Rigor penal

Presidente do STF defende responsabilidade penal a partir dos 16

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29 de julho de 2002, 14h33

Se, aos 16 anos, o brasileiro já tem discernimento suficiente para escolher o presidente do país, isso significa que o ordenamento jurídico já o reconhece como responsável pelos seus atos. Com esse raciocínio, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, defendeu no domingo (28/7), a redução da maioridade penal para 16 anos de idade.

A entrevista foi dada aos jornalistas Fernando Mitre, Roberto Cabrini e Márcia Peltier, apresentadora do programa Canal Livre da TV Bandeirantes.

“Não consigo conciliar, no campo da razoabilidade, que o cidadão, com a mesma idade, seja considerado maduro para um direito e imune a uma obrigação”, afirmou o ministro.

Marco Aurélio, contudo, repeliu a hipótese de elevar a pena máxima de privação da liberdade, hoje fixada em 30 anos. “Se um dia de prisão já é muito, principalmente levando em conta as nossas prisões, 30 anos pode ser considerado uma eternidade”, afirmou.

Aos ataques feitos contra sentenças polêmicas da magistratura, o ministro enfatizou que os juízes decidem de acordo com a lei e com os autos. “O juiz age dentro de limites. Ainda que a opinião pública considere uma pessoa culpada, caso as provas dessa culpa não estejam espelhadas na denúncia, não há condenação possível”, afirmou.

O presidente do STF corrigiu a declaração que lhe foi atribuída, a respeito das duas férias anuais dos magistrados e do Ministério Público. “O que afirmei é que não acho razoável haver férias coletivas. Defendi que elas sejam individualizadas, como ocorre com os demais trabalhadores”.

Ainda na matéria penal, o ministro criticou a intenção de se revistar advogados, para poderem se avistar com clientes presos; manifestou-se contrário ao instituto da prisão especial para quem fez curso superior; e admitiu que o réu pobre tem mais chances de ser condenado que o rico. Mas imputou a responsabilidade por esse desvio ao Poder Executivo, que não cumpre as obrigações que lhe são impostas pela Constituição.

Sobre as decisões judiciais que têm vedado, previamente, notícias a respeito de determinados assuntos ou pessoas — como no caso do TRT paulista e do ex-senador Luiz Estevão contra a TV Record — Marco Aurélio afirmou com todas as letras que as medidas colidem com a Constituição, que não admite a censura prévia.

Leia a entrevista:

Márcia Peltier: O Canal Livre deste domingo recebe o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello. O magistrado que atualmente ocupa o posto mais alto do Judiciário brasileiro tem um grande desafio pelo frente – ajudar o país a modernizar o processo judicial, que precisa se adequar à nova realidade brasileira e à nova ordem mundial que vem por aí.

Compondo a mesa de entrevistadores estão os jornalistas Fernando Mitre, Roberto Cabrini e o repórter Fábio Pannuzio, de Brasília.

O Canal Livre é apresentado ao vivo da Central de Jornalismo da Band. Vamos começar conhecendo um pouco mais sobre o entrevistado desta noite:

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello é carioca, casado e tem 4 filhos. Em 1973 formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde também fez mestrado. É professor do Departamento de Direito da Universidade de Brasília e docente do curso de pós-graduação do Centro Universitário de Brasília. Depois de um período no Ministério Público, tornou-se juiz do Tribunal Regional do Trabalho em 1978 e, três anos depois, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, cargo que ocupou a ter ser nomeado ministro do STF pelo presidente Fernando Collor, em 1990. Em maio do ano passado, assumiu a presidência do STF. Em pouco mais de um ano ocupando o posto mais alto da magistratura brasileira, assumiu interinamente a Presidência da República em três ocasiões. A última vez foi essa semana, durante a viagem do presidente Fernando Henrique ao Equador.

Defensor de mudanças no Judiciário, sua mais nova bandeira é a redução do período de recesso da Justiça. Marco Aurélio Mello considera um privilégio absurdo os juízes gozarem de dois meses de férias por ano. Por isso, promete lutar para que o magistrado tenha apenas 30 dias de férias como todos os trabalhadores do país.

CANAL LIVRE – Boa noite, ministro.

