Nova fase

Depois da quebradeira chega a fase quatro da febre ponto.com

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25 de julho de 2002, 6h48

Temos assistido a uma verdadeira procissão fúnebre com relação às empresas virtuais nos últimos meses. O colapso de dezenas de empresas voltadas para a Internet, o sofrível desempenho da bolsa eletrônica NASDAQ (National Association of Securities Dealers and Quotations) e o surgimento de diversos sites dedicados exclusivamente a velórios e informações de morte da indústria ponto.com nos leva realmente a pensar que a era da euforia comercial no ciberespaço terminou muito mais cedo do que se pensava.

O sítio NetSlave, por exemplo, se autodenomina de “Papa-Defuntos da Nova Economia” e nele você pode navegar no Museu de Fracassos Ponto.Com. No Yahoo é possivel acessar um sítio que acompanha as falências virtuais (Dot-Com Flop Tracker). Mas a realidade não é bem assim. Segundo Steve Shah, co-fundador do site americano DotComDoom (Fracasso Ponto.Com) “nunca nossa procura internacional foi tão boa, subindo para 45% este ano em relação aos 10% do ano 2000”.

A verdade é que não existem tantas empresas virtuais falidas como parece supor a fatídica opinião mundial, o que nos faz considerar uma mudança radical da história recente do mundo cibernético. Aparentemente os brados do fim da era ponto.com foram entoados cedo demais. A falência do sólido boo.com contribuiu para alimentar uma avalanche de manchetes sobre o desastre da Nova Economia. “Especialistas” faziam previsões sombrias comparadas ao crash de Wall Street de 1929. Lá no fundo, essas notícias até que significaram algum alívio para os milhões de pessoas em todo o mundo que se aventuraram em comprar ou abrir negócios virtuais mas não haviam ficado instantaneamente ricas.

Especulando que a maioria das pequenas empresas virtuais estava moribundas, tornou-se “in” dizer que o colapso ponto.com era o lado nefasto do capitalismo finalmente desmascarado. Uma destruição criativa, exterminando os fracos para que os fortes pudessem sobreviver. E é justamente por isso que os profetas do apocalipse ficarão chocados quando perceberem que a maioria das empresas virtuais continua bastante viva. Os números não mentem.

Segundo pesquisa recente, cerca de 10.000 novas empresas virtuais atraíram recursos no mundo inteiro nos últimos anos da década de 90. Dessas, algo em torno de 500 sucumbiram, ou seja, 5%. Mas o que será que todas as demais empresas ainda estão fazendo no ciberespaço? Essa resposta não é fácil, mas aparentemente elas estão reestruturando suas operações, esticando ao máximo o que sobrou de seus recursos iniciais ou se reinventando, na tentativa de afastar cada vez mais o fantasma da quebradeira. Muitas estão hibernando. Com novos nomes, novos focos de negócios e nova direção.

Algumas estão se escondendo até que consigam definir exatamente como ganhar dinheiro na Grande Rede. Em busca da sobrevivência, essas empresas deixaram de lado o conceito inicial da Internet como uma mídia, aberta, eqüânime e livre e se voltaram para as velhas regras da Economia Real. De acordo com um relatório do site webmergers.com, estamos entrando em um novo momento de reposicionamento de negócios, em escala e velocidade sem precedentes. Muitas empresas estão até procurando se dissociar da tarja ponto.com nesta busca frenética pelo lucro no ciberespaço.

A Enciclopédia Britânica, por exemplo, não mais se autodenomina “um portal de conhecimento” (knowledge portal) e está imprimindo sua primeira edição em papel desde 1998, quando a primeira fase da febre ponto.com aconteceu. Apesar do valor das fusões e aquisições de empresas virtuais ter despencado, o volume de negócios permanece estável, principalmente em função do interesse de outras empresas da Internet. Segundo o webmergers.com, cerca de 80% do dinheiro investido em aquisições de empresas virtuais no ano passado foi gasto por outras empresas da Internet.

Um exemplo disso é a recente fusão dos dois gigantes europeus de leilões, qxl.com e ricardo.de. Ambos vinham tentando uma reengenharia atrás da outra recentemente para fomentar seus negócios: primeiro comprando e leiloando bens e depois se transformando em verdadeiros shoppings virtuais. Com a fusão, ambos estão direcionando seu foco para os leilões que interessam ao grande público. O problema é que agora o site resultante está numa posição tentadora para ser “engolido” pelo gigante americano eBay.com, que tem todas as condições de entrar e dominar o mercado europeu. Se as regras comerciais da Velha Economia estão de volta a todo o vapor, 8 entre 10 novas empresas virtuais correm o risco de falir. Nesta luta surda e velada, ocorreu uma mudança de paradigma em relação ao poder nessas empresas.

Saem os marketeiros e entram os engenheiros que as fazem funcionar. Não admira que as grandes empresas virtuais ainda “vivas” na Internet possuam um sólido handicap tecnológico, tais como a Amazon.com e a Expedia. Cada vez mais essas empresas estão contratando criadores de softwares em detrimento dos gastos com marketing. As empresas sobreviventes serão aquelas que mantiveram intactas as suas equipes de engenharia e tecnologia. Mas a tecnologia por si só não é suficiente. Os programas cada vez mais modernos e inovadores para websites estão adquirindo maior importância do que os sítios que ajudaram a construir.

A ValueAmerica por exemplo, no afã de se tornar o maior supermercado online, vendendo desde lençóis de cama até embarcações, simplesmente não conseguiu administrar tantos e tão variados fornecedores. Mas sua tecnologia, criada para manipular milhões de transações seguiu em frente e se tornou sucesso de mercado. O próximo passo é uma reinvenção ainda mais radical, resultando em sítios ponto.com que procuram desenvolver seus próprios softwares. Já se tem consciência de que o fato de oferecer seus produtos à venda online não significa necessariamente que alguém os irá comprar.

Uma prova disso é que os sítios de e-commerce respondem pela maior proporção de falências de empresas ponto.com. Já existe uma nova corrida aos consumidores mais abastados. As empresas virtuais estão começando a abandonar a visão democrática da Internet como uma entidade livre e acessível para todos. Ninguém hoje em dia conta mais apenas quantos estão visitando os sites, mas, sim, quem são, o que querem, de que gostam e o que consomem. Depois os sítios revendem a terceiros interessados, por somas vultosas, esses espetaculares databases de consumo específico, ajudando sobremaneira a ajustar seus estoques de mercadorias e melhor atendendo ao público. Uma coisa é fato: no mundo inteiro as empresas virtuais estão voltando a recorrer às regras da Velha Economia Real para reestruturarem seus objetivos e lucros. Algumas até recorrem aos “cemitérios” ponto.com para buscar alguma nova oportunidade de negócio.

Estamos entrando na fase quatro da febre ponto.com, em que, depois do frenesi da primeira fase, da quebradeira da segunda e do amadurecimento da terceira, os proprietários e executivos das empresas voltadas para a Internet estão recolocando os seus pés no chão, deixando de lado os sonhos de fortuna instantânea – privilégio de apenas alguns poucos – e se conscientizando de que a Internet é apenas mais uma ferramenta tecnológica de manipulação, armazenamento, transmissão e reprodução de informações em escala jamais conhecida pela Humanidade, mas totalmente submissa às velhas regras da Economia Real.

Adam Smith certamente está dando voltas de contentamento em sua tumba. E a tragédia dos atentados em Washington e Nova Iorque, apesar de ter forte influência imediata nos números da economia americana – e mundial – não terá o condão de parar a evolução desta nova fase do mundo ponto.com.

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