Cobrança suspensa

Justiça suspende cobrança de multa de entidade beneficente do CE

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17 de julho de 2002, 13h42

A Sociedade Quixadaense de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância, localizada em Quixadá (CE), conseguiu suspender na Justiça a cobrança de multa por erro na classificação fiscal da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), prevista pela Medida Provisória 2158/01.

A Medida Provisória prevê no seu artigo 84 a aplicação de multa no valor de 1% sobre o valor aduaneiro da mercadoria classificada incorretamente. Estabelece ainda a quantia mínima de R$ 500,00 para a multa.

A Sociedade Quixadaense de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância recebeu doação de uma entidade italiana. A partir daí, entrou com processo administrativo de importação, em que se utiliza a NCM. Com isso, a doação teve identificação fiscal errada e a entidade foi multada.

Para evitar o pagamento de multa, a entidade entrou com Mandado de Segurança contra a Inspetora da Alfândega para suspender a aplicação da multa. A entidade foi representada pelo escritório Martins Mello Advogados.

O juiz de 1o grau negou a liminar. Os advogados ingressaram com Agravo de Instrumento no Tribunal Regional Federal da 5ª Região e conseguiram a tutela substitutiva.

A advogada Mônica Mello, responsável pelo processo, afirmou que as informações declaradas pela sociedade beneficente foram baseadas nos dados fornecidos pelo doador (Carta de Doação). “Diferente de bens adquiridos no exterior que possuem uma Nota Fiscal ou outro documento que possibilitem a especificação da mercadoria importada, inclusive a exata quantidade, a marca e a composição”, disse a advogada.

Leia a decisão:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5A. REGIÃO

GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

AGRAVO DE INSTRUMENTO 43.274/CE (2002.05.00.015035-5)

AGRAVANTE: Sociedade Quixadaense de proteção e Assistência à Maternidade e à Infância.

ADVOGADAS: Mônica Barbosa de Martins Mello (OAB/CE 11622) e Simone Barbosa de Martins Mello (OAB/CE 11809)

AGRAVADO: Fazenda Nacional

Origem: Juízo Federal da 2a. Vara da Seção Judiciária do Ceará

Relator: Desembargador Federal NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

TUTELA RECURSAL LIMINAR DE CONTEÚDO SUBSTITUTIVO

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra despacho proferido nos autos da Ação de Mandado de Segurança no. 2002.05.015035-5, pele eminente Juíza Federal da 2a. Vara do Ceará, Dra. NILIANE MEIRA LIMA, no qual a douta Magistrada negou à parte agravante o pedido de tutela mandamental liminar, para lhe garantir o direito de liberar mercadorias, que lhe foram doadas por uma entidade da Itália, sem o pagamento da multa prevista na Medida provisória 2.158/01, por entender a digna magistrada que a dita multa é de natureza fiscal e não tributária, já que a agravante possui a imunidade prevista no art. 150, VI, ‘c` da Constituição Federal, e que se cuida de uma sanção administrativa decorrente de infração ao Regulamento Aduaneiro.

2. Alega a recorrente que as mercadorias que se encontram no Porto do Mucuripe lhe foram doadas por uma entidade italiana que remeteu, antes da sua chegada a terras brasileiras, uma carta de doação que descrevia superficialmente o que estava sendo enviado para o Brasil. Com essas informações, a agravante ingressou com processo administrativo de importação, no qual se utiliza a NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul; no entanto, conforme informou a parte agravante, esta nomenclatura não é exaustiva não é auto-explicativa, havendo diversas hipóteses em que é possível classificar uma mercadoria com mais de uma posição tarifária NCM.)

3. Ademais, diz a agravante que, como as informações que tinha eram somente aquelas constantes na carta de doação, bem diferente das faturas habitualmente utilizadas no Comércio Exterior, não tinha meios suficientes para precisar, com a devida eficiência, a correta especificação dos produtos que estava sendo enviados para o Brasil. Por isso, a agravante requer a imediata liberação dos bens atualmente armazenados no Porto do Mucuripe, sem o pagamento da aludida penalidade, ressaltando que, caso não seja seu pleito deferido, não terá condições de retirá-los com o pagamento da multa imposta pela Inspetora da Alfândega, pois se trata de uma entidade beneficente, sem fins lucrativos, não tendo, portanto, disponível a quantia cobrada pela parte agravada.

4. É este o brevíssimo relatório.

5. A concessão de uma medida liminar deve observar certos requisitos genéricos, como o fumus boni iuris (probabilidade de existência do direito invocado pelo autor) e o periculum in mora (receio de que o dano torne-se irreparável quando do julgamento efetivo do mérito).