Ministro Marco Aurélio Mello – Boa noite, Márcia.

Ministro, a grande queixa no Brasil é que a Justiça é lenta e, sendo lenta, injusta. Por que a Justiça no Brasil é tão lenta? A culpa está nos juízes? É a máquina administrativa que não funciona?

Eu costumo dizer que ainda estamos no rescaldo dos incêndios provocados pelos diversos planos econômicos. Planos econômicos que atropelaram direito adquirido, situações jurídicas perfeitas, acabadas, e o brasileiro, embora a Justiça seja lenta, só acredita na solução emanada do juiz. Agora, precisamos de um tempo para liquidar essas ações – ações que não estão sendo substituídas no mesmo diapasão. Nós chegaremos ainda, e eu espero viver esses dias, a ter a sentença prolatada em um espaço de tempo razoável.


Mas, ministro, do ponto de vista mecânico do funcionamento da Justiça, não têm sido tomadas providências para acelerar mais o processo?

Estão sendo tomadas providencias no campo processual, no campo dos códigos. Nós estamos numa caminhada de aperfeiçoamento constante e essas providências às vezes tardam um pouco, mas acabam vindo. Agora, é claro que nós tínhamos uma estrutura, um determinado número de juízes, e houve uma avalanche de processos. Aí verificamos também que há um descompasso muito grande no Brasil entre população e órgãos investidos do ofício de julgar.

São insuficientes?

São insuficientes. Enquanto, por exemplo, nos países mais adiantados, nos países em que nós não temos essa instabilidade normativa maior – porque há um vício de acreditar-se no Brasil que se pode corrigir qualquer mazela mediante novas leis -, nós temos um juiz para cada 4 mil habitantes. No Brasil, nós temos um juiz para cada grupo de 17 mil habitantes.

Ministro, o que mais a gente ouve nas ruas é que nós vivemos no país da impunidade. O senhor acha que a população brasileira realmente confia na sua Justiça? O senhor não acha que os juízes estão um pouco distantes demais da população?

Não. O juiz percebe o anseio do cidadão. Hoje essa idéia de impunidade eu penso que está afastada. O Ministério Público vem atuando. Eu sou entusiasta da atuação do MP. Ele vem atuando na persecução criminal propondo as ações penais. E propondo as ações penais para chegar a uma ação condenatória em relação àquele que tenha claudicado na arte de proceder em sociedade.

Mas, às vezes, esses procuradores não viram um pouco “estrelas”? Isso, às vezes, não atrapalha o processo?

Em todo setor nós temos exceções, temos desvios. Aí, claro, cabe a atuação dos órgãos fiscalizadores objetivando afastar esses desvios. Mas a regra não é esta.

Ministro, nós temos um dado que é bastante constrangedor. Ainda conferi esse dado hoje. Em cada 100 casos de crimes de autor desconhecido, na ponta da linha final, apenas 2 são julgados. Quer dizer, a investigação é fraca. Imagino que o processo anda devagar e no final, não sei por que outra razão, a condenação dá essa média absurda de 2%?

E geralmente a responsabilidade é atribuída ao juiz.

O senhor sabe que, na periferia, homicídio costuma virar estatística.

Agora, o juiz julga de acordo com a prova dos autos, os elementos coligidos e levados ao processo. O juiz não pode ser um justiceiro. Ele deve apreciar as peças apresentadas pelo titular da ação, que é o Ministério Público, e pela defesa e formar um convencimento a respeito.

O senhor crê que isso está melhorando, que o processo todo está melhorando?

Está melhorando. Nós estamos numa caminhada de aperfeiçoamento.

Tem algumas coisas que são complicadas para o cidadão comum entender. Por exemplo: como é que o cidadão entende que uma pessoa contra a qual se coletou tantas evidências de corrupção como o ex-senador Luiz Estevão, de repente, se livra, é absolvido, porque o juiz diz que não havia xerox autenticada de documentos – quando nos Estados Unidos, a origem desses documentos, não há a obrigação de se autenticar nada?

Nós temos uma ordem jurídica em vigor. E a ordem jurídica direciona no sentido de os documentos serem juntados aos autos devidamente conferidos. Nós não podemos colocar em segundo plano a norma. Vamos modificar a norma e aí sim chegar, a partir desses documentos, considerada até mesmo a fé pública do órgão, do Ministério Público, que juntou os documentos aos autos, chegar à condenação.

