Dever do Estado

Juiz manda INSS pagar benefício para idosa doente

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30 de julho de 2002, 18h49

O juiz federal substituto da 2ª Vara Federal de Campinas, Fernando Moreira Gonçalves, mandou o INSS pagar um salário mínimo mensalmente para a idosa Juvencina Vargas. O INSS tem 30 dias para começar a pagar o benefício. Caso contrário, o funcionário responsável pela demora pagará multa diária de R$ 100,00. A decisão foi baseada no artigo 203, V, da Constituição.

O INSS se recusava a conceder o benefício, alegando que a idosa já recebe pensão alimentícia do ex-marido no valor de R$ 280,00. A União argumenta que não haveria recursos suficientes para pagar igual benefício a outras pessoas na mesma situação.

Para ter direito ao benefício, a lei estabelece que a renda familiar per capita do beneficiário não pode ser maior que um quarto do salário-mínimo (lei nº 8.743/93, artigo 20, parágrafo 3º). O juiz entendeu que a autora, pessoa idosa e doente, que necessita de cuidados especiais, preenche os requisitos para receber benefício.

Leia a decisão:

2ª Vara Federal – Campinas

Ação Ordinária

Processo n.º 97.0616098-1

Autora: Juvencina Vargas

Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

RELATÓRIO

JUVENCINA VARGAS, brasileira, separada judicialmente, nascida em 05 de dezembro de 1924, portadora do CPF nº xxxx, residente e domiciliada na Rua xxxx nº xxxx, Jardim Bela Vista, Valinhos, S.P., propõe através de seus advogados a presente Ação Ordinária para Concessão do Benefício da Assistência Social, com pedido de antecipação da tutela, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS.

A autora, em síntese, afirma que não tem condições de prover a sua própria subsistência, devido à sua idade avançada, fazendo jus, por isso, ao benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República. Esclarece que reside atualmente sozinha, em uma casa de fundos alugada, contando apenas com a pequena pensão de seu ex-marido, para o pagamento de todas as suas despesas. Por esse motivo, presentes os pressupostos constitucionais, a autora requer a condenação dos réus ao pagamento do benefício assistencial, no valor de um salário-mínimo. O pedido de tutela antecipada foi indeferido a fls. 18.

O INSS contestou o pedido formulado pela autora, argüindo em preliminar a necessidade de a União Federal integrar a lide, na condição de litisconsorte passivo necessário, bem como a carência da ação, por ausência de interesse processual. No mérito, propugna pela improcedência da ação.

Em audiência realizada no dia 03 de fevereiro de 1998, este juízo determinou que a União Federal fosse citada para integrar o pólo passivo da lide. Regularmente citada, a União contestou o feito, alegando inexistência do direito subjetivo, bem como a ilegalidade e inconstitucionalidade da pretensão.

Encerrada a instrução, após nova manifestação das partes e apresentação de parecer pelo Ministério Público Federal, os autos vieram conclusos para sentença.

É o relatório.

Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Preliminares

O INSS, em sua contestação de fls. 22/33, argüiu as preliminares a seguir expostas e analisadas.

Litisconsórcio passivo necessário da União

Apreciação dessa preliminar, argüida pelo INSS, restou superada em face da decisão proferida em audiência, a fls. 49, determinando a citação da União Federal, para integrar a lide na condição de litisconsorte passivo necessário, conforme entendimento jurisprudencial consolidado pela Súmula nº 61, do egrégio TRF da 4ª Região, in verbis:

“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8742/93, não sendo o caso de delegação de jurisdição federal.”

Carência da ação

A preliminar de carência da ação, por falta de interesse de agir, argüida pelo INSS a fls. 24, também merece ser rejeitada Com efeito, a própria resistência da autarquia-ré à pretensão da autora bem demonstra a existência do interesse de agir, sendo desnecessário percorrer-se a via administrativa para o ingresso em juízo, conforme estabelece a Súmula n.º 09, do egrégio Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, nos seguintes termos:

“Em matéria previdenciária, torna-se desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa, como condição de ajuizamento da ação”.

A União Federal, por sua vez, em sua contestação de fls. 57/61, afirma que a procedência do pedido formulado pela autora implicaria realização de despesas, que não podem ser realizadas por ausência de previsão orçamentária.

Conforme afirma o Ministério Público Federal, em sua bem elaborada manifestação de fls. 144/181, a levar-se a efeito a tese defendida pela União nesta ação, teríamos que nenhum benefício previdenciário ou assistencial poderia ser pago no mesmo ano da sua concessão, por ausência de previsão orçamentária.


