Solução de conflitos

Conheça estudos sobre a exceção de Pré-Executividade

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4 de julho de 2002, 12h02

Frente à morosidade na entrega da prestação jurisdicional, algo que não é inusitado na história, nem exclusividade brasileira, procurou-se, com inteira razão, meios para combatê-la, já que aquele que ajuíza uma ação, não pode aguardar uma eternidade para vê-la solucionada, tendo reconhecido o direito perseguido quando, talvez, seja tarde demais, ou mesmo após experimentar prejuízo possivelmente irreparável. Daí, a preocupação com a efetividade do processo.

Aliás, essa preocupação mudou, ou, quando menos, tenta mudar o centro das atenções e da estrutura mesma em que montado o processo civil que, antes, tinha o réu como centro de suas atenções e, agora, quer que o autor ocupe esse lugar.

Conquanto razoável essa posição, não se pode, ainda que sob o signo de tão nobre propósito, relegar ao oblívio e/ou ignorar que aquele que ocupa o pólo passivo, seja como réu, num processo de conhecimento, ou executado, num processo de execução, também possui direitos que hão de ser respeitados.

Em outras palavras, tendo como louvável a ambição do processo civil, que “quer ser um processo de resultados”, como bem salienta Rangel Cândido Dinamarco(1), há de cuidar para que o resultado não vise apenas uma das partes, ou, na aguda observação de Alberto Camiña Moreira: “Ninguém nega aplausos ao propósito de acelerar-se a prestação da jurisdição. Mas o processo civil é processo de resultado e não processo civil do autor”. (2)

Fique claro que não se está, aqui, advogando a idéia de supremacia da figura do réu ou do executado, no processo respectivo, não, absoluta e definitivamente não, apenas estamos realçando que não basta mudar de parte, do réu ou executado, para o autor ou exeqüente, para solucionar a questão da demora na entrega da prestação jurisdicional, além do que é preciso cuidado para não se cometer injustiças ou ferir princípios garantidos pela Constituição Federal, com esse procedimento, ainda mais porque, como se não desconhece e a prática assim demonstra, nem sempre o autor ou exeqüente tem o direito que alega possuir.

Com razão, portanto, o juiz e professor Olavo de Oliveira Neto, ao asseverar que:

“Porém, se de um lado todos se preocupam com a efetividade do direito daquele que promove a ação, seja de conhecimento, seja de execução, pouco se fala em efetividade do processo quando esta tem em vista proteger a parte passiva na hipótese em que esta, evidentemente, possui razão.

Ora, nem sempre é a parte ativa que possui o direito. Esta, quando vai a juízo, faz uma afirmação de direito, que nem sempre condiz com a realidade. Em outros termos, devido à abstração do direito de ação, o autor pode acionar o Judiciário e pedir a prestação da tutela mesmo que saiba não possuir o direito que invoca. Pode agir mesmo que seja de má-fé”.(3)

E para que não reste abalado o ideal de efetividade do processo, o referido processualista adverte e fixa o seguinte:

“Assim, como não há direito de ação sem o respectivo direito de defesa, que segundo se entende é a outra face de uma mesma moeda, também não existirá a verdadeira efetividade no processo se a preocupação limitar-se à efetivação do direito da parte ativa, esquecendo-se que o direito da parte passiva também há de ser protegido pelo sistema. Em outros termos, deve-se amparar aquele que possui o direito, independentemente da posição que ocupa no processo, já que esta é meramente circunstancial”.(4)

Referindo-se ao processo de execução, sobre o qual passaremos a centralizar nossas atenções, o brilhante advogado e professor José Rogério Cruz e Tucci, a quem muito estimamos, em um parágrafo repleto de ensinamentos, dilucida que:

“Se, de um lado, o credor, em busca da satisfação de seu direito, dispõe do instrumento consubstanciado no processo de execução, que o coloca em privilegiada posição, não pode ser olvidado que, de outro, deve ser resguardado ao devedor o devido processo legal, em toda sua dimensão, inclusive com a assecuração de um de seus corolários, qual seja a garantia de amplo acesso à Justiça”.(5)

Insistimos em que o que nos move não é o desejo de que seja dada proeminência a qualquer das partes, numa relação jurídica-processual; manifestamos, tão-somente, nosso sentir, de que não basta mudar o peso em um dos lados da balança, para alcançar maior celeridade na entrega da prestação jurisdicional.

