Os tribunais do povo

Brasileiros inundam a Justiça com processos por dano moral

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21 de julho de 2002, 13h50

Até os anos 80, o cidadão comum só se sentia amparado por um setor da Justiça, o trabalhista. Nesta reportagem, publicada esta semana, a revista Época mostra que o cenário começou a mudar na década passada, com o Código de Defesa do Consumidor e os tribunais de pequenas causas.

O brasileiro passou a ter mais conhecimento sobre seus direitos e tornou-se exigente. A guinada espetacular, no entanto, está em curso agora, com cada vez mais gente valendo-se das garantias estabelecidas no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Ali está assegurado o pagamento de indenizações por prejuízos não só materiais mas também morais. Quando um instrumento jurídico mexe diretamente no bolso das pessoas, pode-se prever que conseqüências trará.

O resultado já se vê nos tribunais. Hoje, há no Brasil cerca de 420 mil processos por danos morais tramitando na Justiça. É a modalidade de ação judicial que mais cresce no país. Nos últimos oito anos, enquanto o número global de processos avançou nove vezes, a quantidade de ações por danos morais foi multiplicada por 51.

O fenômeno é muito mais que uma revolução nos fóruns. Reflete uma formidável mudança nos costumes, na forma de resolver pendengas. A sociedade brasileira começa a abandonar o jeitinho informal de acertar as diferenças, que inclui desde a conversa amigável até a cena de pancadaria, para recorrer à esfera institucional – no caso, a Justiça. Vergonha, dor, humilhação, constrangimento e sofrimento, resultantes de negligência, irresponsabilidade ou má-fé, não são mais resolvidos com esquecimento, conversas duras ou ameaças. Vão parar nos tribunais.

Em 1996, a professora de Direito Regina Helena Costa foi almoçar no restaurante do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e levou um tombo na rampa de acesso, que não tinha corrimão e estava fora dos padrões da lei de edificações. Ficou estatelada no chão por 20 minutos, numa situação constrangedora, sem que ninguém a socorresse. Sofreu três fraturas e permaneceu imobilizada por quatro meses, sem poder trabalhar. No ano passado, a Justiça condenou o museu a pagar, além das despesas médicas e dos prejuízos financeiros, 100 salários mínimos (hoje equivalentes a R$ 20 mil) por danos morais.

Já as aposentadas Delma e Divanita de Carvalho, de São Paulo, receberão R$ 5 mil por danos morais da dona dos três cães rottweiler que as atacaram, feriram e quase mataram seu cachorrinho de estimação em 1999.

ERRO MÉDICO

Erro médico é uma das principais causas de processos. Há um ano a modelo Ana Paula Dante pagou R$ 6 mil à clínica Dicorp, de São Bernardo do Campo (SP), para ficar livre de pêlos nos braços, costas e abdome. A depilação a laser causou queimaduras de terceiro grau num dos braços.

Na clínica, chorando, ela ouviu que se tratava apenas de uma ‘sensibilidade’. Depois de muita insistência, uma médica veio e aplicou gelo no local, o que só piorou o quadro. Ana Paula perdeu trabalhos, gastou R$ 6 mil em tratamento e entrou em depressão. Foi à Justiça e aguarda julgamento.

O dano moral caiu no gosto do povo, como aconteceu com os exames de DNA. Ademar Gomes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, à frente de mais de 4 mil processos do gênero, conta que a maioria de seus clientes são vítimas de erros médicos e acidentes em ônibus urbanos. ‘A classe média baixa já sabe que tem direitos a reclamar’, diz Gomes. Também são comuns processos relacionados a problemas com instituições financeiras, estabelecimentos comerciais e de serviços.

Passageiros de companhias aéreas, acostumados a reembolsos insignificantes pela perda de bagagem – as convenções internacionais prevêem apenas US$ 20 por quilo – têm conseguido reparações maiores. O maestro Antonio Carlos Gomes deve receber R$ 12 mil da Vasp por ter perdido um concerto por falta de trajes adequados – a mala com sua casaca havia sido extraviada. A Varig pagará R$ 15 mil a um cliente que passou frio no Chile depois de ficar sem a bagagem.