Essa afirmação esconde um verdadeiro sofisma, pois não existe nada mais previsível para a União e para o INSS do que a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais durante a execução do orçamento em curso, motivo pelo qual a preliminar não pode ser acolhida.

As demais matérias alegadas pela União, quais sejam, a inexistência do direito, ilegalidade da pretensão, e afronta da Constituição, referem-se ao mérito da ação e como tal serão analisadas.

Mérito

No mérito, o INSS afirma que a autora não faz jus ao benefício assistencial em razão de possuir renda mensal (decorrente da pensão alimentícia paga por seu ex-marido) em valor superior ao limite estabelecido pela Lei n.º 8.743/93, em seu artigo 20, parágrafo 3.º, para o recebimento do benefício pleiteado nesta ação.

Essa mesma tese, em síntese, é defendida pela União, que conclui sua contestação, a fls. 60, afirmando: “…não satisfazendo (a autora) as exigências, condições e pressupostos legais, a ação formalizada na espécie resulta afrontando não só a lei, mas também, a própria Constituição Federal.”

A autora, por sua vez, apresentou, juntamente com a petição inicial, documentos de identidade que comprovam sua data de nascimento, sendo certo que completará 78 (setenta e oito) anos de idade, no próximo dia 05 de dezembro de 2002. Além disso, no decorrer da instrução processual, a autora juntou os documentos de fls. 72/76, comprovando que se encontra acometida de grave enfermidade e presa a cadeira de rodas.

A autora também juntou aos autos os documentos de fls. 88/94, que comprovam a realização de gastos com moradia. Assim, não resta dúvida de que a autora é pessoa idosa, enferma e que não possui condições de prover a sua própria subsistência, ressaltando que a pensão alimentícia paga por seu ex-marido, no valor de duzentos e oitenta reais, é manifestamente insuficiente para a sua sobrevivência, em razão dos cuidados que seu estado requer, motivo pelo qual pede nesta ação judicial a concessão do benefício assistencial.

Nesse ponto, é necessário ressaltar que o benefício pleiteado pela autora não possui natureza de um favor do Estado, mas sim de direito fundamental, decorrente da proteção à dignidade da pessoa humana, erigida como fundamento da República Federativa do Brasil, pelo artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal.

Não se pode aceitar que a expressão: “conforme dispuser a lei”, contida na parte final do inciso V, do artigo 203, signifique de qualquer modo atribuição de discricionariedade ao legislador para restringir a fruição de direito fundamental, excluindo do rol de beneficiários pessoas idosas que comprovem a incapacidade de prover a própria subsistência.

Admitir-se o contrário, ou seja, que o legislador possui competência ilimitada no que se refere à concretização da Constituição, equivaleria a transformá-lo no senhor desta, o que não é próprio de sociedade que tem a Constituição como suprema.

Nenhum óbice existe à pretensão da autora, de comprovar em juízo que preenche os requisitos constitucionais para a obtenção do benefício, pois o devido processo legal, em seu sentido substancial, existe justamente para a efetivação de direitos constitucionais, e atinge plenamente sua finalidade quando, como no presente caso, utilizado em prol da parcela mais carente da população.

Nesse sentido, reconhecendo que o critério estabelecido no artigo 20, § 3.º, da Lei n.º 8.742/93 não impede a realização de prova em juízo da situação indigência familiar, o egrégio Tribunal Regional Federal da 3.ª Região decidiu:

“EMENTA

ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PROVA PERICIAL INDEFERIDA. AGRAVO RETIDO. SENTENÇA ANULADA.

1.- Não está adstrito o juiz à regra do art. 20, § 3º da L. 8.742/93 para aferir indigência familiar, podendo valer-se de outros critérios para essa finalidade. Precedentes do STJ.

2.- Em tais circunstâncias, cerceia o direito da parte o indeferimento da prova pericial sobre a incapacidade para a vida independente e o trabalho que pode justificar cuidados especiais e permanentes para a pessoa portadora de deficiência e levar, em consequência, ao afastamento do limite previsto na lei.

3.- Agravo retido conhecido e provido para anular a sentença recorrida.”

(5.ª Turma – Apelação Cível n.º 1999.03.99.038715-4 – julgado em 04/02/2002 – rel. Castro Guerra – v.u.)

