STF solta Belo

STF considera insuficientes provas contra Belo e o liberta

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11 de julho de 2002, 18h38

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, concedeu habeas corpus em favor do cantor Marcelo Pires de Oliveira, o Belo.

O ministro atendeu o pedido a revogação da prisão preventiva decretada pela Justiça do Rio de Janeiro. O cantor é acusado de fazer parte de organização ligada ao tráfico de drogas.

Para o presidente do STF, não há fatos que possibilitem a custódia do cantor. Em sua fundamentação, o ministro destacou que, de acordo com acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Belo é réu primário, tem bons antecedentes, sendo artista popular de grande projeção, e viu-se envolvido, por degravação de fitas cassetes, envolvido com o tráfico.

Ele diz que não há subsistência para manter a prisão preventiva do cantor. “De forma genérica, aludiu-se à probabilidade de existirem óbices à aplicação da lei penal, sem se descrever, todavia, dado concreto suficiente a essa conclusão”, afirmou Marco Aurélio.

O ministro acentua que, para que a prisão preventiva tenha lastro legal, é preciso a demonstração de provas concretas e não suposições, o enquadramento no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Marco Aurélio cogitou de que, aparentemente, o acusado estaria sendo o alvo errado da clamorosa repulsa pela lamentável situação vivida pelo Rio de Janeiro “em que traficantes, verdadeiros traficantes, assumem nos morros cariocas papel que deveria ser desempenhado pelo Estado, considerada a assistência às populações carentes e até mesmo uma certa estabilidade na vida gregária”.

O presidente do STF disse ainda que é preciso aguardar o desfecho da ação penal, que está a cargo do Ministério Público. Segundo o ministro, só assim serão observados, “ante as peculiaridades notadas em relação ao paciente, os parâmetros constitucionais, o Estado Democrático de Direito”, concluiu Marco Aurélio.

Em sua fundamentação, o ministro acentuou ainda que “a prisão preventiva excepciona, é certo, a regra da presunção da não-culpabilidade. Para que isso realmente tenha lastro legal, indispensável é que se demonstre, no caso concreto, de modo cabal e não mediante simples suposições”.

O cantor foi denunciado em maio deste ano e encontra-se preso na Delegacia Anti-Seqüestro do Rio de Janeiro. De acordo com a defesa de Belo, a única prova colhida que deu origem à denúncia foram gravações telefônicas “que pouco ou nada dizem”.

Leia a decisão

HABEAS CORPUS N. 82.165-1 RIO DE JANEIRO

PACIENTE: MARCELO PIRES VIEIRA

IMPETRANTES: EDUARDO VILHENA TOLEDO E OUTRO

COATOR: RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 22571 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

PRISÃO PREVENTIVA – EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA – HABEAS CORPUS – LIMINAR DEFERIDA.

1. Os advogados Eduardo Vilhena Toledo e Raphael Mattos impetraram habeas corpus em favor de Marcelo Pires Vieira, apontando como ato configurador de constrangimento o consubstanciado na negativa de concessão de liminar no Habeas Corpus nº 22.571, sob a relatoria do ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça. Em síntese, a inicial de folha 2 a 14 revela:

a) a prisão preventiva do paciente foi decretada pelo Juízo da 34ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, bem como a de outros vinte réus;

b) o paciente foi denunciado em 28 de maio de 2002, como incurso nos crimes previstos nos artigos 12, § 2º, inciso III, e 14 da Lei nº 6.368/76, e 10, § 2º, da Lei nº 9.437/97, combinado com o artigo 29 do Código Penal;

c) a denúncia envolveu vinte e um acusados;

d) correram, em separado, os Inquéritos nºs 1/2001 e 10/2002, este último a envolver o paciente;

e) a denúncia lastreou-se em degravações telefônicas;

f) deu-se o apensamento dos inquéritos, bem como a decretação conjunta das prisões;

g) o requerimento do Ministério Público assentou-se em “possibilidades abstratas e infundadas”, no que concerne ao paciente;