RACISMO E PERSEGUIÇÃO

Ninguém é obrigado a aceitar perseguição e maus-tratos no trabalho. Muito menos acompanhado de discriminação racial. Por isso, a Companhia Pernambucana de Saneamento e Água foi condenada a pagar R$ 22.400 ao operador de computadores Armando Oliveira. A empresa foi considerada omissa no crime de preconceito racial praticado pelo chefe de divisão João Alberto Pinto de Carvalho.

Durante cinco anos, Oliveira ouviu expressões jocosas e ameaças. Era excluído da escala de horas extras, e um dia foi surpreendido por um rebaixamento de função. Não conseguiu cumprir compromissos financeiros e teve de trocar de carro. ‘Passei noites sem dormir com medo da demissão, o nervosismo debilitou minha saúde’, conta. Oliveira também deu queixa contra o chefe na Delegacia de Santo Amaro. O processo criminal deve ir a julgamento no fim do ano.


Quem se sente humilhado também encontra amparo na lei. Ana Maria Beltrão Arouxa Campos, auditora da Receita Federal no Recife, foi assaltada em 1997 dentro de uma filial da rede de supermercados Bompreço. Perdeu a bolsa com cartões de crédito, documentos e objetos de valor sentimental, como a foto de infância de sua mãe.

Ana procurou a administração do supermercado. ‘O gerente insinuou que inventei toda a história’, diz. Ela processou e, cinco anos depois, ganhou R$ 30 mil. O supermercado recorreu e o valor foi reduzido à metade. ‘Ser tachada de desonesta é uma humilhação que a indenização não paga’, diz Ana. ‘Mas ameniza.’ Muitas pessoas ficam chocadas quando se mistura Justiça com dinheiro, mas cabe a pergunta: com toda a sinceridade, existe uma tradução melhor para o mundo em que se vive?

Pela natureza abstrata dos danos morais, às vezes algumas sentenças causam estranheza. A Justiça do Maranhão, por exemplo, determinou que o Banco do Brasil indenizasse em R$ 258 milhões um cidadão que teve devolvido, indevidamente, um cheque de pouco mais de R$ 600. O Superior Tribunal de Justiça reviu a sentença, rebaixando o valor para R$ 3.600.

Episódios como esse alimentam a tese de que estaria surgindo no Brasil uma indústria de processos, movida por ações descabidas e indenizações superfaturadas. Só que os valores exorbitantes quase sempre são corrigidos em instâncias superiores. ‘O que está nascendo é a política de punir quem estava acostumado a usar e abusar do cidadão’, argumenta a advogada Angela Costa. ‘O brasileiro ainda desconfia da Justiça e tem aquela cultura de resolver as coisas em casa. Se vai a um tribunal, é porque passou por muito sofrimento.’ Angela sabe o que fala. Em seu escritório no Centro de São Paulo, processos do gênero não passavam de dez ao ano, em 1988. Hoje, são mais de 1.000. O mesmo acontece nas principais bancas do país.

Se a relação comercial não acaba bem, pode caber indenização. A jogadora de vôlei de praia Jacqueline está processando a ex-parceira Ana Paula – ela pede R$ 500 mil. Alega que perdeu muito tendo o marido de Ana Paula, Marcos Miranda, como treinador, e a própria como parceira. Mas a principal queixa é por Ana Paula ter desfeito a dupla ‘sem justificativa convincente’, o que teria resultado na perda de patrocínios importantes, como da Yopa.

Ainda assim, falta muito para o Brasil chegar ao volume de casos e às cifras indenizatórias que fazem dos Estados Unidos uma espécie de paraíso do dano moral. Em 1996, as 75 maiores cidades americanas registraram 15.600 ações. Delas, 68% foram decididas por júri e as reparações somaram US$ 2,4 bilhões. Outros casos, arbitrados por juízes, perfizeram US$ 629 milhões.

