Caso TRT-SP

Veja a sentença que absolve o ex-senador Luiz Estevão

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1 de julho de 2002, 19h42

Quanto à suposta fraude nos pareceres dos peritos Carlos Gama e Gilberto Paixão, não se pode afirmar que obraram com fraude.

Reporto-me à decisão que rejeitou a denúncia contra os mesmos (fls.2494/2506), onde restou consignado que as condutas de ambos, conforme narrada na denúncia, não se caracteriza como crime.

Acrescente-se que a questão essencial é perquirir se seus pareceres, no conteúdo, eram inverídicos relativamente à justificativa do reequilíbrio financeiro e à medição do cronograma da obra, o que não restou devidamente esclarecido, conforme acima expendido. Por esta razão, não se poderá afirmar que suas condutas ensejaram, indevidamente, a situação prevista no art.92 da Lei 8.666/93.

Por isso, diante da insuficiência de provas, a absolvição de Nicolau, Luiz Estevão, Fábio Monteiro e José Eduardo, no que concerne ao aludido tipo, é a única solução que se impõe.

Da mesma maneira, a acusação da prática de corrupção ativa, pelos três últimos, não encontra outra solução senão a absolvição, posto que, de acordo com o acima demonstrado, inexistiu o crime de corrupção passiva por parte de Nicolau, na medida em que não restou caracterizado nenhum ato de ofício em troca da vantagem. O que existiu foi obtenção de vantagens por meio de tráfico de influência, em consonância com a fundamentação retroconsignada. Assim, quando não há corrupção passiva – mas sim tráfico de influência – não há que se falar em corrupção ativa.

Impende, ainda, considerar que, com referência a LUIZ ESTEVÃO, outras questões vitais deveriam ter sido melhor esclarecidas e comprovadas.

No primeiro aditamento à denúncia (fls.5226/5267), ocorrido em 4/7/2000, o MPF asseverou que, no dia 21.2.1992, a empresa de LUIZ ESTEVÃO, denominada “Grupo OK Construções e Incorporações S/A”, adquiriu da “Monteiro de Barros Investimentos S/A” 90% das ações de participação que esta detinha como sócia da “Incal Incorporações S.A.” Afirmou a denúncia, outrossim, que a empresa Incal, entre os anos de 1992 a 1999, repassou, dos recursos destinados à construção da obra inquinada, o montante equivalente a US$34.286.217, correspondentes a 44.300.467,76 UFIRs, para empresas do grupo OK, do acusado LUIZ ESTEVÃO. No entender do MPF, tais recebimentos caracterizaram a prática de corrupção passiva por parte de LUIZ ESTEVÃO, pois os negócios que justificariam tais recebimentos eram fictícios. Aqui é relevante um parênteses para salientar que o MPF não fez menção ao ato funcional praticado pelo referido acusado em troca daqueles valores, não tendo outrossim mencionado qual ou quais os cargos públicos que exercia quando do recebimento das supostas vantagens indevidas.

No segundo aditamento da denúncia – ou, mais exatamente, aditamento do aditamento – fls.7739/7759, o MPF alegou que a atribuição precedente a LUIZ ESTEVÃO do tipo do art.317, § 1º, do CP (corrupção passiva) ocorreu por erro material de digitação (fls.7754), daí o aditamento para corrigir este erro. Para tanto, no segundo aditamento, abandonou a acusação de corrupção passiva e apontou o acusado como incurso no art.333, par. único, do CP (corrupção ativa). Nesse aditamento do aditamento, para sustentar faticamente a tipificação em questão, o MPF aduziu que, em abril de 1994, LUIZ ESTEVÃO enviou US$1 milhão das contas bancárias denominadas LEO GREENE e JAMES TOWERS, de sua titularidade, mantidas no banco Delta National Bank em Miami, para a conta de NICOLAU na Suíça. Daí a modificação da acusação contra LUIZ ESTEVÃO, de corrupção passiva para ativa.