Mas o Judiciário tem consciência de que, num modo geral, a expressiva maioria não considerou essa decisão justa?

Tem consciência. Mas há um dever maior do juiz. O dever de interpretar a lei e aplicar a lei. Tornar prevalecente, portanto, a ordem jurídica. Nós não podemos criar para o caso concreto, para o caso individualizado, um critério que o juiz pense mais justo para hipótese. Ele aplica a lei.

O senhor admitiria que neste caso a norma não é adequada?

Talvez se pudesse cogitar até mesmo de uma diligência para se autenticar essas peças que já estavam nos autos. Creio que, passo a passo, nós estamos afastando esse apego demasiado ao formalismo.

Sabe o que acontece, ministro? Paralelamente a isso, eu já vi, por exemplo, caso onde um rapaz ficou um longo tempo preso porque roubou frango. Eu já vi gente inocente que a polícia sabia que era inocente, mas, por uma questão de formalidade jurídica, não conseguiu ser solta por que não tem um advogado caro como esse ex-senador possui. O senhor não acha que essa Justiça é desigual e precisa ser urgentemente alterada?

Ela tem que ser alterada. E nós temos um instrumental para essa alteração. A Constituição de 88 compele o Estado a proporcionar àquele que não possa contratar sem prejuízo da subsistência um advogado a assistência jurídica e a assistência judiciária. Por que o Estado não age? Alguém aí está errando. Alguém está deixando de observar o texto constitucional.


O senhor está se referindo aí à Defensoria Pública. Parece que em São Paulo, por exemplo, a Defensoria Pública ainda é insipiente, está começando.

Insipiente passados 13 anos, no maior Estado da Federação?! Isso é incompreensível. Inimaginável.

Onde está, vamos dizer, a culpa? Por que não está funcionando? Qual é a sua avaliação?

A minha avaliação é que não há o apego necessário ao que está estabelecido. Eu não compreendo como São Paulo não tenha ainda a Defensoria Pública. Por melhor que seja o trabalho desenvolvido pelos procuradores, eles são advogados do Estado (…).

Mas a Defensoria Pública funciona em São Paulo.

Mas é preciso. Já que a Constituição Federal prevê um órgão específico para essa assistência, o Estado precisa constituir esse órgão.

O Senhor acha que é possível haver justiça para quem não tem um advogado caro?

Acaba ocorrendo justamente isso. Aquele que não tem meios para contratar acaba indefeso no processo.

Ministro, a Justiça brasileira, às vezes, parece um samba do crioulo doido porque a gente vê juiz de primeira instância decidindo contra decisão sumulada por tribunais superiores. Existe uma choradeira de muito tempo dos tribunais superiores pela adoção da súmula de efeito vinculante, que é um nome complicado mas significa que juiz de instância inferior não pode decidir contra decisões de tribunais superiores. Por que isso não aconteceu nunca no Brasil?

Veja. O que é em si o julgamento? O julgamento é algo materializado a partir do convencimento do próprio juiz. E cada processo é um processo. O juiz não pode ser transformado num servidor burocrático, num batedor de carimbos. Eu sou contrário à súmula vinculante. E sou contrário por isso. Porque a tendência do homem é a acomodação e nós teremos, então, a generalização dos casos. Cada caso deve ser julgado com os elementos de prova coligidos, levados ao processo.

Mas não é assim nos países mais desenvolvidos do mundo? Quer dizer, a Suprema Corte americana baixa normas legais. Não é isso?

Sim. O sistema é diverso do nosso. O nosso sistema hoje é um sistema que conduz ao livre convencimento por parte do magistrado. E eu acredito no ofício judicante a partir desse livre convencimento.

Ministro, o Senhor tem dito que “o Brasil não precisa de leis, leis nós temos muitas, o que precisamos mesmo é aplicá-las”. Mas em alguns casos a gente precisa renovar a legislação. No caso do Código de Processo Penal, pelo que se nota observando os últimos 40 anos do comportamento das cidades brasileiras, esse código nasceu numa época em que a maior ameaça à vida urbana era a navalha do malandro, o rabo de arraia. Hoje nós temos crime organizado, um Estado paralelo, e a legislação continua a mesma. Nesse caso não é preciso de lei nova?

