Liberdade de expressão

Crea-SP consegue retirar do ar colocações abusivas em site

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

23 de julho de 2002, 16h42

O Crea-SP – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo, conseguiu retirar do ar colocações abusivas no site do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo – Seesp.

Na campanha eleitoral para as eleições da autarquia federal, que foram realizadas em 4/7/2002, um dos candidatos à presidência e atual presidente do Seesp, fez veicular no site desse sindicato graves acusações contra o Crea-SP, alegando que este teria se tornado uma “galinha dos ovos de ouro”, administrado segundo interesses pessoais de seus dirigentes, por meio da prática de “compadrio”, e adotando práticas “extorsivas” contra seus filiados. Tais acusações foram reprisadas pelo candidato em seu material impresso de campanha.

O Crea-SP entendeu que as acusações extrapolaram a liberdade de expressão, e feririam a reputação do próprio órgão, uma vez que foram lançadas de forma genérica e abrangente. Ingressou com ação ordinária de indenização por danos morais perante a 11ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, requerendo a antecipação da tutela, com a finalidade de retirar do ar a matéria com conteúdo ofensivo do site do sindicato (cujo teor foi objeto de apreensão prévia por perito especializado), bem como de impedir a veiculação do material impresso de caráter ofensivo.

A juíza negou a concessão da medida liminar pleiteada entendendo, basicamente, que naquele momento não se poderia aferir a veracidade das alegações. Mas que, oportunamente, os réus (candidato e o próprio sindicato) poderão vir a ser condenados a reparar os danos, se for o caso.

Inconformado, o Crea-SP interpôs Agravo de Instrumento, distribuído à 6ª Turma do TRF da 3ª Região. O relator, des. federal Mairan Maia, reconheceu que o direito de crítica deve ser exercido fundamentadamente, e perde sua legitimidade quando for imputada a prática de ato ou conduta que, em regra, possa configurar injustificada ofensa à honra ou reputação de outrem. E acolheu parcialmente o pedido de liminar, determinando a exclusão das menções tidas por ofensivas do material de campanha daquele candidato, e para que o conteúdo da matéria veiculada no site fosse adequado àquela decisão.

Veja a íntegra:

PROC.: 2002.03.00.021902-8 – AG 156152

AGRTE: Conselho Regional de Engenharia Arq Agr – CREAA

ADV: LUIZ FERNANDO MARTINS CASTRO

AGRDO: SINDICATO DOS ENGENHEIROS NO ESTADO DE SÃO PAULO SEESP e OUTRO

RELATOR: DES. FED. MAIRAN MAIA / SEXTA TURMA

Vistos.

Insurge-se o agravante contra a decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela, em ação ordinária em que se objetiva: a) a concessão de provimento jurisdicional no sentido de determinar aos réus que promovam à remoção de conteúdo de página da internet especificada na inicial, assim como que cesse a distribuição e veiculação de “Informativo de Campanha do mês de junho 2002”, recolhendo-se todos os exemplares a local a ser designado pelo juízo; e, b) indenização por danos morais ocasionados pela divulgação de referido material.

Aduz o agravante estar prevista para próximo dia 03 de julho a realização de eleições para renovação da presidência do Conselho.

Esclarece estarem concorrendo três candidatos, entre eles, o atual Presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, Sr. Murilo Campos, que teria sido responsável pela divulgação de acusações infundadas e ofensivas contra o Conselho, enquanto instituição, como a de seus dirigentes e funcionários.

Assevera ter a decisão agravada ignorado “os efeitos nefastos que tais práticas podem trazer ao pleito, uma vez que subtraem do processo eleitoral a necessária situação de equilíbrio e lisura” (fls. 07). E acrescenta: “deveria a ilustre magistrada ter atentado aos limites legais impostos pelas regras e princípios gerais aplicáveis a todos os pleitos eleitorais, e que coíbem o abuso na propaganda eleitoral.” (fls. 08)

Defende, ainda, a aplicação da norma inserta a no art. 243, inciso IX, do Código Eleitoral para o caso em exame.

E, argumenta, por fim, ser vedada a utilização da “máquina” do SEESP para veiculação de acompanha eleitoral, em razão da obrigação de impessoalidade do órgão representativo.

Inconformado, requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e a reforma da r. decisão.

DECIDO

Caracteriza o Estado Democrático a tutela à liberdade do cidadão quanto à sua conduta, ação, pensamento e expressão. A liberdade é valor constitucionalmente consagrado, cuja preservação é de rigor.

A declaração de Direitos dos Homens de 1789 define liberdade como: “poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites somente a lei pode determinar.” E acrescenta: “A lei não pode proibir senão as ações nocivas à sociedade.”

Objetivamente, os direitos assegurados pela ordem jurídica a todos membros da sociedade atuam como fator condicionante do exercício desses mesmo direitos. Formalmente, a restrição ao exercício de direitos é admissível nos casos em que o interesse particular cede em face do interesse público ou social, consagrado de maneira objetiva em lei: é a plena aplicação do princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, da Consituição Federal.

Para José Afonso da Silva, “esse dispositivo é um dos mais importantes do Direito Constitucional brasileiro, porque, além de conter a previsão da liberdade da ação (liberdade-base das demais), confere fundamento jurídico às liberdades individuais e correlaciona liberdade e legalidade. Dele se extrai a idéia de que liberdade, em qualquer das suas formas, só pode sofrer restrições por normas preceptivas (que impõem uma conduta positiva) ou proibitivas (que impõem uma abstenção), provenientes do Poder Legislativo e elaboradas segundo o procedimento estabelecido na Constituição. Quer dizer: a liberdade só pode ser condicionada por um sistema de legalidade legítima”.

