Boatos virtuais

Notícias falsas tomam tempo de internautas e desmoralizam a rede

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

26 de julho de 2002, 10h09

Os chamados boatos virtuais (ou hoaxes) proliferam cada vez mais na Internet. São pragas quase tão daninhas quanto o spam. Muitos deles, por sinal, podem ser classificados como puro lixo eletrônico.

Com o crescimento da Rede rumo à maturidade, talvez fosse razoável esperar uma diminuição no tráfego dos boatos infundados. Porém, todos os dias novos internautas (os chamados newbies) começam a navegar e a descobrir novas maneiras de se divertir. E assim, boatos antigos ressurgem com a mesma ou maior intensidade que da primeira vez. Vide o caso do celular Ericsson ‘grátis’, entre outros – “Não perca! Se você mandar um e-mail para mais de 10 pessoas, ganha um celular!”.

Há inúmeros boatos circulando. Alguns, que invocam situações de penúria e desespero, nos fazem refletir se realmente são verídicos. Outros são, claramente, paródias. O site “cocadaboa.com”, por exemplo, é especialista em gerar hoaxes. Muitos boatos são criados pelos seus editores e acabam ganhando vida na Rede.

Foi o caso do hoax da “cerveja matinal”, uma bebida especial para se tomar nas primeiras horas da manhã e que teria sido lançada pela AmBev para aproveitar os horários atípicos dos jogos da Copa do Mundo de 2002. Era tudo mentira. A brincadeira foi criada pelo cocadaboa.com, mas passou a circular por e-mail como se fosse uma notícia verdadeira.

“Criei a seção CNN, especializada em gerar notícias falsas”, explica MrManson, um dos fundadores do site. “Não mando e-mail para ninguém, apenas publico no site (onde há avisos explícitos de que todo nosso conteúdo é mentiroso) e nossos leitores se encarregam de fazer um ‘spam natural’. Quando vejo, já estou recebendo a notícia em meu próprio mailbox.”

Uma das regras básicas da Internet é “não acredite em tudo que lê ou recebe”. Cada usuário é potencialmente um editor, com a facilidade de disseminação de informações que a Internet oferece. O fenômeno dos weblogs ou blogs evidencia essa idéia.

Mas a Internet poderá acabar perdendo credibilidade e usuários, como importante ferramenta de comunicação e conhecimento que é, se a fama de canal de golpes, trotes e fraudes continuar se avolumando. As pessoas não estão percebendo que esse vai-e-vem de inutilidades pode atrapalhar o futuro da rede, colocando em risco a privacidade e a própria liberdade.

Sim, porque juntamente com o boato, recebemos, muitas vezes, dezenas de endereços de e-mail no “Cc:”, ou mesmo no campo da mensagem. É um “reply” atrás do outro. Centenas de endereços à disposição do primeiro spammer que aparecer. “Mande a mensagem para o maior número de pessoas” é um dos indícios que comumente acompanham um boato.

O maior hoax que já surgiu na Internet brasileira talvez tenha sido o que alegava a existência de um mapa da América do Sul sem a região amazônica. O suposto mapa faria parte de livros didáticos de geografia utilizados em escolas americanas, que estariam ensinando aos alunos que a região está sob a tutela norte-americana desde a década de 80. A Amazônia aparecia denominada como Former International Reserve of Amazon Forest (Finraf).

Esse boato congestionou o e-mail da Ouvidoria da Câmara dos Deputados em 2000. Mais de vinte e-mails chegavam diariamente, e o deputado e ouvidor, Luiz Antonio Fleury Filho, respondia as mensagens advertindo sobre o perigo da chamada “indústria do boato”, e que a Internet deve ser utilizada como instrumento em benefício do cidadão e não como meio de propagação de notícias falsas.

O assunto foi levado tão a sério que acabou sendo objeto de reportagem na TV, nos jornais de grande circulação e até de um Requerimento de Informações para o Ministro das Relações Exteriores:

REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES Nº 2.301, DE 2000

(Da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional)

Solicita informações ao Senhor Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, a respeito de matéria veiculada através da lnternet na qual o Brasil aparece em mapas dividido.

Senhor Presidente,

Reunida em 7-6-00, esta Comissão aprovou requerimento de autoria do Deputado Roberto Argenta pelo qual “solicita informações ao Senhor Ministro das Relações Exteriores no sentido de esclarecer esta Casa quanto à veracidade de notícias que têm sido divulgadas na Internet de que o Brasil estaria aparecendo dividido em mapas utilizados por Escolas Americanas, tendo a região Amazônica e o Pantanal como Área de Controle Internacional”. E também há notícias de que certos professores americanos estão buscando o apoio dos seus alunos para uma possível intervenção na Amazônia para retirar a região dos “destruidores da natureza” (brasileiros).

Portanto, nos termos do art. 50, § 2º, da Constituição Federal, bem como nos arts. 115, inciso I, e 116 do Regimento Interno, requeiro as providências de V. Exª no sentido de que o Exmo. Sr. Ministro das Relações Exteriores preste as informações solicitadas.

Sala da Comissão, 14 de junho de 2000.

Deputado Luiz Carlos Hauly, Presidente.

Voto

Estando de acordo com o art. 5º § 2º da Constituição Federal e com os arts. 115 e 116 do Regimento Interno da Casa, voto pelo encaminhamento.

Sala de Reuniões, 26 de junho de 2000.

Dep. Heréclito Fortes, Primeiro Vice-Presidente, Relator.

Defiro, ad referendum da Mesa.

Em 26-6-00 – Dep. Heráclito Fortes, 1º Vice-Presidente, no exercício da Presidência.

Não conseguimos descobrir se houve resposta do Ministro. A proposição está constando como inativa.

Leia mais sobre boatos no site InfoGuerra.com.br.

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    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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