Prova do que vimos de afirmar é que não discutimos a superioridade que ao credor há de ser conferida, no respeitante processo e atento às finalidades e objetivos no mesmo perseguidos.

Com efeito, nessa espécie de processo, há lembrar que “as partes – credor e devedor – se encontram em situações desiguais, consideradas a natureza e a finalidade da relação processual… E, no processo de execução, o aparelho jurisdicional do Estado funciona a serviço do credor, para satisfazer-lhe o crédito”.(6)


Todavia, essa posição de vantagem do credor não significa, longe disso, que, aquele apontado como devedor não possua direito algum de se manifestar, NO PRÓPRIO PROCESSO DE EXECUÇÃO, ANTES MESMO DE ESTAR GARANTIDO O JUÍZO, como veremos, mesmo porque “a posição privilegiada do credor que possui uma situação favorável criada antes do processo executivo em nada interfere nesta nova relação (processual) que irá se formar”(7), pelo que, por óbvio, não se pode impedir a efetiva participação do devedor, no processo de execução contra ele movido.

Conjugando-se todos esses fatores, o combate contra a morosidade na entrega da prestação jurisdicional, com a necessidade de se evitar que o credor fique uma eternidade ou, para não utilizar vocábulo que, melífluo em outras situações e pensamentos, pode soar dolorosamente, em se cuidando de um processo judicial, fique aguardando um tempo excessivamente longo, para ter satisfeito seu crédito, e não relegando ao oblívio que a situação não se resolve com o se dispensar mais atenção ao exeqüente, somente, cabendo garantir o direito do devedor de participar do correspondente processo, temos aí os pressupostos necessários e justificadores da denominada exceção de pré-executividade. Expliquemo-nos melhor.

Pacífica a distinção entre os processos de conhecimento e de execução. Com já disse o juiz Willian Couto Gonçalves, em brilhante decisão: “Naquele o juiz conhece, sente (de sentire) e julga. Neste o juiz executa”(8), ou seja, no de conhecimento é preciso saber o que aconteceu, avaliando, para decidir, o que não se passa no processo de execução, daí porque afirma Ernane Fidélis dos Santos que:

“Em razão de suas finalidades, o processo de execução não se orienta pelos mesmos princípios do processo de conhecimento. Neste, a atividade do juiz se desenvolve no sentido de solucionar a lide; naquele, nada há a decidir, a não ser questões incidentais (casos, por exemplo, da penhorabilidade de bens, regularidade de citação, problemas de depósito etc). Na execução, o objetivo da atuação jurisdicional é de se fazer realizar o que já está devidamente acertado”.(9)

Aliás, o processualista Cândido Rangel Dinamarco, sempre citado, conceitua a execução “como uma cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito objetivo material”(10); esse conceito confirma que, na execução, o que se quer é realizar o direito do credor e, para tanto, se procura obstar (evidentemente, dentro de limites, como o respeito à pessoa do executado e sua dignidade, evitando-se injustificáveis excessos etc), que o devedor impeça e/ou venha a procrastinar que isso se dê, mesmo porque, atendidas as condições e os pressupostos próprios e adequados para dar “partida” à execução, o exeqüente tem o direito de exigir do Estado que atue, visando à satisfação de seu crédito.

Comentando, precisamente, acerca do trecho retro-reproduzido, do professor Dinamarco, observa José Antonio de Castro que:

“Desse conceito podemos extrair a afirmativa de que o credor tem o poder de reclamar do Estado o emprego do processo de execução para ver seu direito satisfeito integralmente; e o devedor não poder impedir que essa atividade se desenvolva à custa do seu patrimônio”.(11)

Talvez por isso (lembrando que a palavra “talvez” é considerada pelo inesquecível escritor Alexandre Dumas como a “quintessência de todas filosofias”)(12), Mário Aguiar Moura sinta “que o ordenamento aparelhou a execução de maneira a estrangular ao máximo uma possível inconformidade do devedor, cuja sujeição no processo é clara, e oferece presteza na consecução do resultado prático objetivado no processo”.(13)

