.

A limitação administrativa ela é normalmente geral, gratuita, bilateral e de ordem pública, mas não é possível, a seu pretexto, impor a uma determinada categoria de munícipes, no caso o empresariado, que arque com os custos de um serviço prestado aos seus próprios consumidores: o estacionamento dos carros dos clientes.

Não é correto dizer que só pode ser feita a cobrança, se for prestado um serviço diferenciado com manobristas e seguro, pois inúmeros são os estacionamentos que não têm manobristas. O consumidor entra, pára o carro, o tranca e vai embora. Mesmo assim, há cobrança pelo uso das vagas. Podemos ver nisso também uma espécie de locação de espaço, que também é um contrato regulado pelo direito civil.


Na verdade, o estacionamento do shopping era considerado uma atividade marginal, já que a sua atividade final era a comercialização de bens e de serviços. A necessidade de segurança decorrente do aumento da violência urbana e o grande aumento do número de veículos, principalmente depois da criação dos chamados carros populares, além da liberação das importações de veículos, fizeram com que houvesse um aumento pela procura dos shoppings, que começaram a ver nos estacionamentos uma oportunidade de ganhar dinheiro, como fazem os estacionamentos profissionais que não estão ligados a shopping nenhum. O mesmo foi percebido pelos Bancos, como Bradesco e Itaú, que entregaram a exploração de seus estacionamentos a terceiros.

Os shoppings fizeram investimentos para profissionalização e maior eficiência daquele antigo serviço marginal e de cortesia. Naturalmente, querem agora um merecido retorno, cobrando pelo serviço, o que é perfeitamente possível. O estacionamento hoje passou a ser, na prática, uma loja mais do shopping, uma atividade que ele desenvolve com o lícito fim de lucro.

Que ninguém nos ouça, mas na verdade, os shoppings são locais privados e, em tese, podem cobrar até mesmo pelo ingresso de pedestres. Hoje em dia já são feitas feiras de filhotes em shoppings e é cobrado um ingresso. Alguns bares ou estabelecimentos similares cobram consumação ou entrada. Há feiras de automóveis usados, há exposições como a UD, a Fenasoft, o Salão do Automóvel e outros e todos cobram ingressos. Em alguns dias, o público em geral nem sequer é admitido a entrar, nem mesmo pagando, já que são reservados para certo tipo de público. Qual seria a ilegalidade dessas cobranças?

Como disse, os bancos também passaram a perceber uma oportunidade de mercado, já que inicialmente tinham estacionamentos para atrair a clientela e concorrer uns com os outros. Esses estacionamentos, geralmente amplos e em áreas muito valorizadas, tornaram-se atrativos para empresas terceirizadas que utilizam o espaço tanto para o cliente do banco quanto para o não cliente. Essa cobrança já vem sendo feita há bastante tempo. O que há de errado nisso? As pessoas não podem ir ao Banco sem ser de carro? As pessoas não podem ir ao shopping sem ser de carro? Existe aí alguma venda casada, proibida pelo Código de Defesa do Consumidor? Claro que não. O que há nessas leis é demagogia e inconstitucionalidade. O objeto de minha preocupação é apenas o último, pois o primeiro pertence ao campo político e à conveniência administrativa. Diria que o Município de Campinas até pode fazer demagogia ou “caridade com o chapéu alheio”, mas jamais deixar de respeitar o direito e a Constituição.

O estacionamento de um carro num shopping também permite que a pessoa lá o deixe e se locomova para outro lugar de seu interesse. Há shoppings na capital de São Paulo bem ao lado de estações do metrô.

Seria então conveniente para quem quer pegar o metrô deixar o carro no estacionamento gratuito do shopping, entrar na estação e largar o carro lá o dia inteiro, livre de acidentes, furtos e multas. Que Maravilha seria para o consumidor!

Em Campinas também não há nenhuma proibição de que a pessoa estacione seu carro no shopping e dele se ausente para cuidar de seus interesses. O shopping nesse caso fica somente com os ônus e sem qualquer bônus, já que a responsabilidade do estacionamento de um shopping center é muito rigorosa, tanto que ela existe até mesmo quando o estacionamento é gratuito.

Uma lei feita pelo Congresso Nacional poderia, em tese, proibir essa cobrança, mas jamais uma lei municipal.

O argumento sustentado pelo curador a fls. 146 é bastante inteligente, pois salienta que o próprio Município já cobra pelo uso de bens públicos, como o estacionamento do centro de convivência e do cemitério da saudade, sem que forneça manobrista ou seguro.

Pergunta ainda o curador se deixaria de ter peso o problema urbanístico ou relacionado ao trânsito, se o shopping providenciasse manobristas para todas as vagas. De fato, cabe perguntar: se o shopping Iguatemi providenciasse manobrista para todas as vagas, aí então ele poderia cobrar pelo estacionamento? Mas isso não acarretaria prejuízo para o sistema viário de Campinas?

A autoridade coatora desenvolveu um raciocínio insensato, pois leva à conclusão de que, se tiver manobristas, o estacionamento pode ser cobrado e não mais atrapalha o trânsito de Campinas. Porém, se não tiver manobristas, aí não pode cobrar porque o trânsito viário será prejudicado. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e serve para mostrar a realidade: o Município apresentou falsas razões para fazer uma lei sobre algo que não era de sua competência.

A competência para legislar no caso presente é da União. Não é do Município, de maneira que concedo a segurança requerida pelo CONDOMÍNIO CIVIL DO SHOPPING CENTER IGUATEMI CAMPINAS contra o SECRETÁRIO MUNICIPAL DA SECRETARIA DE OBRAS, SERVIÇOS PÚBLICOS E PROJETOS DE CAMPINAS e contra o DIRETOR DO PROCON, a fim de que as autoridades coatoras fiquem impedidas de realizar qualquer tipo de ato que tendente a punir a impetrante, pelo fato de esta cobrar pelo uso de seu estacionamento.

P.R.I.

Campinas, 22 de maio de 2002.

JOSÉ LUIZ GERMANO

JUIZ DE DIREITO

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!