A primeira questão vital a se perquirir para admitir-se, em princípio, a configuração das acusações contra LUIZ ESTEVÃO, notadamente para considerar-se caracterizada a corrupção ativa, em se abstraindo o ato de ofício do autor da suposta corrupção passiva (NICOLAU), constitui-se na seguinte: era ele (LUIZ ESTEVÃO) efetivamente sócio da Incal? Somente a certeza segura e incontestável de que era sócio poderia, em princípio, conduzir ao início da convicção das condutas (fáticas) que lhe são atribuídas.

Se a aquisição de 90% das ações da Incal, por Estevão, efetivamente operou-se, como passou a sustentar a acusação a partir do segundo aditamento, e se é incontestável que o desvio foi de R$169 milhões, não está adequadamente explicado o porquê de ter somente 20% daquele montante ter-lhe sido transferido, ou seja, R$34 milhões, conforme bem observaram seus defensores. Os números são incompatíveis com a hipótese de detenção de 90% das ações da empresa Incal.

Quem detém 90% das ações de uma empresa na certa detém a sua direção. A respeito, porém, duas testemunhas da própria acusação, Regis Minchetti e José Ricardo Bittencourt Noronha foram taxativas no sentido de que Luiz Estevão jamais exerceu a direção ou qualquer função nas empresas do Grupo Monteiro de Barros.


Regis, que trabalhou de 1993 a 1999 para o Grupo Monteiro de Barros, asseverou perante este juízo que “em suas funções no GRUPO MONTEIRO DE BARROS, manipulava cheques produtos de pagamentos ou recebimentos, mas agia sempre sob a direta autorização dos diretores JOSÉ EDUARDO e ANTONIO JOSÉ DA COSTA FERREIRA, que era procurador do GRUPO, pelo que sabe…; Confirma que parte dos recursos ia para o GRUPO OK, sendo que de 1994 a 1996, mais ou menos, havia pagamentos quase que mensalmente. Os pagamentos eram feitos mediante cheque nominal e depositados em contas de empresas do GRUPO OK. Nunca viu ser adquiridos dólares e remetidos ao GRUPO OK, mas somente pagamentos em cheque…; Ouviu comentários de funcionários da empresa em que trabalhava de que o então senador LUIZ ESTEVÃO fazia parte da sociedade para a construção do FÓRUM do TRT. À pergunta do Juízo, no sentido de mencionar pelo menos um funcionário que tenha dito isso, o depoente alega que não se lembra. De conhecimento pessoal, não pode afirmar que realmente existia essa sociedade…; Tem conhecimento de contratos de empréstimos do GRUPO MONTEIRO DE BARROS com instituições bancárias. Um deles é um empréstimo tomado do BANCO OK. Isto foi em 1996 ou 1997. Era coisa de dois milhões de reais, aproximadamente…; Nunca recebeu qualquer telefonema ou ordem de LUIZ ESTEVÃO na Ikal…” (fls.6417/6425).

José Ricardo, por sua vez, informou que “passou a trabalhar na CONSTRUTORA INCAL em 1994. Começou como auxiliar de escritório e depois passou para assessor de diretoria e, por fim, passou a assessor da presidência, que era ocupada pelo sr. FABIO MONTEIRO DE BARROS FILHO…; o depoente ficou como assessor de FABIO MONTEIRO durante cinco anos, nos quais diariamente mantinha contatos diretos com ele. Quase tudo passava pelo depoente…; A relação entre os srs. FABIO e LUIZ ESTEVÃO era de, respectivamente, devedor e credor. Era sabido não só pelo depoente, mas por todos os funcionários de MONTEIRO DE BARROS de que as empresas do sr. LUIZ ESTEVÃO emprestaram sempre recursos para as empresas de FABIO MONTEIRO quando estavam descapitalizadas…; Mas essas cobranças eram sempre referentes a dívidas…; O que tem certeza na realidade é que LUIZ ESTEVÃO nunca foi sócio das empresas MONTEIRO DE BARROS, pois senão o depoente saberia, em razão da subordinação que tinha exclusivamente a MONTEIRO DE BARROS” (fls.7625/7637).

Estas palavras são da testemunha da própria acusação.