O já citado José Antonio de Castro, em passagem profunda, diz que o “devedor é tratado de modo especial pela lei porque, por força da situação, quase sempre é tergiversador, se não chicaneiro”(14); para os que enxergam nesse modo de ver exacerbado descrédito para com o ser humano/devedor/executado em processo judicial, cabe obtemperar que a experiência do dia a dia nas lides forenses demonstra que o indivíduo, regra geral, até admite perder um processo, mas pagar, sofrer alguma redução patrimonial, aí não, e nesse momento se vê como é inesgotável o engenho humano, voltado para a arte de “segurar” o próprio patrimônio, o que não significa que isso aconteça em 100% dos casos, embora fique próximo disso, pois há, se não bons, mais conformados pagadores, pessoas cientes de que há limites de atuação, num processo judicial, como, de resto, na generalidade das atividades humanas, à essas pessoas, nossos cumprimentos e homenagens!


Tudo isso considerado, fica claro e bem justificado porque, no processo de execução não há cuidar de espaço para apresentação de defesa, por parte do executado, a quem cabe apenas satisfazer a obrigação ou atacá-la, não já no próprio processo de execução, mas via embargos do devedor, tidos como ação incidente à execução, mesmo porque, cabe frisar bem, defesa, como se tem no processo de conhecimento, é algo que provoca inconciliável cizânia no de execução, pelos diferentes fins perseguidos em um e no outro.

O ilustre professor Ovídio A. Batista da Silva ensina que, quanto ao processo de execução, nele não há “lugar para defesa do demandado. Melhor dizendo, não existe nele nem mesmo a figura de um demandado, assim como este é considerado no `processo de conhecimento`. Existe o devedor condenado que a sofre e que não dispõe de outro meio para livrar-se da execução senão atacá-la, por sua vez, com uma demanda inversa, dirigida contra o credor, que seja capaz de desfazer o título executivo com base no qual a execução se processe”.(15)

Por seu turno, o festejado professor e desembargador Araken de Assis, magnificamente, dilucida que:

“…o processo executivo não comporta a defesa do devedor, necessariamente dirigida à desconstituição da pretensão a executar, que se realizará, nesta contingência, através de ação autônoma. Há inequívoca incompatibilidade funcional na convivência de atos executivos com atos de índole diversa, simultaneamente, na mesma estrutura (processo). Esta é a idéia fundamental posta à base dos embargos do executado.

Como quer que seja, a idéia de que os embargos constituem ação incidente à execução é universal”.(16) E para o preclaro e sempre citado Manoel Antonio Teixeira Filho:

“Na execução não pode o devedor, contudo, impugnar o título executivo, pois isso não se conforma à natureza e à estrutura desse processo; pondo à frente tais particularidades da execução, o legislador instituiu, na verdade, um outro processo, distinto do de execução, mas que a ele se vincula por uma íntima conexão. Os embargos do devedor representam, pois, processo que não se confunde com o de execução, conquanto tenha, neste, o seu pressuposto legal. Os embargos em exame traduzem característico processo cognitivo, que se dirige ao proferimento de uma sentença de índole constitutiva, apta a desfazer, total ou parcialmente, o título em que se funda a execução”.(17)

Assim, a regra é a de que o executado não pode defender-se no próprio processo de execução contra ele movido, se quiser, poderá, via embargos do devedor, contra-atacar, pois neste cabe uma atividade cognitiva com uma extensão incompatível com aquele.

Todavia – importante realçar – para oferecer embargos, o devedor haverá, antes, de garantir o juízo.

Como lembra o professor José Afonso da Silva, citando Liebman, “o devedor não pode defender-se diretamente na execução invocando qualquer espécie de defesa, inclusive os fatos extintivos do crédito, que constituem neste plano armas sem gume. Por exemplo, quando citado inicialmente para a execução, não pode apresentar-se ao juiz e querer provar que pagou sua dívida. O juiz não pode ouvir e deve mandar prosseguir a execução. O único meio de que o executado dispõe são os embargos, que poderão ser promovidos em tempo e forma devida e, para maior garantia do exeqüente, só depois de seguro o juízo pela penhora ou depósito da quantia devida”(18); será que não poderá mesmo o juiz ouvir o executado, nessa circunstância?

