Convergência das mídias

Mundo jurídico quer acompanhar celeridade da vida digital

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19 de julho de 2002, 18h50

Enquanto avançamos céleres adentro da segunda década da era digital, diversas questões novas e importantes vão assomando no horizonte, na medida em que a sociedade já se encontra inexoravelmente refém do desenvolvimento tecnológico. Quando partimos para atualizar nossa máquina em casa ou no escritório, aumentando a memória, realizando um upgrade nos programas ou instalando o badaladíssimo “queimador’ de CDs virgens, podemos ter uma real noção do vertiginoso avanço da tecnologia.

Nem bem acabamos de equipar o computador inteiro e já nos deparamos, em termos de meses, com produtos, programas e equipamentos novos, já mais sofisticados e poderosos, que tornam o que viemos de instalar obsoleto e “antigo”. É assustador e chega a ser enervante; mal melhoramos o desempenho de nossa máquina e ela já está em distonia com o mercado. E isso não tende a se modificar tão cedo, diante do desenvolvimento do que os especialistas vêm chamando de convergência das mídias (convergence).

As múltiplas possibilidades de armazenamento, manipulação, transmissão e recepção de informações viabilizadas pelo código binário dos computadores via Internet abriram uma nova fronteira para a humanidade, permitindo a administração de quantidades antes inimagináveis de dados e informações por pessoas comuns, fora do ambiente restrito das universidades e institutos de pesquisa. Embora não estejamos nem perto de assistir ao fim do papel impresso, como queriam alguns profetas do apocalipse digital logo no início da febre ponto.com, a verdade é que estamos caminhando a passos largos para um novo limiar, que revolucionará ainda mais o mundo da informação no meio eletrônico.

Ao longo do século XX, vimos com que velocidade a tecnologia ditou os rumos da sociedade, inclusive – e infelizmente – com o tenebroso resultado de duas grandes guerras mundiais que impulsionaram exponencialmente o conhecimento e a manipulação da informação. O rádio, a televisão, o cinema, o facsímile, o compact disk e o computador, cada um a seu tempo, representaram verdadeiros breakthroughs na forma com que se lidava com dados e informações, quer com objetivos militares, comerciais ou de simples entretenimento. Mas cada uma dessas novas tecnologias, que nos chegaram num encadeamento lógico semelhante a uma escada – espaçados entre si geralmente por uma ou duas décadas – foi desenvolvida e ocupou seu espaço na sociedade desempenhando funções distintas, embora às vezes até similares.

Com a convergência, estamos vislumbrando, pela primeira vez na história, a unificação definitiva de todas essas mídias, independentemente de sua função precípua ou seu objetivo geral. Até os velhos e poderosos livros farão parte dessa revolução. Em nossos lares hoje temos uma interminável parafernália de aparelhos, equipamentos, alto-falantes, caixas conversoras e uma verdadeira floresta de controles remotos para operar tudo. A casa do futuro provavelmente terá apenas um único monitor, ou mesmo um em cada cômodo, operando e administrando todas as mídias que hoje nos chegam através de diferentes fontes.

O rádio, a televisão, o cinema e até os jornais, serão todos enviados diretamente aos nossos lares e escritórios, inclusive impressos na hora (no caso dos jornais e revistas) e diariamente, em forma digital, com extrema qualidade, através de um único meio receptor/transmissor, desenvolvido a partir do venerável PC que já tomou conta do mundo desde a década de 90. A adoção definitiva dessa tecnologia em larga escala somente é esperada para os próximos 10 anos, principalmente se considerarmos o grande descompasso econômico ainda existente entre as nações ditas “conectadas” e as “não-conectadas”, com grande predominância da África no lado mais desfavorecido.

Mas os laboratórios não param e as surpresas são intermináveis. Basta uma visita anual ao CES – Consumer Electronics Show de Las Vegas ou à espetacular feira EEE (3E) na Califórnia para se ter uma noção de quão reféns todos nós somos da tecnologia. Se por um lado essa vertiginosa evolução é surpreendente e aumenta o conforto e melhora a qualidade de vida da humanidade a olhos vistos, não podemos deixar de dissertar um pouco sobre os problemas que vêm embutidos em todo esse progresso.