Tanto o instrumento da suposta transferência das ações não foi suficiente para provar a participação de Estevão na sociedade da Incal que o próprio MPF, mesmo com tal instrumento em mãos antes do primeiro aditamento, denunciou-o por corrupção passiva. Assim, não seria crível que a acusação o considerasse sócio e o denunciasse por corrupção passiva, caso em que estaria ele na estranha situação de corromper a si mesmo, ou seja, era sócio majoritário da Incal e, nesta condição, corrompeu a si próprio enquanto também funcionário público. Assim, vê-se que também o MPF não se convenceu de que o instrumento era ou permaneceu válido.

Diante desse impreciso quadro, há várias hipóteses – apenas hipóteses – plausíveis para explicar o instrumento de venda de ações e a transferência de recursos da Incal para o Grupo OK: suporte financeiro, garantia de pagamento de dívidas, parceria na construção da obra (da maneira como seria a parceria do Grupo Ok com a Monteiro de Barros para a construção da sede do TST – conf. documento de fls.3997/3998) ou, efetivamente, tratou-se apenas de empréstimos e de negócios imobiliários entre as empresas. A tese de que LUIZ ESTEVÃO era sócio detentor de 90% das ações da Incal mostra-se a menos plausível, diante das provas em sentido contrário, principalmente em face do depoimento de José Ricardo acima referido.

Outra circunstância indiciária, favorável à defesa, que não passa despercebida, e que foi invocada por Estevão em seu interrogatório, é que os pagamentos recebidos por sua empresa do Grupo Monteiro de Barros eram sempre através de cheques nominais, depositados na conta daquela. Ora, quem recebe recursos ilicitamente em regra não o faz abertamente, em cheques nominais.

No tocante às acusações de falsidade dos documentos com que procuraram os acusados demonstrar a veracidade dos negócios imobiliários, que justificariam as transferências de recursos, tal não restou segura e incontestavelmente provado.

O laudo pericial realizado pela Polícia Federal no notebook apreendido em poder de Fábio Monteiro não apontou nenhum elemento indicativo de pós-confecção dos documentos, vale dizer, de falsificação (apenso sob nº2000.61.81.003654-0).

A testemunha Celso Mauro Ribeiro Del Picchia, arrolada pela defesa, e pessoa de reconhecida reputação na área de perícias documentais, contra a qual a acusação não apresentou nenhuma imputação de parcialidade, declarou: “O depoente, nesta oportunidade, ratifica integralmente o teor do parecer que elaborou, cuja cópia encontra-se a fls.5.951/6.021, assim como as folhas seguintes que o integram, parecer este que se encerra a fls.6.080. Inclusive, seu parecer técnico foi analisado por vários peritos e nenhum deles o contrariou. Em síntese, o objetivo era saber se os 04 contratos foram efetivamente elaborados nas datas previstas nos mesmos ou se foram feitos em datas posteriores. E a conclusão foi de que haviam sido elaborados nas datas previstas nos mesmos. Portanto, não se tratava de documentos forjados ou fabricados…; O depoente confirma que quando foi procurado pelo SR. LUIZ ESTEVÃO para realizar o parecer técnico, condicionou a aceitação do trabalho à verificação oficiosa e prévia da autenticidade dos contratos…; O depoente esclarece que sempre toma estas cautelas antes de aceitar um trabalho, e no caso presente essa cautela foi mais redobrada em razão da repercussão do caso. No trabalho técnico que realizou concluiu, sem nenhuma dúvida, que não houve nenhum anacronismo nos contratos. Anacronismo, na linguagem técnica, significa algum elemento que atentasse contra a veracidade das datas afixadas no contrato…; Também foram analisados aspectos materiais, como a oxidação ou sinais de ferrugem nos papéis, em decorrência do decurso do tempo. No caso que analisou verificou que havia as marcas, impossíveis de se imitar, de oxidação em ‘degradée’ principalmente nos alvéolos nas perfurações da encadernação. Se o envelhecimento dos papéis fosse artificial isso seria facilmente detectável….; Pelo que o depoente viu, os elementos analisados demonstram que os contratos não poderiam ser gerados no ‘laptop’ que a Polícia Federal apreendeu. Entre um dos elementos é o fato de que o modelo da impressora em cujo ‘drive’ do ‘laptop’ está instalada não poderia gerar os textos de alguns dos contratos” (fls.8334/8337).