Hugo de Brito Machado referindo-se, exatamente, ao ensinamento retro-transcrito, sustenta “que se deve abrandar o rigor desse entendimento. Assim é que, se o executado, citado, comparece perante o juiz e apresenta prova inequívoca do pagamento, o juiz deve ouví-lo. Deve examinar a prova que lhe é apresentada, e determinar que sobre a mesma se manifeste o exeqüente.

Não estará, com isto, recebendo embargos, mas oferecendo ao exeqüente uma oportunidade para desistir da execução, se for o caso. E tanto não estará o juiz recebendo embargos que, se o exeqüente insistir no prosseguimento da execução o juiz atenderá, sem proferir julgamento, sem apreciar a prova oferecida pelo executado”; essa passagem consta da Repro nº 24, de outubro-dezembro de 1981, pág. 112, e nela já se lobriga a idéia que se contém na exceção de pré-executividade, embora de maneira não completa e límpida.

Sim, porque, além da correta conclusão acerca da necessidade de “abrandar o rigor” do entendimento suso-mencionado, imprescindível ir mais longe, pois, se inequivocadamente provado o pagamento, não há razão para se prosseguir com uma execução que, daí em diante, não mais se justificaria.

“Para que possa ter lugar a realização coactiva duma prestação devida (ou do seu equivalente), há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação:


a) o dever de prestar deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de carácter formal, que extrinsicamente condiciona a exeqüibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva.

b) a prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida. Certeza , exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material, que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da pretensão”.(19)

Embora tendo em vista o direito processual português, podemos usar da lição acima do mestre lusitano José Lebre de Freitas para fixar o que é preciso restar atendido para que possa ter início e validamente prosseguir, o processo de execução; ora, na situação acima figurada, em que o suposto devedor demonstra haver já pago o que antes devia, fazendo-o de maneira inequívoca, no próprio processo de execução, o que justificaria e/ou autorizaria prosseguisse a execução, máxime tendo-se retido na memória os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior que, calcado em Calamandrei, como ele próprio assevera, diz que “pode-se afirmar que ocorre a certeza do crédito, quando não há controvérsia sobre sua existência (an); a liquidez, quando é determinada a importância da prestação (quantum); e a exigibilidade, quando o seu pagamento não depende de termo ou condição, nem está sujeito a outras limitações”?(20)

Evidentemente, nada, a não ser a arraigada idéia de que o executado não pode se opor à execução, a não ser pela via dos embargos, e ainda a de que na execução não há contraditório, poderia servir de resposta.

No que tange aos embargos, não está aos mesmos limitada a atuação do executado, eis que, consoante entendimento já vitorioso na doutrina e na jurisprudência, há outros meios de agir dos quais pode o executado valer-se, para opor-se a uma execução injusta e/ou ilegal contra ele assestada, sem ter, primeiramente de garantir o juízo, porquanto, com observa Sérgio Shimura “embora a lei só preveja a via dos embargos como forma de o devedor deduzir as suas defesas (arts. 741 e 745, CPC), em nossa sistemática processual é perfeitamente viável o reconhecimento ou o oferecimento de defesas antes da realização da penhora”.(21)

De sua parte, o professor Galeno Lacerda, com toda autoridade que seu vastíssimo conhecimento jurídico lhe dá, afirma que “na defesa do executado, há exceções prévias, lato sensu, que afastam a legitimidade da própria penhora, já que esta, como é notório, pressupõe a executoriedade do título. Se o título não for exeqüível, não tem sentido a penhora, desaparece seu fundamento lógico e jurídico”.(22)

Enfim, desde o parecer do insuperável Pontes de Miranda, o que não significa que ele tenha sido o primeiro a tratar do assunto, em caso envolvendo pedidos de falência contra a Companhia Siderúrgica Mannesmann, referido por praticamente todos quantos abordam o tema ora em exame, no sentido de que a “penhora ou o depósito somente é de exigir-se para a oposição de embargos do executado; não, para a oposição das exceções e de preliminares concernentes à falta de eficácia executiva do título extrajudicial ou da sentença”(23), se aceita e admite que o executado tem outros meios de reagir à execução contra ele movida.