Os processos de dano moral geralmente vêm conjugados com os de danos materiais. E as ações ficam cada vez mais específicas. Além do dano moral puro, que repara pelo sofrimento e pelo desgaste de uma situação, os advogados têm pedido indenizações por danos psicológicos – se a vítima sofreu trauma – e por dano estético, quando há conseqüências na aparência.

A exemplo do que ocorre na Justiça americana, indenizações milionárias acontecem quando o juiz entende que sua sentença deve ter um caráter não apenas reparador, mas punitivo, e servir de exemplo. O valor, então, leva em consideração a capacidade financeira do réu – deve doer no bolso, para que a ofensa não se repita. Um exemplo foi a condenação do Bradesco, em 2001, a pagar R$ 954 mil à família do mecânico Edson de Oliveira, assassinado ao sacar dinheiro de um caixa eletrônico. O caso foi para o STJ, e os ministros entenderam que o banco é responsável pela segurança de suas instalações, mesmo na área do estacionamento.

Tentativa de censura

Contra a imprensa e o Ministério Público, ações judiciais viram forma de intimidação.

Em vários campos, os processos por dano moral têm ajudado as pessoas a recuperar direitos. Há uma situação, porém, em que a corrida aos tribunais prejudica o cidadão. Nos últimos anos, processos do gênero acabaram se transformando em instrumentos para tentar constranger a imprensa e impedir a publicação de denúncias.

Existem hoje nada menos que 1.200 deles contra as quatro maiores empresas jornalísticas do Brasil. Em boa parte dos casos são movidos por políticos ou representantes do poder econômico, que entram com ações ineptas, mesmo sabendo que não têm chance de ganhar. Seu objetivo real é intimidar jornalistas e forçar as empresas de comunicação a gastar dinheiro com advogados.

Quando o processo é contra grandes empresas, o efeito costuma ser apenas de ameaça. Mas um relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa diz que, no Brasil, pequenos jornais, rádios e outros veículos de menor envergadura estão ameaçados de fechar as portas por causa de processos para os quais foram fixadas indenizações exageradas. Cita o caso de O Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo (SP), que sofreu duas ações movidas por um juiz da região, somando R$ 600 mil. Em 1995, o jornal noticiou que o juiz tinha casa e telefone custeados pela prefeitura. Era verdade, mas mesmo assim foi condenado.


É claro que a imprensa erra, às vezes canhestramente, e deve se retratar. Caso célebre é o da Escola Base, em São Paulo, em que professores inocentes, acusados de abuso sexual, tiveram a reputação e a vida destruídas. Mas há também casos estapafúrdios. O médico Eugenio Chipkevitch, que filmou consultas em que molestava sexualmente 35 menores, pacientes seus em uma clínica em São Paulo, foi preso após a descoberta de fitas de vídeo.

Nelas, Chipkevitch aparece nu, fazendo sexo oral e masturbando crianças sedadas. Agora, o médico processa os veículos de comunicação que divulgaram as denúncias, alegando que prejudicaram sua imagem. Processa também o delegado, porque numa entrevista o chamou de ‘monstro’.

Na Paraíba, a Ordem dos Advogados do Brasil detectou dois escritórios de advocacia que procuram pessoas citadas em reportagens e as convencem a entrar com processos. ‘Criou-se uma indústria da indenização’, acusou o advogado Télio Farias, que estuda o assunto.

Promotores de Justiça e procuradores da República também têm sido vítimas dessa estratégia. Cerca de 150 membros do Ministério Público estão sendo processados por pessoas que estão sendo alvo de investigações. ‘As ações são mecanismos de intimidação’, diz o procurador Luiz Francisco de Souza, que acaba de ganhar um processo movido pelo PFL e aguarda a sentença de outro, movido pelo ex-ministro Rafael Grecca. ‘Essas ações deveriam ser movidas contra a União, e não contra a pessoa física do procurador’, censura Carlos Frederico Santos, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.