O primeiro e mais importante deles diz respeito aos direitos autorais. Aspecto que já vem se situando na ordem do dia em função dos desdobramentos do comércio eletrônico e da questão da proteção à propriedade intelectual na Grande Rede Internet, o direito autoral certamente será uma das questões-chave a serem debatidas com o advento da convergência das mídias. Problemas jurídicos que hoje se encontram pulverizados entre toda a sorte de meios e formas de manipulação/transmissão/recepção de informações, certamente se avolumarão diante da possibilidade de unificação técnica dos sistemas existentes, ao contrário do que se possa pensar.

E um dos mais difíceis obstáculos a serem transpostos nesse particular é justamente a desigualdade econômica entre as nações que mencionamos aqui, na esteira dos efeitos céleres e muitas vezes danosos da globalização. A comunicação digital via Internet não tem tempo para se submeter a fronteiras geográficas, tradições nacionais e outras características intrínsecas do relacionamento entre nações ainda fortemente presentes na comunidade internacional e superá-las ainda é uma tarefa bastante complexa mesmo para os países industrializados que capitaneiam a revolução tecnológica.

A convergência dos meios e sistemas de manipulação e armazenamento de informações é uma conseqüência lógica da evolução da tecnologia, da mesma maneira que já começa a tomar forma a preconizada information superhighway, a super-rodovia digital de informação, que já inaugurou a Internet 2, dedicada exclusivamente aos centros acadêmicos e científicos e está gestando nas pranchetas dos laboratórios outras Internets específicas, incrivelmente mais velozes em termos de conexão e transmissão de dados e que estarão completamente livres da necessidade do uso de linhas telefônicas para operar dentro de apenas alguns anos.

A adoção definitiva da banda larga e de todas as aplicações sem fio (wireless) será outro salto gigantesco na qualidade e quantidade de dados que se poderá acessar em nível planetário, estimulando substancialmente o comércio e as relações bilaterais da humanidade, enquanto caminhamos a passos rápidos para dentro do século XXI. O crescimento da aldeia global e, com ela, de todas as irregularidades e violações de direitos que normalmente ocorrem na vida social/comercial da comunidade representará uma barreira formidável para que se alcance uma mecânica jurídica com alcance mundial, capaz de atender, administrar e resolver todas as complexas questões que se originarão dessa nova babel eletrônica, funcionando à velocidade da luz e dando o equivalente a 6 voltas no planeta no espaço de apenas um segundo.

Vários países já se preocupam em consolidar sua legislação interna, tratando de criar mecanismos para salvaguardar os seus interesses no meio etéreo e impalpável do ciberespaço, mas é mister que esses estudos sejam estendidos ao patamar mundial, para que possam, com sucesso, superar os ainda distantes obstáculos que impedem a migração absoluta de todos os usos e costumes da sociedade do mundo físico para o mundo virtual.

Já existem iniciativas nesse sentido, como o painel denominado Global Cyberspace Jurisdiction Project, ou Projeto de Jurisdição Global do Ciberespaço, em desenvolvimento pela Ordem dos Advogados dos Estados Unidos (American Bar Association) e por alguns órgãos do governo estadunidense. O tema central é alçar ao nível global um sistema rápido, eficiente e confiável para acompanhar a celeridade dos negócios e das comunicações digitais que ocorrem a cada segundo, sem contudo precisar alterar muito profundamente a legislação já existente, bem como integrar as diversas culturas existentes no planeta sem lhes suprimir as características mais tradicionais.

Cibertribunais, cortes inteiramente eletrônicas, julgamentos à distância e penas econômicas virtuais são apenas algumas das idéias que já estão sendo debatidas por advogados, juristas e estudiosos do direito eletrônico, no afã de conseguir acompanhar, com dispositivos e sistemas de controle correspondentes, a celeridade com que o mundo digital arrasta a humanidade para novos horizontes de conhecimento. E a sombra da convergência tecnológica de todas as mídias da sociedade precisará encontrar esteio nesse “admirável mundo novo”, de forma a se integrar pacificamente no cotidiano do novo milênio, que a cada instante transforma inexoravelmente as nossas vidas em “zeros e uns” do código binário.

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