Entre as muitas formas de exercício da liberdade encontra-se a de pensamento e expressão. O pensamento, a idéia, a concepção que se faz de pessoa, coisa, ou situação são insuscetíveis de controle, e quando não exteriorizados não são de relevo para a ordem jurídica. No entanto, a liberdade de expressão é passível de controle, pois seu exercício encontra-se condicionado pelo respeito aos direitos dos demais membros da sociedade, ou seja, a liberdade de expressão não pode implicar ofensa a direito de outrem, quando então configurar-se-ia o abuso da liberdade de expressão.

A propósito, a lição de Arturo Pellete Lastra, citada por Fábio Henrique Podestá: “(…) los derechos del individuo, tanto en el siglo XV como en la sociedad de masas de nuestro tiempo, tienem su contrapartida en los deberes, sus libertades en sus responsabilidades, en goce de los derechos en la represión de los abusos, ya que más allá ciertos límites comienza el abuso.

Porém, questiona-se se seria possível estabelecer restrição à liberdade de expressão ou se eventual ofensa sujeitar-se-ia tão-somente à ação reparatória ou ressarcitória.

Assegura a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, a proteção à lesão ou ameaça a direito, consagrando de modo expresso a tutela jurisdicional preventiva. Outrossim, os valores e princípios constitucionalmente assegurados não possuem natureza absoluta, e devem ser sopesados em conjunto com os demais princípios que fundamentam a ordem constitucional. Esta a razão da observação contida no art. 220, in fine, da Constituição Federal. Caso contrário, estaria sendo admitida situação capaz de acarretar lesão a direito não suscetível de tutela jurisdicional, malferindo, destarte, o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional.

O exercício do direito à liberdade de expressão, assim como de todo direito albergado pela Constituição, não se compatibiliza com a prática de atos ilícitos em que sejam violados bens juridicamente protegidos.

Surge, porém, a questão de como aferir objetivamente o regular exercício da liberdade de expressão e manifestação, de molde a não se configurar indevida censura ao direito constitucionalmente assegurado, tendo em vista a norma estipulada no art. 220, § 2º, da Constituição Federal.

Referidos critérios, em atenção ao princípio da segurança jurídica hão de ser hauridos das normas e princípios presentes no ordenamento jurídico, em particular nos que tutelam direitos da personalidade.

Assim, quando houver injusta ofensa à honra, reputação, ao nome do indivíduo, ou existir a possibilidade de se estar praticando conduta que, em tese, esteja subsumida às figuras penalmente tipificadas, da calúnia, injúria ou difamação, a liberdade de expressão estará sendo exercida abusivamente, e portanto, sujeita à restrição ou controle.

Indiscutivelmente, a questão há de ser analisada à luz do caso concreto. Assim, o livre exercício da crítica deve também ser exercido fundamentadamente. A crítica revela a visão pessoal de quem a exerce.

Contudo, quando imputado à prática de ato ou conduta que, em regra, possa configurar injustificada ofensa à honra ou reputação de outrem, perde sua legitimidade.

Ademais, o exercício da liberdade de expressão, sobre estar condicionado à observância dos direitos da personalidade, encontra-se também vinculado ao dever de informação de fatos sem qualquer deformação e com elementos concretos que permitam ao receptor formar com segurança sua convicção.

No caso presente, o agravante aponta às fls. 05 e 07, itens 6, 7 e 13, as críticas efetuadas pelo candidato pertencente ao SEESP, que considera ofensivas.

O conteúdo das manifestações imputadas ao agravado, conforme se depreende do exame dos documentos juntados aos autos do agravo, afigura-se, em parte, ofensivo ao agravante.

Com efeito, não obstante a subjetividade da questão, a abusividade deve ser considerada com base nos sentimentos e raciocínio mediamente sedimentados na sociedade, ou seja, há de ser aferida segundo “presunção hominis”.

Porém, não se justifica o integral atendimento do pedido formulado pelo agravante, já que deve ser preservada a liberdade de expressão nos limites em que não configurada abusiva, isto é, em que exercida regularmente.

Desta forma, neste juízo de cognição sumária, tenho por presentes os pressupostos autorizadores da concessão, em parte, do provimento pleiteado.

Em razão do exposto, concedo o efeito suspensivo tão-somente para determinar a exclusão das colocações abusivas decorrentes do direito de expressão, indicadas nos itens 6, 7 e 13 da minuta de agravo. O material distribuído (“Informativo da campanha Murilo Campos ao Crea-SP – junho de 2002”) deverá ter excluídas as expressões supra indicadas ou, na sua impossibilidade, ser recolhido e mantido sob guarda e conservação do Sindicato agravado, que deverá, outrossim, diligenciar junto à empresa responsável pelo site indicado (fls. 11), para que proceda à adequação do conteúdo divulgado via internet à presente decisão, no prazo de 1 (uma) hora a contar de sua intimação.

Comunique-se ao juízo de origem, ao agravante e aos agravados, o teor dessa decisão, com urgência, via “fax”.

Intimem-se os agravados, nos termos do art. 527, inciso V, do Código de Processo Civil.

Intimem-se.

São Paulo, 1º de julho de 2002.

MAIRAN MAIA

Desembargador Federal

Relator

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    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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