Via crucis

Substitutivo sobre limite para danos morais tem equívoco

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4 de junho de 2002, 10h52

Vários aspectos problemáticos se apresentam, quando se manifesta qualquer posicionamento doutrinário relativo ao dano moral no Brasil. Dentre eles destacamos um que é a autêntica “via crucis”, tanto para o julgador, como para as partes. Trata-se do dilema do “quantun” a ser considerado como elemento reparador do dano sofrido.

Dissemos “via crucis” porque esse particular se manifesta desde o início da tramitação processual, por conta de uma prática comum no Judiciário – imposta, dentre outros fatores, pelo grande número de processos – , que é a leitura rápida, feita pelos magistrados, quando recebem as petições iniciais. Em muitos casos, mesmo não havendo verossimilhança entre a alegação, o suporte legal, as provas e o pleito – geralmente quantificado -, é determinada a angularização processual com a citação para que a parte ré integre a lide.

A problemática que engloba o ilícito do dano moral e sua reparação, está no aspecto de delimitação formal e concreta do que seja esse “dano moral“. O mesmo se constitui, quais são seus limites e como pode haver uma confiável delimitação de que aquele elemento moral humano foi efetivamente lesado, de forma a impor-se algum tipo de reparação.

Mesmo em sendo tutelado o aspecto subjetivo do indivíduo, relativamente ao dano moral, não é qualquer tipo/forma de lesão a esse direito que fará surgir um dano que possa ser recuperado pela indenização, notadamente a indenização pecuniária.

O ato de quantificar algo, segundo consta do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed., 18ª impressão, Ed. Nova Fronteira, é: ” Determinar a quantidade ou o valor de; avaliar com rigor“. Donde se conclui ser essa prática, algo de extrema responsabilidade e consciência, notadamente no aspecto técnico. No caso das indenizações por dano moral, estar-se-á valorando uma possível “dor do espírito” em moeda corrente.

Cremos que o problema não é com a possibilidade de acionamento da atividade jurisdicional para reparação do dano moral sob forma pecuniária.

Muito pelo contrário, cremos ser essa possibilidade é uma espécie de direito/faculdade presente no ordenamento jurídico pátrio. Contudo, tem-se visto casos flagrantes de locupletamento ilícito sob o manto de uma possível indenização por dano moral, sem que haja a prova desse dano.

Vemos que está havendo uma prática espúria de buscar-se reparação por dano moral em somatória com dano material, sendo que aquele, ou inexiste ou é de difícil comprovação.

Quando uma loja envia, indevidamente, o nome de uma pessoa para o SPC/SERASA; quando uma prestadora de serviços cobra o que já foi pago, cobra a mais do que deve ser pago ou impõe cláusula abusiva em seu contrato de adesão cremos que, na maioria das vezes, o que se tem é um efetivo dano material. Este pode decorrer de um dano moral, mas isso não é regra ou necessariamente deve acontecer.

Se há o dano material, deve-se buscar a reparação deste com ônus reparatório pecuniário condizente com o dano. Porém, valer-se de uma situação como aquelas descritas para obter-se vantagem pecuniária indevida, às vezes na casa do milhão de reais, é um absurdo. Deve ser totalmente rechaçada e coibida pelo Judiciário.

E, como tais processos requerem a atuação de um advogado, há que ser verificada a participação intencional do referido profissional no tocante à propositura da medida. Também deve ser verificado o seu valor, pois valores absurdos muitas vezes são pleiteados. Estes advém mais do interesse do causídico – por conta dos seus honorários de sucumbência e contratação -, do que realmente do desejo de reparação da parte autora da ação. A parte acaba sendo usada, muitas vezes sem se aperceber disso.

Quantificação do dano

Há que ser considerado que o dano deve ser certo quanto à sua existência. A lesão tem de ser real. Meras conjecturas e ilações afastam esse tipo de certeza. Deve também o dano ser atual. Aquela lesão deve existir ou já ter tido existência concreta. Deve também o dano ser subsistente. A ressarcibilidade somente coaduna-se e justifica-se pela subsistência do efeito danoso, para que se imponha o dever de indenização.

Os aspectos acima elencados devem ser muito bem considerados nos autos do processo. Com pouca ou nenhuma prova, valendo-se apenas da presunção do dano têm sido expedidas sentenças condenatórias que podem ir de um valor mísero e ineficaz para dar um apaziguamento do sofrimento pelo dano, a valores astronomicamente elevados que pendem mais para o enriquecimento sem causa da parte e do advogado.

