Febre de ações

Ações indenizatórias

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4 de julho de 2002, 17h14

Escrevo para comentar sua coluna, que fala sobre “A febre de ações indenizatórias”.

Inicialmente, se as ações indenizatórias por dano moral aumentaram nos 50 últimos anos, foi porque a consciência popular, e, principalmente, a consciência do consumidor, aumentou.

E sobre os casos apresentados, a senhora acha que eles não causaram prejuízos aos autores?

No primeiro caso, “O programa não atendeu o pedido da família e cedeu as imagens para o SBT que foram veiculadas em cadeia nacional”. Não basta ver o túmulo de um parente ser violado regionalmente, a pessoa ainda deve suportar ver o túmulo de um parente ser violado nacionalmente e sorrir?

No segundo caso, de Minas Gerais, em que “A família e os amigos tiveram que esperar três horas”, sendo que “o túmulo anteriormente acertado estava disponível”, o consumidor (família do morto) deve ficar esperando sorrindo pela boa vontade do fornecedor/prestador de serviços? A senhora também deve gostar de ficar no banco por dois ou três horas, talvez. Eu não.

No terceiro caso, do extravio da bagagem do maestro. Não se pode julgar o caso sem conhecer uma orquestra e o formalismo que uma apresentação envolve, incluindo os parâmetros especiais e as roupas extravagantes, principalmente do maestro (a “cara” da orquestra).

E se o maestro descobre estar sem suas roupas, cuidadosamente preparadas, num sábado à noite? Terá ele tempo para fazer uma roupa apenas para a apresentação?

Além disso, será tão difícil para uma empresa de aviação pegar uma mala e colocá-la no avião? O mesmo vale para o quarto caso.

No quinto caso, indago: se a senhora não pagar a conta de água, conseqüentemente terá a água cortada. E isso é chato, não? Então, como será ficar um mês sem água TENDO PAGO a conta?

Pode se ver que o consumidor não estava querendo ficar “rico”, como os jornalistas adoram dizer com as ações de indenização, já que pediu o pagamento de R$600,00 na tentativa de um acordo. Como o consumidor teve que acionar a empresa, teve sua indenização fixada em R$3.600,00.

Claro que a senhora pode dizer que foi o consumidor o culpado pela teimosia da fornecedora de água. Afinal, esses consumidores são tão vorazes em sua sanha enriquecedora….. Nem parece que é a Telefônica que está mandando cartinhas em que diz que vai cobrar valores que ninguém sabe de onde saíram. Mas coitadinha da empresa espanhola, ela tem que ter lucros astronômicos em algum lugar do mundo, não?

E, no sexto caso, será que encontrar um corpo estranho no seu alimento não causa dano moral? Pelo teor do seu artigo, a senhora considera que achar um canudo dentro de uma garrafa de refrigerante é algo normal, e não denota falta de higiene na fabricação dos alimentos.

A senhor deve imaginar que é alguma promoção, talvez. “Compre um refrigerante e já ganhe o canudinho dentro da garrafa”.

A moda agora, depois da luta pela flexibilização dos direitos trabalhistas (leia-se fim destes) é o fim das indenizações por danos morais.

De onde vem essa idéia? Talvez:

1 – Dos bancos, que não querem arcar com as besteiras que costumeiramente fazem nem com o mau atendimento aos clientes, apesar dos ganhos BILIONÁRIOS que têm?

2 – Das empresas de automóveis, que fazem “recalls” secretos?

3 – De empresas privatizadas que cobram o que querem da população, com o aval dos governantes tucanos?

4 – De cantores de pagode e sertanejo que atropelam e matam pobres, e depois vão chorar em programas de televisão?

5 – De empresas que diminuem a quantidade da embalagem do produto e cobram o mesmo por menos?

6 – De farmacêuticas que vendem anticoncepcionais de farinha?

7 – De empresas que vendem alimentos transgênicos em segredo e de forma ilegal?

8 – De multinacionais químicas que expõem funcionários a produtos perigosos?

9 – De jornalistas que acusam sem provas e humilham em cadeia nacional?

Já tramita no Congresso projeto para tarifar os danos morais. É a ponta de lança da Operação “abafa a conscientização do brasileiro”? Quem mais participa dela? A Polícia Federal e seus ofícios fraudulentos?

Que tal a imprensa também lutar pelo fim da Lei de Imprensa? Aí, os jornalistas poderão responder verdadeiramente pelos danos que causam aos cidadãos, sem a hipocrisia da “indenização tarifada”.

Nos Estados Unidos a Erin Brokovich lutou pelos cidadãos expostos a danos de saúde. No Brasil a Ellen Gianazzi luta contra as indústrias do amianto. Nesse país, muitas pessoas como a senhora, querem sufocar a luta pelos direitos da população, acusando a luta justa de “febre”.

Já que a senhora quer uma boa reportagem, que tal falar sobre os casos de contaminação nos postos de gasolina em São Paulo investigados pela CPI da Câmara? Ou das pessoas contaminadas pelo Pólo Petroquímico de Capuava, em Santo André (SP)?

Mas, não, ao invés de enfrentar os tigres que matam aos poucos (ou de uma vez só) a população, a senhora vai contra o gatinho recém-nascido e ainda sem dentes das indenizações por danos morais.

Parabéns.

Imagine no futuro, quando todos os brasileiros forem escravos das grandes corporações multinacionais que restarem. E estas empresas fizerem o que quiser aqui no Brasil, como vender alimentos envenenados e pagar R$50,00 de indenização pela vida da vítima? A senhora poderá estufar o peito com orgulho e dizer: “eu lutei para acabar com a maligna indústria de indenizações que se formava no Brasil!”.

E alguns ainda reclamam que parte das famílias dos mortos no avião da TAM que caiu em São Paulo. Há uns 5 anos, ingressaram com ações de indenização nos Estados Unidos. Ora, aqui no Brasil a imprensa é a primeira a condenar a indenização por danos morais! Como esperar a Justiça aqui, com a mídia lutando contra você?

Falando nisso, a febre é um sintoma de que o organismo está doente. E qual é a doença? A população buscando seus direitos através do Judiciário, ou empresas que não respeitam o consumidor e a população em geral?

Espero que as considerações acima sejam levadas em conta na realização das futuras reportagens publicadas no site. Elas que costumam se pautar pela conduta imparcial e esclarecedora dos problemas jurídicos da realidade brasileira (incluindo reportagens da própria senhora Ana Cláudia), não como consta na presente reportagem que, desde o título, toma uma posição tendenciosa e claramente em favor do mais poderoso social e economicamente, em prejuízo da população.

Atenciosamente,

Evandro Monteiro Kianek

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