Examinando objetivamente a situação e com o espírito desarmado e/ou receptivo, percebe-se que o credor não tem absoluta disposição do processo de execução, e sua proeminência, exige a existência de título executivo, como tal reconhecido pelo ordenamento jurídico e apto a desencadear, validamente, um processo de execução.

Realmente, porquanto, em não sendo assim, ou seja, não havendo título executivo apto a sustentar a execução, a mesma não há prosseguir, devendo ser extinta o quanto antes, sem necessidade alguma de que se aguarde estar seguro o juízo, para, só então, ser alegado e/ou apontado algo que comprove, de maneira irrespondível, que o respeitante processo não tem porque prosseguir; aliás, como se não desconhece:

“Cumprindo, pois, sua função jurisdicional, o juiz não pode vincular-se a qualquer pretensão executória, se ela não se fundamenta em causa reconhecida por lei.

A execução tem por base sempre um título, isto é, determinada causa que fundamente o direito. Referido título adquire sua característica de executividade, se portador de requisitos substanciais e formais, reconhecidos pela lei”.(24)

Apenas, pois, se atendidos os pressupostos legais, os pressupostos exigíveis para que possa medrar o processo de execução, é que o credor estará numa certa posição de vantagem e o devedor, se quiser defender-se, terá de fazê-lo via embargos, e após seguro o juízo; note-se bem, só há cuidar de garantir o juízo, se se tratar de execução regularmente promovida, do contrário não se pode aceitar como razoável qualquer limitação e/ou invasão ao patrimônio do executado, o que levaria a uma interpretação nada razoável do que almejou o legislador, ao determinar a garantia do juízo para que pudesse o executado, em sede de embargos, tentar tirar a força do título executivo que se encontra à base da execução contra ele direcionada.


Valiosos – como sempre, aliás – os ensinamentos do professor Galeno Lacerda, a respeito do que vimos de sustentar:

“Assim, se o atual CPC exige, no art. 737, I, a segurança prévia do juízo pela penhora, para admissibilidade dos embargos do executado, claro está que a regra pressupõe execução normal com obediência aos pressupostos da ação executória.

Se esses pressupostos ou condições inexistem, ou ocorre grave suspeita em tal sentido, constituiria violência inominável impor-se ao injustamente executado o dano, às vezes irreparável, de penhora prévia, ou, o que é pior, denegar-lhe qualquer possibilidade de defesa se, acaso, não possuir ele bens penhoráveis suficientes.

Se se aceitar tal absurdo, qualquer empresa ou pessoa de bem estará exposta à sanha de aventureiros. Basta que contra ela forjem um título falso, de alto valor, acima do patrimônio da vítima, para que lhe tolham toda e qualquer oportunidade de defesa, pela insuficiência de penhora.

Evidentemente, lei nenhuma poderá ser interpretada deste modo, com conseqüências de tal ordem”. (25) Do mesmo sentir o preclaro Luiz Edmundo Appel Bojunga:

“A regra do art. 737, I e II, do CPC, que condiciona os embargos do devedor à prévia segurança do juízo pela penhora ou pelo depósito, cede quando interpretada de modo racional, pois muitas vezes o patrimônio do executado é, até mesmo, insuficiente para garantia de um processo manifestamente irregular. Impossibilitar a defesa do executado, nestes casos, concedendo ao credor inescrupuloso a tutela vantajosa do processo executório, sem formas de oposições incondicionadas, não parece ser o melhor caminho para o Direito”.(26)

Importante, para o ponto ora em exame, pela sua clareza e profundidade, o posicionamento de Ricardo Amin Abrahão Nacle, “verbis”:

“Todavia, exceções há em que, o suposto credor abusa do seu direito de ação ou a relação processual padece de vícios intransponíveis, circunstâncias estas em que a penhora advém como odiosa, trazendo conseqüências desairosas ao devedor e, por, fim, movimentando a máquina do judiciário de forma desnecessária, donde, então, consonante com algumas disposições da teoria geral do processo que, desde sempre, devem obediência aos princípios, de índole constitucional, do devido processo legal, do contraditório e da razoabilidade, defluirá a nominada exceção ou objeção de pré- executividade”.(27)

Por tais razões é que se torna necessário superar o “ethos” de aguardar e apenas em sede de embargos permitir a insurgência do devedor, para, só então, resolver questões que podem – e mesmo devem – ser resolvidas no próprio processo de execução.