Por sua vez, Antonio Carlos Villanova, arrolado como testemunha de Fábio Monteiro, contra o qual também não se alegou qualquer suspeita de parcialidade, declarou: “realizou, na qualidade de perito, exame documentoscópico sobre contratos e distratos havidos entre o Grupo Ok e a empresa Monteiro de Barros Construções e Incorporações Ltda; que realizou a perícia a pedido do Grupo Monteiro de Barros; que a perícia visava demonstrar se os documentos eram recentes ou se sua idade correspondia à data nos mesmos lançadas; que concluiu o depoente que as datas lançadas nos contratos correspondiam à idade dos mesmos…; que aproximadamente seis meses após a realização da perícia foi chamado no Senado Federal pelo Senador Ramez Tebet para realizar uma nova perícia e apresentar proposta de honorários; que até então não sabia sobre quais documentos iria recair a perícia encomendada pelo senador; que manuseando os documentos percebeu que eram os mesmos sobre os quais já havia se debruçado em outubro de 1999…; que já trabalhou como perito do Senado uma vez e perito da Câmara Federal uma vez; que quando recebe os documentos de qualquer contratante realiza um ensaio preliminar; se esse ensaio revelar que a conclusão da perícia não atenderá aos interesses do contratante, não realiza o trabalho, exceto se o próprio contratante desejar o laudo independentemente de suas conclusões…; que o papel utilizado nos contratos estaria dentro de uma faixa dita moderna, a qual inicia-se por volta de 1970; que as assinaturas apostas nos documentos são compatíveis com as datas neles lançadas, observadas a margem de erro nele já mencionadas…; que a tinta lançada nos documentos possui mais ou menos a mesma idade que os documentos, contada tal idade da data lançada nos contratos” (fls.8794/6).

De outro lado, a testemunha de fls.8482/3 confirmou a compra da fazenda em Mato Grosso pelos Grupos Ok e Monteiro de Barros, tendo posteriormente havido a venda de parte do imóvel por aquele a este. No mesmo sentido foram as palavras das testemunhas de fls.8523/4 e 8585/6. O depoimento prestado a fls.8737/8 confirmou ter havido o aporte de recursos do Grupo Ok para Monteiro de Barros, no projeto do terminal intermodal Santo Antonio. Nenhuma suspeita de parcialidade transpareceu ou foi argüida em face desses testemunhos.

Para se concluir, portanto, que os documentos foram forjados ter-se-ía que se desprezar todas essas provas, ou seja, o laudo da Polícia Federal (inconclusivo), os depoimentos de Del Picchia e de Villanova, bem como a totalidade dos depoimentos testemunhais acima aludidos. Ter-se-ía, por intuição – e somente por este meio – concluir que todos mancomunaram-se numa trama para favorecer os acusados. Entretanto, não há elemento nenhum para tanto ou para fazer vistas grossas a essas provas que, se não desconstituem, pelo menos lançam insuperáveis dúvidas à afirmativa constante do item 69 do primeiro aditamento, no sentido de que “sem sombra de dúvida os documentos que foram apresentados à CPI, para dar credibilidade a essas versões de ‘negócios’ entre os dois grupos, na verdade foram criados às pressas, horas antes dos depoimentos de Fábio, José Eduardo e Luiz Estevão à Comissão Parlamentar de Inquérito, sendo preparados de forma que, na versão final, suas datas e valores fossem compatíveis com os repasses financeiros ao Grupo Ok”.

Não há provas suficientes, desta forma, para se concluir que Estevão, Fábio e José Eduardo praticaram os crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos. Com relação a este último, cabe ainda expender que a circunstância de figurar como detentor de apenas 0,6% das ações da empresa Monteiro de Barros não lhe retiraria a responsabilidade pelos fatos, se provados os crimes, pois teve participação ativa em todas as circunstâncias relativas à obra, mesmo sem poder decisório formal, conforme restou demonstrado nos autos. A exclusão de sua responsabilidade, por aquele fundamento, somente se admitiria se tivesse exclusivamente funções figurativas na empresa.