h) ao formalizar as prisões, o Juízo teria aludido genericamente à organização criminosa, voltada ao tráfico de entorpecentes, assentando a possibilidade de os denunciados criarem sérias dificuldades no decorrer da instrução criminal, obstaculizando a aplicação da lei penal, notando-se, na cidade do Rio de Janeiro, guerra entre os traficantes, sendo que a conduta dos denunciados transparece “altamente perniciosa à sociedade, o que coloca em risco a ordem pública, pois ofende o sentimento de dignidade de qualquer cidadão, projetando induvidosamente o estado de comoção social, notadamente em relação aos que experimentaram nefasto conhecimento dos fatos”;

i) em 5 de junho de 2002, o paciente apresentou-se espontaneamente ao Juízo, revelando com isso a disposição de colaborar com a Justiça e de obedecer às determinações dela emanadas;

j) a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro indeferiu habeas corpus, adotando como razões de decidir o parecer do Ministério Público;

k) a preventiva conflita com a presunção de não-culpabilidade prevista na Carta da República;

l) no Superior Tribunal de Justiça, deu-se o indeferimento de plano da liminar em face da ausência do acórdão consubstanciador do ato de constrangimento;

m) anexada a peça, o relator, no último dia de expediente do primeiro semestre de 2002, ou seja, em 1º de julho de 2002, indeferiu a liminar.

Assevera-se a insubsistência dos motivos da preventiva no que, de forma genérica, aludiu-se à probabilidade de existirem óbices à aplicação da lei penal, sem se descrever, todavia, dado concreto suficiente a essa conclusão. Ressalta-se a impossibilidade de ter-se, nos fatos lançados na denúncia, base para a custódia, não havendo notícia de ameaça a testemunhas, mesmo porque as arroladas pela acusação guardam a qualificação de policiais civis e militares. Quanto aos malefícios do tráfico, teria sido olvidada a atividade exercida pelo paciente, cantor popular de projeção. Articula-se com jurisprudência sobre a excepcionalidade da preventiva e requer-se, ante a circunstância de o Superior Tribunal de Justiça somente voltar a atuar em agosto próximo, a concessão de liminar, a fim de ser assegurada ao paciente a liberdade “até o julgamento final” da impetração submetida à citada Corte. Juntaram-se aos autos os documentos de folha 15 a 69.

2. É de salientar mais uma vez, no campo simplesmente pedagógico, a impossibilidade de elegerem-se obstáculos em se tratando da ação constitucional de habeas corpus, no que voltada à preservação da liberdade. A medida é cabível quer no caso de decisão monocrática ou de colegiado, definitiva ou precária, sendo suficiente que se tenha a configuração de ato ilegal de constrangimento. Impetrações sucessivas guardam sintonia com a ordem jurídica e constitucional, podendo ocorrer até mesmo a repetição, perante idêntico órgão, do habeas. Para tanto, basta que se aponte fato não considerado na impetração anterior ou levado em conta sem a necessária análise. Assim, caso a caso, deve ser sopesada a pertinência do habeas, isso na hipótese de ataque a decisão precária e efêmera implementada, por outro Juízo, ante idêntica medida.

Feita esta observação, em respeito a certos precedentes, constatem-se os parâmetros da espécie. Conforme consta do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o paciente é primário e de bons antecedentes, possuindo não só domicílio, como também atividade ensejadora do acompanhamento público. É cantor popular de projeção. Pois bem, sem notícia de qualquer ato semelhante anterior, viu-se, consoante revelado por degravação, ligado a pessoas envolvidas com o tráfico, surgindo assim denúncia a atribuir-lhe a integração à quadrilha. Em suma, contando com vida profissional de inegável sucesso, foi denunciado pelo crime de tráfico de entorpecentes, passando, em certo processo, a ombrear com outros vinte acusados.