‘No Brasil existe a tendência do dano moral apenador, punitivo, que pode levar ao enriquecimento ilícito’, alerta o advogado Márcio Pestana, do escritório Pestana e Maudonnet. O aumento rápido no número de processos e a disparidade entre sentenças fizeram surgir um projeto de lei para tabelar as indenizações. A proposta que tramita no Congresso divide os danos morais entre leves, médios e graves, com os respectivos tetos de R$ 20 mil, R$ 90 mil e R$ 180 mil.

Pode ser uma boa idéia contra abusos, mas muita gente a considera inconstitucional. ‘Fere o princípio da proporcionalidade’, diz o advogado Paulo Esteves. Para ele, é preciso avaliar caso a caso a gravidade da ofensa, a extensão de suas conseqüências e o poder econômico do acusado. Para um shopping center de periferia, por exemplo, indenizar em R$ 100 mil uma pessoa maltratada por seguranças tem um peso muito diferente do que para um estabelecimento de alto padrão. ‘Existem abusos em muitas sentenças, sim, mas é por isso que a Justiça tem várias instâncias de decisão’, diz Esteves.

A tarefa dos juízes é espinhosa. Quanto dinheiro é preciso para dar um pouco de conforto a quem perdeu um filho, uma parte do corpo, o crédito na praça ou foi traído pelo parceiro? Embora não exista nenhum tabelamento em vigor, as indenizações médias ficam entre 100 e 300 salários mínimos. Um caso de morte pode alcançar 500 salários. A viúva do pastor João dos Santos Ferreira, morto de intoxicação em 1996 em decorrência de uma refeição estragada, ia receber R$ 150 mil por danos morais da churrascaria Rincão Gaúcho, em Candeias, na Grande Salvador. Mas houve recurso e ela deve receber menos, R$ 90 mil.

HUMILHAÇÃO NO TRABALHO

Nenhuma norma de empresa justifica a humilhação dos funcionários. A costureira Sandra Miguel, de 42 anos, e 15 colegas processaram a fábrica de lingerie DeMillus, que, para evitar furtos, submetia as operárias a revistas íntimas. ‘Ficávamos nuas e mostrávamos até o absorvente, se estivéssemos menstruadas’, diz Sandra. No ano passado ela recebeu R$ 130 mil e abriu um bar. ‘Eles pensam que podem pisar em todos. Mas a Justiça também existe para os pobres.’

Cada país tem uma política diferente em relação ao assunto. No México, a tradição era conceder, a título de danos morais, o equivalente a um terço do arbitrado como indenização por danos materiais. Mas os juízes agora desvinculam as sentenças. Na Inglaterra, os magistrados usam como referência um compêndio com os precedentes e os valores pagos em diversos processos.

Particularidade brasileira, no entanto, são as ações no campo das relações amorosas. Abandonada dias antes de subir ao altar, com festa marcada e convites distribuídos, Roberta Arcare de Almeida foi à forra contra Rogério Correia Lazzuri. A Justiça entendeu que o pai da noiva deveria receber do rapaz, por danos materiais, a metade do valor pago pela cerimônia, mais 100 salários mínimos (equivalentes hoje a R$ 20 mil) pelo vexame. Embora condenado, o noivo obteve isenção do pagamento. A noiva recorrerá.

O advogado Ademar Gomes, que tem em sua clientela vários corações partidos, defende que o fim do laço amoroso, assim como o do vínculo empregatício, requer indenização. Num processo de 1996 ele conseguiu que um cliente, então com 24 anos, recebesse US$ 600 mil da ex-companheira, uma senhora da sociedade paulistana. Quando o rapaz iniciou o relacionamento, era menor de idade. Parou de estudar e trabalhar, e acostumou-se a ser sustentado. O advogado alega: ‘De repente ela arrumou outro e largou meu cliente, que àquela altura não tinha emprego nem formação. Quem daria a ele as boas coisas a que estava habituado?’


