Fórum social

Fórum Social começa na quarta-feira em Porto Alegre

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27 de janeiro de 2002, 18h45

Mais de 60 mil pessoas de diversas origens representarão cerca de 80 Países no Fórum Social Mundial, que acontece em Porto Alegre (RS), de 30 de janeiro a 5 de fevereiro próximos. Os principais temas giram em torno das críticas à globalização liberal e da reivindicação pela redistribuição da renda no mundo.

Os governos dos Países emergentes, acompanhando o crescente grau de insatisfação popular com os efeitos negativos provocados pelos desvios do FMI e do BIRD, têm feito propostas de mudanças de rumo como fez, recentemente, o presidente do Brasil, em visita à Rússia: “O Banco Mundial precisa ser habilitado a promover o desenvolvimento e o Fundo Monetário Internacional (FMI), dotado de meios para assegurar liquidez ao sistema financeiro internacional.’

Para tornar mais difícil a investida de terroristas, logo após os sinistros atentados de 11 de setembro, houve um avanço na intenção de reconhecer-se a necessidade de maior atenção aos problemas do mundo em desenvolvimento, surgindo a necessidade de ouvir mais a voz dos mais pobres, seja ela expressa por intermédio dos governos ou pelos canais não-governamentais, em face ao seu legítimo debate – o questionamento provocado pelos desvios, gerando desigualdades.

Assim, até no Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), que acontece pela primeira vez em Nova York nesta semana, de quinta-feira até 4 de fevereiro, ganham espaço entre os debates discussões pouco comuns em anos anteriores, como “redução da pobreza mundial e a busca pela igualdade” e “a luta dos países pobres contra a Aids.

No Fórum Social Mundial a preocupação de seus organizadores é a de tentar equacionar o conflito entre organizações governamentais “propositivas”, preocupadas com a discussão de alternativas para agenda global, e movimentos sociais reivindicatórios que preferem as ruas às salas universitárias onde ocorrerão os debates.

As 42 entidades internacionais e as oito nacionais responsáveis pelo Fórum Social Mundial esperam que surjam propostas alternativas e viáveis para temas amplos como controle de capitais financeiros, economia solidária, dívida externa, controle de patentes, sustentabilidade ambiental, democratização da mídia e migração (FSP, 27/01-02).

A França será representada no Fórum Social Mundial pelo seu ministro da Cooperação, Charles Josselin, que teve artigo publicado neste domingo (27/1) na Folha de S. Paulo. Leia mensagem do ministro francês:

De olhos abertos em Porto Alegre

Comparecerei, em Porto Alegre, ao 2º Fórum Social Mundial (FSM). Outros membros do governo francês também estarão lá. Temos, primeiramente, de saudar a qualidade dessa manifestação que, depois do sucesso do FSM de 2001 – conhecido como “anti-Davos” -, deve reunir 60 mil pessoas. Essa mobilização gira em torno de um tema sensível, ao qual a opinião pública francesa não é indiferente: a crítica à globalização liberal, além da reivindicação de um mundo mais solidário. Essas preocupações são fundamentais e pedem uma sociedade atuante, exigente e determinada. Porto Alegre, com a sua amplitude, representa uma esperança.

Pretendemos também dialogar com os organizadores da manifestação. Diante do curso atual da globalização, a crítica pode adquirir formas muito diferentes. Existe aí um primeiro debate a ser travado: será que devemos nos lançar numa crítica “radical” (antigamente diríamos revolucionária) da globalização ou devemos dar preferência a uma abordagem “construtiva” (em outros tempos teríamos dito reformista)?

É claro que, de nossa parte, defendemos a segunda alternativa. A globalização é como um rio: podemos modificar seu curso e, algumas vezes, canalizá-lo. Seria inútil pretender fazê-lo refluir. Fechar novamente as economias provocaria tantos sofrimentos quanto os que as suas aberturas infligiram.

Essa não é a solução. Nós defendemos a tese de mercados mundiais -ou regionais- com melhor regulação. Não cremos na volta aos fechados mercados nacionais de antes, mas queremos corrigir os efeitos da globalização com a introdução de regras e mecanismos de redistribuição mais favoráveis aos países do hemisfério Sul. É necessário também ampliar o diálogo político com esses países e permitir que sejam mais representados nos circuitos internacionais. No nosso entender, é para isso que pode servir o surgimento de uma consciência planetária. É para isso que deve contribuir a “sociedade civil” que está se afirmando no plano internacional.

Mas o que significa precisamente a noção de sociedade civil? Temos aí um segundo debate. Estou entre os que reconhecem (há muito) que o Estado não pode exercer o monopólio das relações internacionais. A meu ver, a cooperação deve ser plural e estar associada à sociedade civil e mesmo a todo o elenco não-estatal. Falando a título pessoal, antes de ser ministro, engajei-me na luta em favor de uma cooperação descentralizada sob a animação das coletividades locais. Ela deve ser um estímulo para os governos. Mas nem por isso poderia pretender substituí-los. Só a aliança de sociedades civis dinâmicas, inventivas, mobilizadas e de governos conscientes de suas responsabilidades é que nos permitirá corrigir o curso da globalização.

Finalmente, é importante que seja restituído ao debate Norte-Sul toda a sua força. Logo após os sinistros atentados de 11 de setembro, todos concordaram em reconhecer que uma maior atenção aos problemas do mundo em desenvolvimento tornaria mais difícil a investida dos terroristas. Não podemos esquecer essas boas resoluções. É preciso ouvir mais a voz dos mais pobres, seja ela expressa por intermédio dos governos ou pelos canais não-governamentais.

Saudemos, quanto a isso, a realização, no Mali, de um Fórum Social Africano, preparatório para o FSM. Foi mais um passo na afirmação internacional das sociedades do Sul. Resta, se pudermos assim dizer, a “face norte” do debate: o (legítimo) questionamento dos países do Norte por todos aqueles que se sentem chocados com as desigualdades.

Mas esse questionamento deve ser equitativo. Devemos pedir que se faça mais pelo Sul. Devemos pedir isso à Europa, mas ela não deve ser a única a ser questionada, já que, se não vem fazendo o suficiente, assim mesmo ela desenvolve mais esforços do que o resto do mundo industrializado. E não devemos nos esquecer, no questionamento, do país mais poderoso e mais rico do mundo.

Charles Josselin, 61, é ministro da Cooperação da França.

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