Cumpre ser destacado o fator de que, na realidade prática dos Judiciários brasileiros, os prolatores das sentenças sequer se preocupam em fundamentar o parâmetro utilizado para fixar o “quantun” indenizatório. Se vê um uso excessivo da subjetividade do julgador. Mesmo sem intenção, ele acaba por estabelecer parâmetros pouco confiáveis para processos muitas vezes semelhantes, mas que têm decisões díspares.

Conceder uma indenização por dano moral, no patamar de R$ 5,7 milhões para um juiz, ou decretar uma pessoa jurídica merece perceber R$ 18 milhões por danos morais, ou que uma “estrela global” deve ser indenizada em R$ 2 milhões por conta de uma noticiosa supostamente falha ou mentirosa é a instituição de uma “indústria de indenizações”, pelos valores que envolvem os processos.

Que tipo de dano moral, que forma de dor subjetiva na consciência ou na psique humana, seria de tal monta a justificar uma indenização superior a R$ 1 milhão? E, no caso de uma pessoa jurídica, qual a amplitude do abalo moral ensejadora de uma indenização de mais de R$ 10 milhões?

Cumpre ser destacado, novamente, que estamos falando de dano moral e não de dano material com possíveis repercussões no âmbito moral.

São situações totalmente diversas quando se busca o ressarcimento por um dano que atinja a psique, a alma ou a consciência humanas, ou mesmo uma qualidade inerente à pessoa jurídica, impondo uma possível recomposição daquele patrimônio imaterial, ou quando se busca a reparação de um dano material, como pela cobrança indevida de uma dívida já paga, ou por uma inscrição indevida em órgãos de proteção do crédito, por algo inexistente ou de pequena monta.

Cremos que a quantificação, relativamente ao dano moral, deve ser muita bem especificada, sopesada, justificada. Assim evita-se a prática de sentenças inócuas em alguns casos, por conta do valor irrisório, ou claramente escorchantes, por conta de valor excessivamente alto.

Mas como se traçar um parâmetro de quantificação, mas de uma forma tal que não descaraterize o poder-dever do julgador? Certamente essa é a pergunta que muitos se fazem.

Difícil, mas não impossível uma resposta, que passa por algum tipo de regulamentação infraconstitucional quanto a esse direito. Caberia ao Legislativo, com o apoio da experiência vivida pelo Judiciário, confeccionar uma norma legal que especificasse ao máximo como e em quais condições aquele dano moral seria ressarcível por indenização. Além disso, deveriam ser fixados os parâmetros para cada tipo de dano especificado, pelo menos em nível de piso do “quantum”.

Foi noticiada, recentemente, a aprovação, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do substitutivo ao projeto de lei do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). O autor é o senador Pedro Simon (PMDB-RS). O substitutivo limita os valores para danos morais de acordo com a gravidade da ofensa. Os patamares mínimo e máximo propostos, respectivamente, são de R$ 20 mil e R$ 180 mil.

Louvável a iniciativa de ambos os senadores, no cumprimento do seu mister. Contudo, nos termos anteriormente articulados, evidencia-se um flagrante equívoco no contexto do projeto e do próprio substitutivo. Para uma contenda envolvendo danos morais entre pessoas físicas, até que se poderia ter como adequadas aquelas limitações. O mesmo não pode ser dito se a mesma contenda for entre duas pessoas jurídicas ou entre uma pessoa física e uma pessoa jurídica.

Dessa forma, cremos que seria no mínimo salutar e sensato, ampliar-se o debate em torno do projeto de lei e do substitutivo já existentes, envolvendo prioritariamente aqueles que atuam com essa possível realidade – advogados, promotores, e juizes, de forma a se construir um texto legal que possa ter uma resistência maior à realidade dos fatos que procurará regulamentar.

Poder-se-ia, por exemplo, estabelecer no texto legal situações agravantes e atenuantes. Em sendo constatada, permitiriam ao julgador manter aquela fixação no seu valor mínimo ou ampliar o dito valor da forma como sua convicção se formasse, mas sempre respeitando os ditames da lei e da moral.

Esse tema, como vários outros na seara jurídica brasileira, impõe uma ampla discussão, o confronto das mais variadas idéias. É importante a busca de soluções que tenha praticidade e aplicabilidade, pois de nada vale um direito ou uma faculdade, se isso não pode ser materializado, de forma rápida e eficaz.

Cremos ser oportuno um debate de idéias específicas sobre esse ponto, ora levantado, envolvendo toda a classe jurídica e política – no âmbito legislativo -, com ampla participação da sociedade, pois todos são parte interessada nesse contexto.

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