Espírito Santo

Juiz ameaçado no ES quer proteção da Polícia Federal

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15 de julho de 2002, 17h08

O juiz da 1ª Vara Cível da Comarca da Serra (ES), Marco Antonio de Souza Basílio, quer proteção da Polícia Federal para ele e sua família. Também quer ser incluído no Programa de Proteção à Testemunha. Segundo informou ao Ministério Público Federal, ele está sendo ameaçado de morte no Estado.

Souza Basílio entrou com processo no Supremo Tribunal Federal, que poderá gerar a anulação da nomeação de 19 desembargadores. Por isso, estaria sendo ameaçado. O depoimento foi prestado à Procuradoria Regional da República, no Distrito Federal.

De acordo com o juiz, não foi escolhido para o cargo de desembargador pelo critério de antiguidade por causa da perseguição de um colega. Ele disse que o colega é “hoje desembargador, íntimo amigo do governador do Estado, José Inácio Ferreira, e do presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, cidadão que controla o jogo no Estado do Espírito Santo, e segundo a imprensa nacional também o crime organizado”.

No depoimento, contou que foi perseguido por viaturas da polícia e escapou de um seqüestro. Teve até que fugir para Brasília. Mas deixou o hotel da cidade porque desconfiou que também estava sendo perseguido no local.

Segundo o juiz, os “cidadãos do Espírito Santo sabem que o governador depende, para se manter no poder, de grupos políticos ligados à Scuderie Le Cocq, associação que, de acordo com a CPI do narcotráfico, funciona como o braço armado do crime organizado”.

Para ele, o único caminho para acabar com os graves problemas do Espírito Santo é a intervenção federal.

Leia o depoimento do juiz:

TERMO DE DEPOIMENTO, que presta o Sr. MARCO ANTONIO DE SOUZA BASÍLIO, brasileiro, viúvo, juiz de direito, portador da Cédula de Identidade n.º 28/JD e do CPF n.º xxxx, residente e domiciliado Rua xxxx, xxxxx, Domingos Martins Espírito Santo – (Tel.:xxxxx ). Aos três dias de julho do ano de 2002, nesta cidade de Brasília-DF, no edifício sede da Procuradoria Regional da República no Distrito Federal, onde se achavam presentes os Excelentíssimos Senhores: Doutora Raquel Elias Ferreira Dodge – Procuradora Federal dos Direitos dos Cidadãos Adjunta e Procurador da República, Doutor Luiz Francisco Fernandes de Souza comigo Caroline de Castro Corrêa, estagiária, escrivão “ad hoc”, Testemunha compromissada e advertida das penas do Artigo 342 do Código Penal Brasileiro, que comparece voluntariamente, sem intimação, às perguntas que lhe foram formuladas respondeu:

Que o depoente exerce a função de Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca da Serra, Capital, do Estado do Espírito Santo, tendo sido preterido promoção ao elevado cargo de Desembargador, pelo critério de antigüidade, no ano de 1993, Impetrou Mandado de Segurança no Tribunal do Estado do Espírito Santo, tendo a ação sido julgada improcedente, sem julgamento do mérito;

Que o depoente, então, entrou com ação ordinária, sendo que, pela ocorrência do impedimento do Tribunal, na forma do artigo 102, inciso I, alínea “n” da Constituição Federal (impedimento de mais da metade dos membros do Tribunal), a ação deslocou-se para o STF tendo sido distribuída para o Eminente Ministro Moreira Alves;

Que em razão do mesmo assunto tramitam hoje quatro ações originárias no STF (doc. 01); Que todas as ações estão conclusas ao eminente Relator desde 06/06/2002;

Que em razão dos fatos narrados, o Tribunal do Espírito Santo, caso seja julgado procedente pelo STF a epigrafada ação originária, que contém relevante incidente de inconstitucionalidade de leis estaduais, ocorreria a implosão do Poder Judiciário Estadual, com a anulação das nomeações de 19 desembargadores que passaram à frente do depoente;

Que tal situação foi causada pela perseguição de um colega juiz, hoje desembargador, íntimo amigo do Governador do Estado, José Inácio Ferreira, e do Presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, cidadão que controla o jogo no Estado do Espírito Santo, e segundo a imprensa nacional também o crime organizado, onde pontificam outros “figuraços” conforme denunciou a revista Istoé;