É preciso. Nós podemos simplificar o rito do processo. Abandonando, como eu disse, aquelas formas sacramentais para se chegar a uma sentença, ao deslinde da controvérsia, afastando essa idéia de impunidade. E dependemos para que tenhamos uma legislação atualizada da atividade a ser desenvolvida pelos representantes do povo, os deputados federais, e representantes dos Estados, os senadores.

Ministro, vamos ter que ir para o intervalo, mas antes, como o Fernando Mitre falou, nós vivemos um problema enorme nas penitenciárias brasileiras em relação aos advogados que entram (nos presídios) e que muitas vezes fazem parte de quadrilhas. O Senhor já se manifestou contrário à revista desses advogados. Gostaria que o Senhor falasse mais dessa questão depois do intervalo.

O advogado em si tem a favor a presunção do que normalmente ocorre. Eu não consigo imaginar um advogado engajado, em si, no crime.

Mas muitos estão.

Agora, as situações que revelam exceções devem ser detectadas e aí deve atuar o órgão de classe do advogado punindo-o, afastando-o da advocacia.

O Senhor acha que o órgão de classe dos advogados age adequadamente?

Age. Nós temos inúmeros casos em que ocorre a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados e ocorre até mesmo o cancelamento da inscrição, ficando o profissional afastado da advocacia.

Mas para isso ele precisa ser apanhado em flagrante, vamos dizer assim.

Sim. Agora, eu creio que o combate à delinqüência não deve se centrar na revista em si ao advogado. Isso não conduzirá à diminuição do crime.

O Senhor sabe que as investigações ao PCC têm demonstrado a participação de vários advogados.

Mas é exceção. Isso aí não pode ser generalizado a ponto de se suspeitar de todo e qualquer advogado. Por que não revistar então um membro do Ministério Público? Por que não revistar até mesmo um juiz que compareça?


Sobre essa questão de prisão eu tenho uma pergunta para fazer. Evidentemente, um dos princípios básicos do Estado de Direito é que a lei é igual para todos. Quando uma pessoa que teve acesso à educação e tem curso superior comete um crime tem o benefício da prisão especial. Mas quando a maioria da população, quando comete um crime, uma pessoa que não teve acesso à educação, essa pessoa não tem direito a esse benefício. O Senhor não acha injusto? O Senhor não acha que a pessoa que não teve acesso à educação devia ter muito mais direito a uma prisão especial já que o Estado não deu a ela o recurso do curso superior?

O tratamento em si deve ser igualitário, deve ser isonômico. Não vejo por que a pessoa que detenha um canudo ter um tratamento e o comum, do povo, ter outro tratamento. Aí nós temos uma norma que precisa ser retirada do mundo jurídico.

O senhor, portanto, é contra o juiz Nicolau ficar numa prisão especial? Ficaria numa prisão comum se dependesse do senhor?

Sou contra. Como sou a favor de preservar-se, até formada a culpa, até se ter um decreto condenatório não mais sujeito a recurso, de manter-se a liberdade. Agora não em relação àqueles que sejam perigosos, que, soltos, possam provocar prejuízo para a própria sociedade.

Ministro, retomando a questão do PCC e dos presídios, o Senhor não acha que já está configurada a situação de que no Brasil há um Estado paralelo até com território dominado, com tropas semi-organizadas, comprando armas.

Mitre, eu disse isso em relação ao meu Estado, ao estado do Rio de Janeiro, e fui mal-compreendido. Posteriormente, várias autoridades repetiram o que eu disse. Quando o Estado, em relação à população carente, não ocupa determinado espaço esse espaço é ocupado por delinqüentes. O que nós temos no Rio de Janeiro? Como é que a polícia – já não falo nem na subida do servidor comum – sobe o morro? Sobe praticamente atirando. Deixou-se chegar a um ponto que é algo realmente trágico.

Nesse ponto ao qual o senhor se refere, qual é a responsabilidade do Judiciário nesse aumento brutal da criminalidade no Brasil?