6. O caso em questão apresenta ambos os requisitos. O periculum in mora está demonstrado na real necessidade que têm os destinatários finais das mercadorias (beneficiários), já que são pessoas dependentes de ajuda de terceiros, tendo-se em vista a precária condição em que vivem, sem proteção do Estado. A retenção das mercadorias acarretaria danos de difícil reparação a essas pessoas que ficariam sem cadeiras de rodas, vestuário, e demais objetos de grande importância para suprir suas necessidades.

7. Já o fumus boni iuris reside no fato de que a agravante possui imunidade constitucional em matéria tributária. Como não está obrigada ao pagamento de tributos, é provável que também não esteja obrigada ao pagamento de multas fiscais, pois estas devem obedecer às mesmas regras que regem aqueles, não cabendo os argumentos da MM. Juíza de 1o. Grau de que a multa aplicada teria natureza administrativa, posto que a posição que parece ser a mais correta é a que entende a dita sanção como de natureza tributária, decorrentes da não observância de uma obrigação acessória.

8. Confirmada a existência de ambos os pressupostos, importa ressaltar a ilegalidade do ato da Inspetora da Alfândega ao apreender as mercadorias.

9. Não cabe à Fazenda Nacional, quando da verificação de uma Declaração de Importação, reter os produtos importados, alegando falha na classificação destes e muito menos vincular sua liberação ao pagamento de uma multa.

10. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já sumulou entendimento neste sentido:

“Súmula 323 – É inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercivo para pagamento de tributos” .

11. É evidente que se houvesse qualquer indício de irregularidade no procedimento de importação, a necessidade de se liberar a mercadoria cederia espaço ao Poder de Polícia, a fim de que fosse possível averiguar a procedência de tais indícios.

12. Entretanto, o que se pode verificar, no caso sob exame, foi a ausência de irregularidade, posto que a classificação de determinado produto em posição tarifária NCM varia de acordo com a visão subjetiva do fiscal, já que não há uma tabela exata, uma classificação definitiva para cada produto. Além disso, o SISCOMEX descreve um roteiro Simplificado de Identificação de Mercadorias, admitindo-se que um produto possa ter mais de uma posição tarifária NCM correta.

13. Ainda assim, considerando-se que a classificação esteja incorreta, e que a agravante tenha de retificá-la, tal fato não daria ensejo à apreensão das mercadorias pela agravada, pois a postulante está fora da hipótese de incidência das normas tributárias sobre importação, ou seja, tem a imunidade do art. 150, VI, ‘c` da Carta Magna.

14. Mesmo que houvesse uma classificação determinada e específica para cada produto, e a declaração não tivesse ocorrido dentro destas especificações, não haveria prejuízo algum para a Fazenda Nacional, já que, independente da classificação, não há pagamento de tributo pela agravante, pois esta goza de imunidade tributária.

15. A presente situação deve ser tratada de forma diferente em que não existe imunidade. Por exemplo, se uma entidade tivesse que pagar determinada alíquota para mercadoria tipo x e outra alíquota para mercadoria tipo y, a incorreção na Declaração de Importação poderia acarretar prejuízo para o Fisco em razão do contribuinte pagar uma quantia inferior à devida. Mas o caso em questão não apresenta tais diferenças de alíquota para as espécies de mercadorias, já que a agravante goza de imunidade por ser uma entidade beneficente. Sendo a mercadoria X ou Y, não há crédito tributário, portanto não há pagamento de tributo.

16. Entretanto, a agravada reteve a mercadoria como forma de obter o pagamento da multa decorrente da suposta irregularidade na declaração; tal atitude configura uma arbitrariedade e uma clara sanção política.

17. Ressalte-se que não se está concluindo se a multa é ou não devida, tampouco entrando no mérito da questão. Este será apreciado posteriormente quando do julgamento definitivo da lide. Neste momento, apenas afirma-se que o Fisco tem os meios próprios para exigir e cobrar a multa, não podendo o pagamento desta vincular-se á liberação das mercadorias.

18. Por fim, forte nesses argumentos, concedo a tutela recursal liminar requerida para determinar a suspensão do pagamento da multa, até decisão definitiva do mérito, e a imediata liberação das mercadorias constantes na DI 02/0370649-2, de 25.04.02, sem qualquer ônus fiscal para a agravante, dada a sua imunidade tributária.

19. Ciência desta decisão à parte agravante, através de seu procurador.

20. Intime-se a agravada para responder como lhe parecer do interesse.

21. Ciência ao digno Juízo federal de origem

Recife, PE,28 de junho de 2002.

NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Desembargador Federal Relator

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