Que, assim, no entender do depoente, o poderoso “Capo”, hoje chefe do Poder Legislativo Estadual, tem o controle absoluto sobre os três poderes da República no Estado do Espírito Santo;

Que comanda também a banda podre da Polícia Militar do Estado, de briosas tradições e de relevantes serviços prestados ao povo capixaba;

Que, em sendo assim, alastrou-se a corrupção e a violência no Estado do Espírito Santo, sem que se tenha noção da verdadeira origem do mal. Que o depoente pode assegurar que a atual composição do Tribunal, formada de forma sub-reptícia pelos desembargadores José Eduardo Grande Ribeiro, Geraldo Correia Lima e Arione Vasconcelos Ribeiro, tem a finalidade de assegurar no Estado a impunidade e manter o poderio do Deputado José Carlos Gratz, que pratica qualquer ato de violência, tendo no Governador e no Tribunal a garantia absoluta de sua impunidade;

Que o depoente, por ser autor de uma ação originária, que tramita no STF, que pode derrubar o Tribunal Estadual do Espírito Santo a qualquer momento, passou a ser alvo do ódio dos chefes do três poderes do Estado, já que a morte do depoente poderia travar o julgamento da ação, tendo em vista o disposto no artigo 265, inciso I do Código de Processo Civil;

Que depois que o depoente conseguiu tirar a epigrafada ação originária da douta Procuradoria Geral da República, onde se encontrava paralisada por acúmulo de serviço, percebeu que começou a ser hostilizado no Estado de forma inconcebível, pois passou a ser perseguido por várias viaturas da polícia militar, tendo elas os seguintes os números: 850-1, 1002-1, 1004-1, 1003-1, 998-1, 1062-1, 848-1, 997-1, BME 1062 e mais uma moto MPX 1738, um carro da polícia civil 383;

Que no dia 26/06/2002, duas dessas viaturas, quais sejam 1002- 1 e 1004-1, tentaram seqüestrar o depoente no Príncipe Hotel próximo a estação rodoviária de Vitória, onde o depoente se refugiou, após perceber que estava sendo perseguido;

Que o depoente escapou do seqüestro, porque conseguiu desvencilhar-se das viaturas que chegaram a penetrar no pátio do hotel e só não agiram porque aguardavam uma quarta viatura que traria a presença de um capitão;

Que os policiais só não chegaram no depoente pelo atraso do tal capitão, tendo em vista que um policial não pode abordar um juiz;

Que o depoente aproveitou-se da aglomeração que se formou no saguão do hotel logo depois do início do jogo Brasil versus Turquia, semifinal;

Que o depoente conseguiu evadir-se dirigindo-se em alta velocidade para sua propriedade em Pedra Azul;

Que o depoente tem informações seguras que o Desembargador José Eduardo, anteriormente também tentou eliminar o depoente, não conseguindo, passou tal incumbência, com o apoio de José Inácio Ferreira para o Deputado José Carlos Gratz, homem perigosíssimo que tem o comando absoluto do setor de viaturas, principalmente sobre que as patrulham o bairro de São Pedro na Grande Vitória, onde o mesmo deputado tem uma espécie de comitê eleitoral, no local denominado Bar e Restaurante Beco do Siri, junto a pracinha Ilha das Caieiras;

Que o depoente no dia 26/06/2002, embora atemorizado, não podia imaginar que a perseguição contra a sua pessoa chegasse às raias do absurdo;

Que, em 27/06/2002, se dirigia à noite a um restaurante na orla marítima, na Praia da Costa, Vila Velha, quando percebeu duas viaturas paradas de forma estranha, viaturas estas do Detran, paradas em pontos estratégicos do trajeto executado pelo depoente; Que logo adiante encontrou mais duas viaturas e percebeu que estava sendo seguido; Que o depoente ficou temoroso em entrar no restaurante e ficou parado no lado de fora.