A subjetividade dos temas faz com que alguns casos pareçam banais. Um juiz de Santa Catarina ficou indignado por ter de julgar se o vestido de uma adolescente era ou não apropriado para uma festa – ela havia sido barrada em um clube e pediu indenização. Mas cada um sabe de sua dor. O advogado Paulo Esteves afirma que o cidadão não deve procurar a Justiça apenas em casos extremos: ‘A melhora na qualidade de vida da sociedade depende da repressão a essas agressões de caráter moral’.

LUTA CONTRA A INTRIGA

Mesmo uma intriga aparentemente banal pode originar um processo. O publicitário carioca Marcos Seganti recebeu certo dia um telegrama que dizia: ‘Marcos, entrar em contato com Rose. Estou com saudade e seu filho Marcelo também. Beijo de quem te ama’. Sua mulher o expulsou de casa. Ele descobriu que o trote havia sido enviado de um telex da Mesbla e acionou a empresa. Ganhou R$ 11 mil, depois de quatro anos. ‘O importante foi provar a minha mulher que não fiz nada errado’, diz.

ABUSO DOS BANCOS

Quem fica com o nome sujo na praça injustamente tem amparo da lei. De 1997 até o ano passado o segurança Luís Fernando Salgado, de 30 anos, não pôde comprar a crédito. Um talão de cheques roubado ainda no Correio levou seu nome às listas negras do SPC e do Banco Central. O tormento começou quando, voltando de férias, ele foi avisado pelo banco de que sua conta estava bloqueada por estouro de saldo. Salgado viu que os cheques não tinham sido emitidos por ele. ‘O dono de uma loja de materiais de construção me apresentou uma conta de R$ 3 mil’, lembra. Depois de sucessivas vitórias diante dos recursos impetrados pelo Banrisul, ele finalmente recebeu R$ 17.800.

As dúvidas mais comuns de quem pretende impetrar ações na Justiça por danos morais

Qual é o prazo para entrar com um processo por danos morais?

Até 20 anos, pelo Código Civil, e até cinco, pelo Código de Defesa do Consumidor. Mas o ideal é não demorar mais de dois. O juiz pode entender que, se a pessoa levou tanto tempo para tomar uma providência, o dano não foi tão grave.

Quando vale a pena entrar?

Quando você se sentir lesado em sua honra, for prejudicado ou exposto a constrangimentos e inconvenientes. Não basta um incidente desagradável. É preciso comprovar problemas reais: mostrar que, em decorrência de determinada situação, você foi submetido a dor, angústia, estresse, ficou impossibilitado de seguir normalmente sua vida, que sua reputação foi atingida ou que houve trauma psicológico.

Ou tudo junto, como no caso de Solange Maia, de 34 anos. Há dois anos, a gerente comercial foi vítima de um seqüestro relâmpago que começou dentro do estacionamento do Shopping Center Norte, em São Paulo, e terminou em estupro na Rodovia Fernão Dias. ‘Foi minha morte emocional’, diz. Com suspeita de Aids, teve de fazer tratamento preventivo contra o vírus HIV e sessões de terapia. Tomava 26 remédios por dia. Entrou em licença médica e acabou demitida ilegalmente do emprego. Não conseguiu pagar as prestações do carro, do apartamento e da faculdade. Ficou sete meses sem menstruar e engordou 40 quilos. Somente há dois meses voltou a andar sozinha na rua. ‘Da noite para o dia alguém roubou tudo o que eu tinha’, lamenta. Há um ano e meio decidiu processar o shopping. ‘Eles vendem a imagem de que são seguros, mas não é verdade.’ O processo ainda não foi julgado.

A pessoa que provocou o dano tem de ter feito de propósito?

Não. Não se trata de provar culpa, mas responsabilidade. Uma pessoa morta acidentalmente não está menos morta. O importante é estabelecer o chamado nexo causal, ou seja, provar que o dano foi causado por determinada atitude – proposital ou não.

Pode-se mover uma ação com base em agressões verbais?

Sim, desde que haja testemunhas ou prova documental, como gravação.

