Tantas emoções

O amor profundo ao Direito e a vida intelectual na magistratura

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11 de julho de 2002, 13h41

Com o tempo tombando sobre os ombros, vejo relembrado meu já nevoento percurso pelo rito acadêmico, com passagem pelos degraus da Carreira universitária federal e pela administração pública, participando de congressos e encontros culturais, proferindo palestras freqüentando cursos e seminários, no Brasil e no exterior e, em particular, nas universidades de New Mexico, nos Estados Unidos e Pontifícia Católica (Javeriana), em Bogotá, na Colômbia. Atento aos ensinamentos do ECLESIASTES:

“Há tempo para semear, há tempo para colher ou mais precisamente a tempo de nascer e tempo para morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou”.

Recolho, assim, o prêmio prometido pelo estado aos seus servidores, no fim da carreira do magistério superior federal, após prestar 30 anos de serviços à causa do ensino jurídico, mormente, na gloriosa Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a antiga e tradicional Faculdade Nacional de Direito, a vibrante mansão jurídica da Rua Moncorvo Filho, mais precisamente do afamado Largo do Caco, palco de intimoratos pleitos estudantis, em prol da manutenção do Estado do Direito.

Daí minha indisfarçável emoção falar da anterioridade de meus sentimentos e falar do amor profundo que sempre dediquei ao direito – obsessão de minha vida intelectual – que faz vibrar a minha alma. Portanto, continuarei a cultuar o Direito intensamente no exercício da magistratura fluminense, posto que fazer justiça é mais do que um dever, é um propósito consciente do julgador, no pensamento de Voltaire.

Beijo, agradecido, o destino que Deus, Juiz dos Juízes, tão privilegiadamente me concedeu.

A propósito, trago a baila o Conto das Areias, de Hidro Shah:

“Certo rio, desde sua origem em distantes montanhas, depois de cachoar trepidante entre rochas num dinamismo dominador da natureza, devia desembocar nos obstáculos, tentou o rio atravessar este último, mas se deu conta de que suas águas desapareceriam nas areias, tão logo, as atingisse. Estava convencido de que o seu destino era cruzar o deserto: porém, não havia maneira. Então, uma voz recôndita, que vinha do alto, lhe sussurrou:

— O vento cruzou este deserto e assim pode fazê-lo este rio.

O rio objetou que o vento podia ir e voltar, porque estava acima da areia, ao passo que as suas águas iriam despejar-se fatalmente nas areias, sendo por estas absorvido.

Aí diz o vento:

— Permita que o vento o leve ao seu destino.

— Porém, como pode isto suceder, obtempera o rio.

— Consinta em que o vento o leve a seu destino.

Malgrado a hesitação do rio que desconfiava da promessa, o vento levantou as águas, transpôs o deserto e fê-las cair numa campina verdejante, onde o rio tomou o seu curso.

O Direito se assemelha ao destino daquele rio lendário.

Ele corre manso ou espadanando em corredeiras, vem do alto da cordilheira ou emerge do fundo da terra, traz a fonte da vida e tem um fadário a cumprir. Um dia depara com a ameaça inarredável de desaparecer melancolicamente nas areias do deserto. É ai, então, que o vento benigno, num milagre da natureza, o alça e o transporta para o outro lado, a fim de que retome o seu curso, continuando a alimentar os seres e a fecundar os vergéis.

Este prodígio tem lugar sempre que o direito corre o risco de se perder.

Eu não sei se fora do mundo há direito, o que sei é que o mundo fora do direito não pode viver, prosperar e ser feliz.

E aguardando a proteção divina, sem a qual tudo será em vão, permito invocar o SALMO DE DAVI:

“Faz-me, SENHOR, conhecer os Teus caminhos, ensina-me as Tuas veredas. Guia-me na Tua verdade e ensina-se, pois, Tu és o Deus de minha salvação em quem eu espero todo o dia”.

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