Daí, também, advertência do grande professor Cândido Rangel Dinamarco, no sentido de ser “preciso debelar o mito dos embargos”(28), aviso esse mencionado por quase todos os que se debruçaram sobre o tema ora enfocado. Porém, talvez, no particular, caiba a justificativa de que esse “mithos” deve-se ao fato de que deitou raízes a idéia de que o executado somente poderia se insurgir contra a execução por meio dos embargos e, como se sabe, as idéias, quanto mais tempo permanecem aceitas, mais sólidas parecem ficar, o que reclama algum tempo e fortes razões para atingir suas bases, as concepções que, por seu intermédio ganharam força e espaço, o que se dá, não apenas no meio jurídico, mas no geral.

Deve ter contribuído um tanto, para que as coisas chegassem a esse ponto, o entendimento de que não há lugar para o contraditório, no processo de execução, posicionamento este, hodiernamente, já modificado, estando já claro e compreendido que o princípio do contraditório está presente, sim e também, quando de execução o processo de que se trata.

O culto advogado Maurício Lindenmeyer Barbieri dilucida que: “No processo de execução não se podendo considerar o executado mera (sic) sujeito passivo da execução, cabendo-lhe todo direito de nela participar para fiscalizar seu andamento, evitando abusos e concorrendo para a sua realização de acordo com os ditames da lei e da justiça, sendo assim indiscutível ocorrer aí também o contraditório”.(29)

Outro ilustre advogado e professor, Ovídio A. Baptista da Silva, demonstra, de maneira irretorquível, a necessidade do contraditório na execução; são suas as seguintes palavras:

“Além disso, o sistema jurídico brasileiro subordina-se ao pressuposto constitucional que impõe, além do respeito do contraditório em todos os procedimentos, sejam eles jurisdicionais ou não, a observância da plenitude de defesa (Constituição Federal, art. 5º, LV), de modo que não seria possível conceber a existência de exceção tão radical a esse princípio, justamente no processo executivo, produtor de conseqüências sabidamente graves e definitivas”.(30) Com aguda observação, sustenta Sérgio Shimura que:

“Sem contraditório, a atividade executiva sequer chegaria à dignidade de ser havida como processo, o seu resultado seria inconstitucional já que o despojamento patrimonial do executado dar-se-ia sem a ampla defesa (art. 5°, LV, CF). É preciso que ambas as partes tenham oportunidade de dizer sobre os atos a praticar”.(31)

Todos esses aspectos, em seu conjunto, demonstram, à saciedade, que, como salientado, há fortes razões, a justificar e mesmo comprovar a necessidade, de se permitir ao executado que se volte contra a execução que se lhe move, no próprio e respeitante processo, sem necessidade de primeiramente, garantir o juízo e, depois, oferecer embargos, o que é feito pela denominada exceção de pré-executividade.

Não se desconhece que há vozes, autorizadas, que não aceitam reação do executado sem prévia garantia do juízo, como a do notável processualista Alcides de Mendonça Lima, para quem:

“…Pela amplitude das ‘exceções de pré-executividade’, torna-se quase impossível imaginar uma situação que, portanto, possa condicionar os embargos ao oferecimento de bens à penhora…”(32)

Parece ser do mesmo sentir, ou, pelo menos, não nutrir grande simpatia pelo instituto em questão, o juiz e professor Marcelo Lima Guerra, que, ao comentar a posição, justamente, de Alcides de Mendonça Lima, autor acima mencionado, ponderou que: “De fato, este ilustre processualista teceu duras e , ao que parece, irrespondíveis críticas à aceitação do posicionamento ora comentado”.(33)

Com todo o respeito que esses renomados juristas merecem, força é convir que a posição por eles sufragada não é a amplamente majoritária, tanto na doutrina, como na jurisprudência, além do que, relevante notar, não é por inexistir previsão legal específica, regulando a exceção de pré-executividade, que a mesma não pode ser utilizada, já que se extrai do nosso sistema jurídico-processual o quanto preciso para autorizar seu emprego.

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