Deve-se processar pessoa física ou jurídica?

Depende do episódio. Às vezes, ambos. Nos casos de erro médico, pode-se entrar com a ação contra o plano de saúde, o hospital e o médico. O casal Jorge Pires Fernandes e Regina Bianco Fernandes processou a apresentadora Adriane Galisteu e a CNT. Adriane foi de penetra no casamento dos dois, em 1995, para produzir um quadro do programa Ponto G, na CNT. Vestida de forma provocante, ela circulou pela festa durante uma hora, fazendo piadas, dando vexame na pista de dança e falando alto com os convidados. Depois, subiu ao palco e revelou sua identidade, oferecendo aos noivos uma viagem de uma semana a Salvador. Quinze dias depois, foram ao ar as cenas, que constrangeram o casal. Iniciou-se um processo contra Adriane e a emissora, que levou as imagens ao ar sem a autorização dos envolvidos. A apresentadora pagou R$ 11 mil. A CNT terá de pagar o equivalente ao custo do tempo de exibição das cenas.

Pode-se entrar com várias ações ao mesmo tempo, combinando danos morais e materiais, por exemplo?


Sim, e é raro uma ação por danos morais isolada. Além disso, esse tipo de processo está ficando cada vez mais específico. Além do dano moral puro, pode-se pedir reparação por danos psicológicos e estéticos.

Pode-se entrar com ação coletiva?

Sim, mas não é aconselhável, porque os danos são individuais. O processo fica mais longo na ação coletiva.

Em que fórum a ação deve tramitar?

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que o cidadão tem o direito de escolher a comarca de competência que mais lhe convém. Portanto, mesmo que o problema tenha ocorrido no Amazonas, o processo pode ser julgado em São Paulo, por exemplo.

Quanto se deve pedir de indenização?

O autor do processo pode pedir quanto quiser, a título de referência. Muitos juristas se baseiam em casos anteriores para fazer o cálculo, outros preferem deixar o valor em aberto. Mas quem estabelece a importância, no final, é o juiz. Geralmente a média fica entre 100 e 300 salários mínimos. Um caso de morte pode chegar a 500 salários.

E se o réu não tiver condições de pagar a indenização?

O pagamento fica pendente e a cobrança pode ser realizada no momento em que o réu apresentar recuperação financeira.

O gasto com advogado pode ser superior à indenização obtida?

É difícil, mas possível. Há advogados que cobram uma taxa inicial para entrar com o processo. Outros ganham de 10% a 30% sobre a indenização, no momento em que ela é paga ao cliente. E, se a ação for descabida, o bom advogado desencoraja que se entre com o processo.

Existe chance de perder?

Sim, como em qualquer outro tipo de ação. Nesse caso, o advogado recebe apenas o que ficou estipulado em contrato, antes do início do processo.

Quanto tempo se leva para receber?

Se o caso vai até a última instância, ou seja, chega até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a sentença final demora de cinco a sete anos para sair. O processo pode ser abreviado se resolvido em primeira ou segunda instância ou se houver acordo.

É possível receber um adiantamento da indenização?

Sim, se for para custear tratamento emergencial e ficar comprovado que a sobrevivência da pessoa está em risco. Isso é comum nos casos de erro médico, e a liberação do dinheiro leva de 60 a 120 dias.

Existe gente que fica rica com processos?

Sim, mas isso é raro. Quando os juízes arbitram sentenças muito altas, o réu costuma recorrer. No STJ, elas normalmente são reformadas. Ou seja, têm seu valor revisto e reduzido.

É possível recorrer se não se concordar com o valor arbitrado pelo juiz?

Sim, até duas vezes. Depois que passa pelo STJ, a sentença é definitiva.

É possível recorrer se o juiz não reconhecer que houve dano?

Sim, até três vezes. Nesse caso, a discussão pode chegar até o Supremo Tribunal Federal, e o processo demorará ainda mais. O número de casos em que isso acontece, porém, é inferior a 1%.

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