Quando passou por ele outra viatura, percebeu que estava sendo cercado. Deliberou, então, afastar-se daquela praia por um trajeto nunca feito, dirigindo-se para a 3ª ponte como se estivesse de regresso à capital;

Que nesse trajeto contou cerca de 5 viaturas que tentavam cercá-lo; Que imprimindo alta velocidade ao entrar na 3ª Ponte, por um desvio à direita, conseguiu momentaneamente escapar das viaturas; Que, todavia, o depoente não sabia o que fazer pois era tarde para voltar para sua propriedade em Pedra Azul; Que o depoente ficou com medo de ser seqüestrado na rodovia 262; Que resolveu esconder-se e aguardar meia noite; Que pensou, então, em dirigir-se à casa de um amigo na praia de Jacaraípe do outro lado da Grande Vitória;

Que o depoente acreditou que a chuva o beneficiaria nesse trajeto porque dificulta a visão das placas dos carros; Que o depoente parou em Jardim da Penha, Bairro de Camburí, para fazer um pequeno lanche, pois estava fugindo há mais de quatro horas; Que o depoente, quando se deslocou em direção UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) ao curvar a avenida Fernando Ferrari, notou que do outro lado do gelo baiano (divisa das duas pistas), em frente ao portão da UFES havia um acidente entre um Uno preto e um carro vermelho, sendo que um deles estava sendo rebocado;

Que o depoente percebeu também que estava sendo seguido por um carro branco em alta velocidade; Que o depoente, instintivamente, impediu que o carro emparelhasse com o seu, fechando o seu acesso pela esquerda, no gelo baiano (divisa das pistas) que tem aproximadamente um metro e vinte de altura e sessenta centímetros de base.

Que o carro que perseguia o depoente, não conseguindo emparelhar com o depoente pela esquerda, espatifou-se no gelo baiano (divisa das pistas). Que no mesmo momento em que ouvia-se a terrível frenagem, ecoou um tiro de arma potente. Que o depoente, não tendo sido perseguido, supõe que seus perseguidores estão hospitalizados ou mortos, tendo em vista a violência da batida. Que o depoente supõe que o atirador é o atirador de elite da Polícia Militar Coronel Ferreira, comenta-se estar está preso por assassinato no Espírito Santo.

Que o referido coronel foi visto seguindo o depoente em um carro branco da marca santana. Que se assim for, deve estar hospitalizado, pois o fato aconteceu na noite do dia 27 de junho de 2002; Que, a seguir, o depoente teve que fugir para Brasília, hospedando-se no Brasília Imperial hotel, de onde saiu pois desconfiou que os agentes do Deputado Gratz hospedaram-se no dia 02/07/2002, no mesmo hotel.

Um deles, homem moreno alto, entre 45 a 50 anos, que telefonou da portaria do hotel para Vitória, tendo sido ouvido as quatros primeiros números do telefone para o qual ele discou, sendo 021273227, sussurrando os números finais; Que um “grampo” nesse telefone pode revelar a conversa que ele teve com a pessoa para quem ligou na Praia do Canto, porque esse prefixo abrange toda a Praia do Canto, onde reside José Carlos Gratz, José Eduardo Grande Ribeiro e outros que estão envolvidos na tentativa de assassinato do depoente;

Que o documento nº 2 se refere aos andamentos de processo no STF, via internet, comprova o alegado e a petição nº 128150, de 22/10/2001, refere-se a uma outra tentativa de assassinato contra o depoente, cuja delatio criminis se encontra conclusa ao Ministro Moreira Alves;

Que devido às ameaças contra a sua vida, requer a inclusão no Programa de Proteção a Testemunha, na modalidade mais simples, com liberação das obrigações funcionais, sem nenhum prejuízo funcional;

Que requer também que haja a designação de agentes da Polícia Federal para garantia da segurança própria e da família; Que julga que tem esse direito, dado que as ameaças ocorrem em razão de uma ação que tramita no STF, Corte que pertence à União, justificando, assim, o interesse da mesma;

Que os cidadãos do Espírito Santo sabem que o Governador depende, para se manter no poder, de grupos políticos ligados à Scuderie Le Cocq, associação que, de acordo com a CPI do narcotráfico, funciona como o braço armado do crime organizado;

Que, por isso, entende que a intervenção é o caminho para consertar os males que acometem o Estado; Que o depoente dispõe-se a comparecer ao CDDPH independentemente de intimação, na próxima seção em que a representação estiver em pauta; Que nada mais foi dito nem lhe foi perguntado, razão pela qual encerrou-se o presente termo.

MARCO ANTONIO DE SOUZA BASÍLIO– JUIZ DE DIREITO, DEPOENTE

RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE– Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunta

LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA– Procurador Da República

Caroline de Castro Corrêa – TESTEMUNHA

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