Nem mesmo a decisão proferida pelo excelso STF, no julgamento da ADIn n.º 1.232-1, em nada contraria o entendimento ora esposado. Nesse sentido, o eminente Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, que muito tem se destacado no cenário jurídico nacional por seu brilho intelectual, ao comentar esse julgado afirmou:

“O julgado foi, aparentemente, movido pelo receio explicitado quando do indeferimento da liminar de que a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado levaria ao agravamento do estado de inconstitucionalidade, tendo o STF por pressuposto que o art. 203, V, da CF/88 não teria aplicabilidade imediata, demandando regulação legislativa, cf. ementa a seguir parcialmente transcrita:

“… A concessão da liminar, suspendendo a disposição legal impugnada, faria com que a norma constitucional voltasse a ter eficácia contida, a qual, por isto, ficaria novamente dependente de regulamentação legal para ser aplicada, privando a Administração de conceder novos benefícios até o julgamento final da ação.” (DJU de 26/05/95.)” (“Benefício da Assistência Social como Direito Fundamental”, publicado no Boletim da Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR, edição n.º 39, de julho de 2001)


Assim, é importante ressaltar, não há notícia de que o excelso STF jamais tenha afirmado ser incabível a concessão do benefício a quem comprove em juízo situação de necessidade e idade avançada, como no presente caso fez a autora, mas apenas, no julgamento acima exposto, agindo com a prudência e sabedoria que são peculiares aos seus julgamentos, deixou de suspender a eficácia da norma impugnada, pelos efeitos nefastos que tal decisão poderia produzir aos próprios necessitados do benefício.

Sobre o receio de ausência de recursos para pagamento do benefício, manifestado pela União a fls. 61, o Juiz Sérgio Fernando Moro conclui o artigo acima citado com a seguinte afirmação:

“É certo que a concretização desse direito, na forma ora defendida, tem um custo, afetando os sempre escassos recursos públicos.

Não obstante, trata-se aqui de definir prioridades. A questão que se coloca é se estamos dispostos a pagar o preço para concretização de direitos fundamentais titularizados por minoria vulnerável e, assim agindo, dar aos componentes de tal grupo condições para a real participação da vida da comunidade, inclusive no processo político democrático. Respostas diferenciadas são cabíveis dependendo da ideologia do questionado. A Constituição e o compromisso com a democracia admitem, porém, apenas uma.”

Por esses motivos, o pedido formulado pela autora procede.

Efetivação da tutela jurisdicional

O pedido de antecipação da tutela jurisdicional formulado pela autora foi indeferido no curso do processo. Neste momento processual, no entanto, delineiam-se de forma cristalina os requisitos previstos no artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, pois há nos autos prova da hipossuficiência econômica da autora e fundado receio de que ela não sobreviva ao esgotamento das vias recursais.

Nada obsta que a antecipação da tutela seja concedida a qualquer momento, inclusive na sentença, para permitir a execução provisória do julgado, sem prejuízo da tramitação dos recursos voluntários ou de ofício. Nesse sentido, a lição de José Roberto dos Santos Bedaque, citada por Cássio Scarpinella Bueno: “Também não impede, evidentemente, que tal (a concessão da tutela antecipada) ocorra na própria sentença, proferida quer em sede de julgamento antecipado, quer após a audiência.” (Execução provisória e antecipação da tutela: dinâmica do efeito suspensivo da apelação e da execução provisória: conserto para a efetividade do processo” Editora Saraiva, São Paulo, 1999)

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial de fls. 02/05, para condenar a União e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a pagar à autora o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República, no valor de 01 (um) salário mínimo mensal, benefício esse que é devido desde a citação da União. Em conseqüência, extingo o processo com julgamento do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

Presentes de forma cristalina os pressupostos legais, CONCEDO a ANTECIPAÇÃO DE TUTELA requerida pela autora, para viabilizar a execução provisória desta sentença, e determinar a imediata implementação do benefício ora concedido, ficando os valores em atraso para serem pagos em execução definitiva, após o trânsito em julgado da sentença.

Os valores em atraso deverão ser corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês.

Expeça-se ofício ao INSS, para a imediata implementação do benefício, que deverá ocorrer no prazo máximo de 30 (trinta) dias a partir do recebimento do ofício, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), a ser paga pessoalmente pelo responsável pela demora.

Condeno, ainda, os réus no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, a serem divididos na proporção de metade para cada um.

Decorrido o prazo para a interposição de recurso voluntário, encaminhem-se os autos ao egrégio Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, para re-exame necessário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Campinas,

FERNANDO MOREIRA GONÇALVES

JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO

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