Para finalizar, não se poderia deixar de consignar que, se é certo que vários fatos e circunstâncias envolvendo a obra do TRT não se encontram bem explicados e esclarecidos, de outro lado não é menos certo que esses fatos não foram investigados adequadamente. Não basta estar mal explicado um evento supostamente delituoso para que se autorize a condenação. Para tanto é necessária prova absoluta do fato específico objeto da acusação.

O grande erro, no entender deste Juízo, foi a precipitação no oferecimento das denúncias, sem uma investigação prévia da Polícia Federal para a exata determinação do ocorrido, caso em que poder-se-ía promover acusações mais claras e precisas. A investigação minuciosa não poderia ser relegada em prol da necessidade de se dar pronta satisfação à opinião pública.

Note-se que em nenhum dos quatro processos conexos ora em julgamento foi procedida investigação prévia pela Polícia Federal. No processo nº 1999.61.81.000636-1 a denúncia foi oferecida com base em procedimento de quebra de sigilo bancário e de cópias não autenticadas de inquérito instaurado em Brasília (ainda não concluído). A denúncia do processo nº1999.61.81.007353-2, da mesma forma, foi apresentada instruída com cópias de processo cível. Nos mesmos moldes apresentou-se a denúncia do feito nº2000.61.81.001248-1, mesmo antes do recebimento do inquérito que tramitava no C. Superior Tribunal de Justiça (quando ainda em fase inicial). No presente processo, o aditamento para incluir Luiz Estevão foi apresentado independentemente da vinda do inquérito do C. Supremo Tribunal Federal, que se encontrava no seu estágio inicial.


Tanto é verdadeira a asserção de que as denúncias revelaram-se açodadas, antes de uma apuração e determinação precisa dos fatos, que:

1. no processo nº1999.61.81.007353-2, Pedro Rodovalho foi denunciado pelo MPF por operar, como procurador, instituição financeira sem autorização do Bacen. Porém, no processo nº1999.61.81.000636-1 o MPF afirmou que a procuração era falsa, tendo-o denunciado por falsidade ideológica;

2. neste segundo (1999.61.81.000636-1), José Eduardo, Fábio e Pedro Rodovalho foram também denunciados por evasão de divisas, em face da remessa de US$ 3 milhões ao exterior por meio de importação fictícia supostamente realizada pela empresa Contrec. Todavia, posteriormente o MPF denunciou José Eduardo e Fábio (proc. nº2001.61.81.002143-7) com base em autuação da Receita Federal, que somente autuou a Incal porque havia concluído que aqueles valores e outros (contabilizados como aplicados na offshore I.R.E.I.C.) não foram remetidos e aplicados no exterior, e que seus rendimentos foram excluídos da apuração do lucro real indevidamente;

3. no presente processo, o MPF num primeiro momento, através de aditamento, denunciou Luiz Estevão por crime de corrupção passiva, por ter recebido cerca de US$34 milhões da empresa Incal. Porém posteriormente, mediante segundo aditamento, trocou a acusação para corrupção ativa, alegando que a primeira classificação decorreu de erro de digitação, quando na realidade não o foi, já que não havia narrado, no primeiro aditamento, fato configurador de corrupção ativa;

4. em todos os processos foram juntadas, pelo órgão da acusação, acima de três mil cópias de documentos sem autenticação, cujo valor probatório é nenhum, conforme acima expendido.

Enfim, estas e inúmeras outras contradições e falhas podem ser apontadas, como por exemplo a ausência de menção às datas e outras circunstâncias relevantes, tudo decorrente do açodamento e da falta de prévia investigação minuciosa e precisa do ocorrido, para melhor orientar o rumo das acusações.

Cabe ressaltar que as apurações feitas pela CPI do Judiciário (aliás juntadas nestes autos com documentos em cópias sem autenticação) não foram suficientes, em virtude do curto período de sua duração, para apontar com precisão a caracterização do ocorrido relativamente aos fatos que envolveram a obra. Tanto que a cassação do mandato de Luiz Estevão não se fundamentou em nenhum dos crimes que lhe são imputados pelo MPF, mas tão-somente por falta de decoro parlamentar.