A prisão preventiva excepciona, é certo, a regra da presunção da não-culpabilidade. Para que isso realmente tenha lastro legal, indispensável é que se demonstre, no caso concreto, de modo cabal e não mediante simples suposições, o enquadramento no permissivo do artigo 312 do Código de Processo Penal. No caso dos autos, colocando-se os acusados – ao todo vinte e um – em vala comum, aludiu-se à integração em organização criminosa, mencionando-se a existência de “outros indivíduos não identificados”. A partir dessa premissa, assentou-se que criariam os denunciados, inclusive o paciente, sérias dificuldades à boa tramitação do processo criminal, citando-se o alto grau de organização e o grande poder de corrupção e intimidação do grupo. Acrescentou-se a existência de guerra entre traficantes e o sentimento de indignidade dos cariocas. Ora, em relação ao paciente, esses fatos mostraram-se vazios, não havendo referência específica a qualquer procedimento que pudesse respaldá-los. Ao que tudo indica, considerou-se, isto sim, a lamentável quadra no Rio de Janeiro, em que traficantes, verdadeiros traficantes, assumem nos morros cariocas papel que deveria ser desempenhado pelo Estado, considerada a assistência às populações carentes e até mesmo uma certa estabilidade na vida gregária. O ato relativo à preventiva, para se tornar merecedor de endosso, deveria fazer-se ao mundo jurídico com referência a dados concretos ligados ao paciente, e isso, fora o diálogo, noticiado, por sinal, apenas na denúncia, em que teria afirmado estar disposto a receber certa quantia emprestada em arma, não aconteceu. A sociedade não aceita a situação vivida. Se isso é certo, não menos verdadeiro é o interesse na preservação dos ditames do devido processo legal, dos ditames constitucionais, sem atropelos e, portanto, sem açodamentos. O paciente viu-se envolvido no episódio e, uma vez decretada a preventiva, apresentou-se ao Juízo. Mais do que ninguém, tem interesse no esclarecimento dos fatos, sendo impróprio enquadrá-lo como de periculosidade, nivelando-o a outros acusados, como é o caso de Elias Ferreira da Silva, vulgo Elias Maluco, já com ficha penal condenável. Que se aguarde o desfecho da ação penal, a elucidação, a cargo do Ministério Público, de prática suficiente ao enquadramento nos tipos legais, alfim, a formação da culpa indispensável ao cerceio da liberdade, bem maior que, uma vez perdido, e chegando-se à absolvição, não é passível de restituição, somente restando ao prejudicado responsabilizar o Estado pelo dano sofrido. Apenas assim serão observados, ante as peculiaridades notadas em relação ao paciente, os parâmetros constitucionais, o Estado Democrático de Direito. Impõe-se, em face da paralisação do Superior Tribunal de Justiça, como ocorre com as demais Cortes Superiores no mês de julho, providência que restitua ao paciente a liberdade de ir e vir. Aliás, é tempo de se repensar, diante da grande demanda de processos, as férias coletivas do Judiciário, evitando-se que tamanha estrutura fique suspensa durante dois meses no ano, o que, sem dúvida alguma, revela-se paradoxal. É tempo de se sopesar a valia das férias individuais, dando-se continuidade, no que tange ao julgamento de processos, à atuação do Judiciário, como ocorria antes da edição da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979.

3. Defiro a liminar, para assegurar ao paciente, tal como pedido, ou seja, até a apreciação do habeas impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça, a liberdade de ir e vir, valendo notar que o objeto desta impetração, até mesmo sob o ângulo da medida acauteladora, ficou jungido ao desfecho da impetração em curso na referida Corte e que foi autuada sob o nº 22.571.

4. Expeça-se o alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas legais, ou seja, caso o paciente não se encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso do alusivo à prisão preventiva analisada e que diz respeito ao Processo nº 2001.001.142312-3, em curso na 34ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Alerte-se o paciente para a impossibilidade de, sem autorização do citado Juízo, deixar o distrito da culpa, devendo atender, de imediato, aos chamamentos judiciais.

5. Publique-se.

Brasília, 11 de julho de 2002.

Ministro MARCO AURÉLIO

Presidente

HC 82.165

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