A atuação eqüidistante como sempre houve. Agora, nós precisamos da provocação. Provocação que também vem ocorrendo por parte do Ministério Público. E não podemos nos tornar justiceiros. E aí há de se preservar espaço para o direito de defesa, não se presumindo de início a culpa em si daquele que está sendo acusado no processo.

Gostaria de saber do Senhor o que acha: um rico comete determinado crime; um pobre comete o mesmo. Qual é a probabilidade de cada um ir parar na cadeia? Sinceramente.

Tendo conta o direito de defesa?

A realidade.

Eu tenho que reconhecer que há a possibilidade de um pobre ir para a cadeia. Agora, foi o que eu disse: falha o Estado no que o Estado deve proporcionar àqueles que não possam contratar advogado a assistência judiciária.

O Senhor diria que a distribuição de renda e a distribuição de Justiça compõem uma equação só?

De certa forma sim.

Então, ministro, apesar de todo o seu clamor pela a isonomia, o senhor reconhece que há cidadãos de segunda categoria nesse país?

Não. Não posso conceber a existência de cidadãos de segunda categoria. O que eu digo é que há uma falha do Estado. Uma falha na organização das defensorias públicas. Em proporcionar aos necessitados, aqueles que são pobres, o direito de defesa. Vamos marchar para a estruturação das defensorias públicas e acabar com essa situação, com isso de se dizer que o rico é favorecido por uma defesa por que pode contratar um grande advogado.

Aliás, isso remete a um outro problema que é o “primado da chicana”, que inclusive irrita muito os juízes. Os processos são levados para prescrição, muitas vezes, sem que o réu vá a julgamento tendo cometido crimes graves por que o advogado é muito competente. Quer dizer, só a instituição das defensorias não resolve o problema. Tem que qualificar os defensores também, não é isso?

Mas eles são pessoas qualificadas. O ingresso depende de um concurso público dificílimo. Agora, não temos, não como regra, a chicana no processo. Por que o magistrado dirige o processo e pode, e deve coibir, aqueles atos que visem apenas projetar no tempo a solução da demanda.

Ministro, só para completar uma questão anterior: o Senhor acha que absurda a idéia de colocar o Exército, eventualmente, nessa luta contra o crime organizado?

Acho. A destinação das Forças Armadas é outra. Aqueles que integram as Forças Armadas não são preparados para combater o crime. Nos lembremos do que ocorreu na CSN quando da greve dos trabalhadores. O que houve? A morte de um trabalhador. Por que? Porque um oficial levou uma pedrada, sacou a arma e atirou.


O senhor diria que a solução estaria numa adequação maior entre as ações federais, estaduais e ainda o suporte de…

A coordenação é possível, mas precisamos também parar para pensar a causa da delinqüência. O que ocorre hoje no Rio de Janeiro? Um jovem morador da favela não encontra emprego para ser útil à própria sociedade e prover a subsistência dos irmãos menores. Mas vem o traficante e oferece a ele. Oferece para ele sinalizar, para ser um simples “avião” com quantitativa semanal. Geralmente, como se tem aí um numerário enorme em jogo, oferece algo que o mercado, que é um mercado desequilibrado, não consegue proporcionar.

Ministro, como é que o senhor vê, por exemplo, Elias Maluco, que ficou somente 4 anos preso e por brechas no processo conseguiu sair? Quer dizer, esse tipo de criminoso que não se consegue colocar na cadeia por penas longas.

Ele saiu e eu tenho que presumir também o acerto da decisão que o liberou. Saiu por que a legislação existente viabilizava essa libertação. Se nós examinarmos o caso concreto, vamos ver que houve uma base legal para a liberação.

É um bom tema para a TV Justiça explicar para o público.

Sem dúvida.

Ministro, pergunta para depois do intervalo, a gente vive num país onde tudo acaba sendo remetido para um problema maior que é a corrupção. Segundo cálculos, todos os anos são roubados nesse país R$ 1 bilhão. O senhor não acha que, em nome da transparência, todas as pessoas que se dedicam ao bem público, e elas não são obrigadas a isso, deveriam abrir mão do sigilo bancário e, a cada seis meses por exemplo apresentar uma relação de ganhos e propriedades?