Por derradeiro, compete refrisar que, no processo penal, somente a prova segura, terminante, incontestável e cabal pode gerar a condenação, não sendo lícito esta apoiar-se em ilações, probabilidades ou, para utilizar as expressões de Beccaria, meias-provas ou semi-provas, já que a lei não prevê a figura do meio ou semi-culpado.

Nesse sentido,

“Não havendo provas cabais e peremptórias, produzidas no processo, da autoria do crime, é de rigor a manutenção da absolvição dos apelados, em observância ao princípio in dubio pro reo, consagrado em nosso ordenamento jurídico” (TRF/3, ACR nº 98.03.99038058-5, Rel. Juiz Federal Casem Mazloum, v.u., DJ 28.12.99, p.108).

“PENAL – PROCESSO PENAL – ÔNUS DA PROVA.

1. À acusação incumbe provar o fato constitutivo de sua pretensão ou de seu direito, que são as elementares do tipo e a autoria do delito.

2. Não restando tal fato evidenciado, milita em favor do acusado o princípio in dubio pro reo”

3. Apelação improvida.” (TRF/3, ACR nº 03003322-8, rel. des. Ramza Tartuce, DJ 27.2.96, p. 9915).

“Apresentando o bojo do processo duas versões verossímeis acerca dos fatos, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, deve prevalecer a versão trazida pelo réu.” (TRF/4, ACR0457050-0, Rel. Juiz Gilson Dipp, DJ 22.5.96, p.33347).

“Não existindo nos autos prova suficiente para a condenação, impõe-se ao juiz profira sentença absolutória” (STJ, APN 59/TO, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 10.10.94, p.27054).

Tenho, portanto, como provadas a materialidade e a autoria do crime previsto no art.332, “caput”, do Código Penal, relativamente a NICOLAU DOS SANTOS NETO, não ocorrendo o mesmo com relação aos demais delitos que lhe foram imputados, bem como aos acusados LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, FABIO MONTEIRO DE BARROS FILHO e JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ, com relação aos quais os crimes não restaram comprovados.

Passo à aplicação das penas do ora condenado, NICOLAU DOS SANTOS NETO, pelo crime do art.332, “caput”, do Código Penal.

De início, necessário analisar as circunstâncias judiciais previstas no art.59, “caput”, do Código Penal, para a fixação da pena-base. As sanções previstas em abstrato para o delito descrito no art.332, “caput”, do Código Penal, antes da alteração ocorrida em novembro de 1995, são de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa. Fica a pena-base estabelecida em 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO, ou seja, a pena máxima prevista. Para tanto, levo em apreço o alto grau de cobiça e apego do acusado a bens materiais, não se refreando em lográ-los mesmo à custa de conduta ilícita, tudo voltado para, de forma obcecada, levar a vida nababesca e perdulária que demonstrou ter gozado, bem como sua determinação irrefreável na realização do crime, o que revelou dolo intenso na sua conduta. Esse dolo mostrou-se mais acentuado em virtude de sua atividade profissional, na medida em que, tendo sido representante do Ministério Público da União de carreira, por cerca de 20 anos, e ingressado nessa qualidade no TRT, que presidiu por dois anos, tinha plena consciência do caráter réprobo de sua conduta. Tendo em conta a inexistência de antecedentes criminais e de circunstâncias outras que recomendem a sua variação, fica a pena-base fixada em, portanto, 5 (CINCO) ANOS DE RECLUSÃO.


Obrigatória a redução da pena-base pela presença da atenuante genérica prevista no art.65, I, do Código Penal (ser o agente maior de 70 anos na data da sentença). Assim, reduzo-a a 4 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO.

Descabe o reconhecimento da atenuante do art.65, III, “d”, porquanto o crime não foi confessado pelo acusado.

Estabelece o art.66 do CP que “a pena poderá ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”. É a chamada atenuante inominada.

À maneira da sentença no processo conexo, não poderá ser desconsiderada uma circunstância relevante, posterior ao crime, que deve incidir como atenuante inominada a ser reconhecida nesta sentença.

É o fato, público e notório e, por isso, provado, que consistiu em ter o acusado sofrido uma pena similar àquela que vigorou na antigüidade, bem como na idade média, e que foi banida das legislações contemporâneas.

Consoante a doutrina, a referida pena, que era considerada das mais cruéis, consistia na perda da personalidade jurídica, em que ocorria “a assimilação de homem vivo a homem morto” (Savigny, “Traité de Droit Romain”, trad. De Guenoux, 2/165), pois sem aquele atributo o condenado poderia ser agredido, física ou moralmente, e até ser morto, casos em que o agressor não cometia nenhum ilícito, uma vez que a perda da personalidade jurídica retirava da pessoa a capacidade de ser sujeito de direitos. No aspecto civil não poderia herdar ou reivindicar dívidas ou pensões. Enfim, era tratado como homem morto.

Os direitos que se irradiam da personalidade jurídica, inatos a qualquer pessoa física, somente são deles despojado o morto, visto que “destinam-se a resguardar a dignidade humana” (Maria Helena Diniz, “Curso de Direito Civil”, v.1, p.84, 5ª ed.).

Na legislação atual, inclusive pátria, por mais hediondo que possa ser o crime atribuído a alguém, não se lhe podem ser retirados os direitos da personalidade. Mesmo para os condenados definitivamente, a Lei 7.210/84 (LEP) assegura que “as sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado” (art.45, § 1º), sendo assegurada “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo” (art.41, VIII).

Também há pactos internacionais subscritos pelo Brasil que vedam violações à honra e à dignidade humanas (v. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art.17, ratificado pelo país em 24.1.92). A respeito dessas regras fundamentais, conforme considerações e citações de Dicken William Lemes Silva, no tema Tratados Internacionais de Proteção de Direitos Humanos e Hermenêutica Constitucional,

“Entretanto, digna de destaque a observação, segundo a qual, tratando-se ‘de um método de ponderação de bens no caso concreto, é intuitivo que, pelo menos sob esse prisma, não exista uma hierarquia fixa, abstrata e apriorística, entre os diversos valores e/ou princípios constitucionais, ressalvada – porque axiologicamente fora de cotejo – a dignidade da pessoa humana como valor-fonte de todos os valores, valor fundante da experiência ética ou, se preferirmos, como princípio e fim de toda ordem jurídica'” (BOLETIM CIENTÍFICO da Escola Superior do Ministério Público da União, nº1, p.63).

O acusado, conforme tornou-se público e notório, na véspera do início deste processo e durante o seu transcurso, passou a ser alvo de toda sorte de agressões morais por veículos de comunicações escritas, televisivas e radiofônicas (antes de qualquer decisão condenatória – o que, mesmo assim, também seria ilegal), bem como personagem de jogos pela internet onde simulavam-se agressões físicas à sua pessoa; ridicularização em imitações de cânticos natalinos; em marchas carnavalescas etc., como se não mais possuísse personalidade jurídica, e que por isso estariam franqueadas as violações à sua honra e dignidade. Isto, sem dúvida, muito se assemelhou àquela referida pena vigente na antigüidade e na idade média.

Pela ocorrência desse fato, que considero juridicamente relevante, reduzo a pena em 1 (um) ano, com fulcro no art.66 do CP, o que redunda na sua descensão para 3 (TRÊS) ANOS DE RECLUSÃO.

Inexistem outras atenuantes, bem como agravantes a serem consideradas.

Ante a ausência de causas de diminuição ou aumento, torno definitiva a pena privativa de liberdade mencionada.

Quanto à sanção pecuniária, tendo em vista também as circunstâncias já analisadas do art.59, “caput”, da lei penal, fixo a pena-base em 360 (TREZENTOS e SESSENTA) DIAS-MULTA, pena máxima prevista, considerando critérios próprios da referida sanção. Seguido o mesmo “iter” acima descrito, deverá ser ela reduzida em face das atenuantes incidentes sobre aquela sanção, não aplicáveis agravantes ou causas de diminuição ou aumento, consoante observado na sanção corporal, ficando definitiva na quantidade de 320 (TREZENTOS E VINTE) DIAS-MULTA, com o valor unitário de cada dia-multa (considerando a situação econômica do réu – art.60 do C.P.) de 5 (CINCO) salários mínimos vigentes ao tempo do crime.