Acho. O homem público é um livro aberto. E nós estamos compelidos por lei a apresentar ao setor de pessoal, por exemplo, no tribunal, a nossa declaração de bens anualmente, que é encaminhada ao Tribunal de Contas da União. Isso já existe no Brasil. Agora, Cabrini, não temos hoje mais corrupção do que tivemos no passado. O que nós verificamos é que a partir da imprensa escrita, falada, televisada e a partir da atuação do Ministério Público as flores estão aflorando e aflorando de forma salutar. E as punições estão surgindo.

Ministro, às vezes, a imprensa tem tido dificuldades, inclusive com a Justiça, a respeito de denunciar temas de interesse público. A nossa Constituição consagra o princípio da liberdade de imprensa, liberdade de expressão, mas consagra também, corretamente, as garantias individuais, inclusive a da privacidade. Muitas vezes um princípio joga contra o outro. Recentemente, nós tivemos a decisão de um tribunal impedindo que se noticiasse, a priori, temas de interesse público. Isto é censura. Por mais que haja justificativa na Constituição, é censura.

A nossa Constituição encerra valores. Um dos valores mais caros numa sociedade que se diga democrática é a liberdade de expressão. Da parte dos veículos de comunicação existe o direito e o dever de informar. Nós, cidadãos, temos o direito de ser informados. Creio que nesse campo não pode haver uma proibição, a priori. Essa proibição salta aos olhos, pelo menos aos meus olhos, como inconstitucional. Já tenho dito isso. Agora, claro, cobre-se a responsabilidade. Se, por exemplo, um jornal versou algo que sabia consubstanciar uma inverdade, que responda pelos danos causados.

Se um cidadão comum, por exemplo, for apanhado corrompendo um desembargador, o processo corre mais rápido para o cidadão comum ou para o desembargador?

Creio que aí ambos serão acusados no mesmo processo.

Mas a experiência que eu tenho é que para o desembargador demora muito tempo e não existe, na maioria das vezes, nem investigação. Já vi isso em muitos casos.

Não é bem assim que ocorre. A situação, se mostrando clara, e se chegando à propositura de uma ação penal, chegando ao Ministério Público, nós vemos que ela corre contra os dois: aquele que tentou corromper e o que seria ou foi corrompido. Nós temos situações concretas de afastamento de juízes de tribunais no Brasil. Agora mesmo peguei um caso concreto, um habeas corpus, em que se pretende trancar uma ação que já foi recebida pelo Superior Tribunal de Justiça. No STJ, quando se recebe a denúncia, a primeira providência é afastar o magistrado da função que vem exercendo.

Não é o que eu tenho visto. Não vou citar nomes, claro, mas eu já vi um caso, por exemplo, onde dois prefeitos confessaram terem pago propina a um desembargador para conseguirem medidas judiciais que os mantiveram no poder. Esse desembargador só agora começa a ser investigado. É um caso de dois anos. Nada aconteceu. Não houve sequer uma investigação séria. O Senhor não acha que, se fosse um cidadão comum, a coisa correria de outra forma?

Ao primeiro sinal desse procedimento caberia a ação do Ministério Público pedindo a abertura do inquérito, se ele não contasse com elementos suficientes para a propositura da ação, e mais tarde propondo a ação contra o desembargador, contra qualquer servidor. Nós juízes somos, acima de tudo, servidores públicos e devemos contas aos contribuintes.

A respeito disso, o senhor não acha que essas questões todas seriam vistas de um forma mais clara se houvesse o controle externo do Judiciário?

Por que não praticar o controle interno?

Não haveria corporativismo aí, ministro?

Tarda no Brasil um conselho nacional da magistratura. Está previsto na Constituição Federal e até hoje não o tivemos. A Lei Orgânica da Magistratura, que está sendo aplicada, é do pacote de abril de 1979. O Supremo encaminhou anteprojeto para aprovação da Lei Orgânica da Magistratura prevendo a criação do conselho. Tiremos a punição do âmbito do tribunal onde esteja o magistrado e levemos para Brasília. Com um órgão composto por integrantes do Supremo, dos tribunais superiores, dos tribunais regionais e da magistratura de primeira instância.

Continue a ler a entrevista.

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