Tendo em vista a situação econômica do réu, exaspero a pena pecuniária no triplo, nos termos do art.60, § 1º, do CP, o que redunda em 960 (NOVECENTOS E SESSENTA) DIAS-MULTA. Esta sanção, portanto, pelo crime de tráfico de influência, ficará sendo definitiva no valor (apenas como referência) de R$960.000,00, devendo haver a correção monetária quando da execução. Compete frisar que o critério para a fixação da pena pecuniária é diverso do utilizado para as outras sanções, pois prevalece a circunstância prevista no art.60, “caput”, do Código Penal.

Somadas as penas dos crimes de lavagem de valores e de tráfico de influência, em concurso material, relativamente a este processo e ao conexo (nº2000.61.81.001248-1), ficarão sendo definitivas no total de 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO, bem como, quanto à pena de multa, no montante de 1.920 (UM MIL E NOVECENTOS E VINTE) DIAS-MULTA, o que equivale, apenas como citação de referência, a R$1.920.000,00 (UM MILHÃO E NOVECENTOS E VINTE REAIS).

Descabida a aplicação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante o disposto no art.44 do CP, com a redação determinada pela Lei 9.714/98, porquanto não preenchidos os requisitos objetivos para tanto, nomeadamente a quantidade da pena aplicada.

Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a ação penal e condeno NICOLAU DOS SANTOS NETO a cumprir a pena de 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO e a pagar o valor correspondente a 1.920 (UM MIL E NOVECENTOS E VINTE) DIAS-MULTA, como incurso no art.1º, V, e § 1º, II, da Lei 9.613/98, e art.332, “caput”, do Código Penal, em concurso material, referente a este e ao processo conexo, e absolvo-o das demais acusações com fundamento no art.386, VI, do Código de Processo Penal; e, de outro lado, absolvo LUIZ ESTEVÃO DE OLIVEIRA NETO, FABIO MONTEIRO DE BARROS FILHO e JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ das acusações formuladas na denúncia e em seus aditamentos, com fulcro no art.386, III, do Código de Processo Penal, no que concerne ao delito do art.333, § único, do Código Penal, e com fulcro no art.386, VI, no tocante aos demais delitos.

Quanto ao crime do art.332 do Código Penal, perpetrado por Nicolau antes de 5.5.94, declaro extinta a punibilidade do mesmo, com base no art. 107, IV, da lei penal.

O início do cumprimento da sanção privativa de liberdade se dará no regime semi-aberto, em virtude do disposto no art.33, § 3°, do C.P., e levando-se em apreço as circunstâncias já analisadas do art.59, “caput”, do referido diploma legal.

Oficie-se à COESPE solicitando vaga para IMEDIATA transferência do acusado à COLÔNIA AGRÍCOLA do Estado.

Embora o réu preencha os requisitos previstos no art.594 do C.P.P., não poderá apelar em liberdade, porquanto permanecem inalterados os fundamentos da decisão que decretou sua prisão preventiva, em função da qual encontra-se preso.

Não obstante no processo conexo ter sido declarada a perda dos bens objeto do crime de lavagem de valores, em favor da União, com fundamento no art.7º, I, da Lei 9.613/98, cabível aqui igual medida com base no disposto no art.91, II, “b”, do Código Penal, porquanto se tratou de bens e valores constitutivos de proveito auferido pelo agente com a prática do crime de tráfico de influência, devendo a perda incidir sobre todos os bens aludidos na sentença daquele processo.

Após o trânsito em julgado da sentença lance-se seu nome no rol dos culpados.

Deverá o acusado pagar as custas do processo, consoante prevê o art.804 da lei processual penal.

Remetam-se cópias (autenticadas) desta sentença e dos processos conexos ao MM. Juiz Federal da 12ª Vara Federal Cível desta Capital.

P.R.I.C.

São Paulo, 26 de junho de 2002.

CASEM MAZLOUM

Juiz Federal

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