Dívida jurisdicional

Tocantins tem o pior desempenho em número de ações julgadas

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18 de janeiro de 2002, 10h22

A bem elaborada página do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br) traz um curioso ícone sob o título “Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário”. Acessada, a página apresenta estatísticas dos processos “entrados” (distribuídos) e dos processos “julgados” na Justiça Comum (de organização estadual) entre os anos de 1990 e 2001. Os dados são estarrecedores, para dizer o mínimo.

A Justiça Comum compreende todos os processos na esfera civil e penal. São processos que dizem respeito diretamente às pessoas comuns, ao dia-a-dia do cidadão. Exclui-se das atribuições da Justiça Comum as matérias de âmbito militar, eleitoral, trabalhista e federal.

Os dados demonstram que, no ano de 2000, somados todos os Estados da União, foram distribuídos (entrados) 9.457.059 processos e julgados 6.161.988 processos. Uma conta matemática simples indica que somente 65,15% dos processos distribuídos em todo o país foram julgados.

Vale dizer, o ano de 2000 deixou um saldo de 34,85% de processos a serem julgados no futuro. Deixaram de ser julgados 3.295.071 processos em todo o Brasil. Fosse um dado isolado ou um ano atípico a situação seria facilmente sanável.

Porém, verificando-se a tabela de 1990 a 2000, constatamos que anualmente o déficit persiste, constituindo regra, não exceção.

O Estado com melhor desempenho é o Rio Grande do Sul que julgou 83,25% dos processos distribuídos, seguido do DF (82,55%), PB (82,02%), SE (81,70%). O pior resultado ficou por conta do Tocantins, com 38,82%. Na seqüência dos piores vêm PA (40,82%), GO (45,30%) e RR (50,86%).

O Estado de São Paulo ficou na média nacional, com 65,04% em 2000. Nos anos anteriores São Paulo julgou 69,71% em 1999, 67,69% em 1998 e assim sucessivamente, fechando a década 1991-2000 com a média de 77,80%. Isto representa um déficit médio de 23% ao ano.

Pode-se concluir, sem maiores esforços matemáticos, que para cada 4.000.000 de processos ficam, em média, sem julgamento – no Estado de São Paulo – 920.000 processos. Isto se for considerada a média na década. Pela média comparativa do último ano remanescerão 1.400.000 processos sem julgamento.

Processos sem julgamento.

O déficit dos anos posteriores acrescerão o saldo remanescente dos anos anteriores, sendo lícito concluir que 1.400.000 processos deste ano ficarão para o próximo ano. No próximo ano teremos mais 1.400.000 sem julgamento que somarão 2.800.000 para o ano subseqüente. A escala é geométrica.

O sistema judiciário, à evidência estatística, necessita de reformas urgentes.

Sempre digo a meus alunos que o Brasil possui uma Constituição Federal de forte inspiração norte americana; um Código Civil de forte inspiração alemã; um Código de Processo Civil de forte inspiração italiana; …. e um sistema cartorário herdado de Portugal.

O modelo processual é o mesmo há mais de mil anos. Aliás, a única mudança nos últimos mil anos é que as petições passaram de manuscritas a datilografadas em modernos computadores pessoais. De resto, tudo igual.

Algumas pessoas absolutamente desinformadas gostam de dizer que o processo é moroso em decorrência do excesso de recursos. Parvoíce ou má fé. O processo possui ordinariamente apenas um recurso com efeito suspensivo (recurso de Apelação). Os demais recursos, quando utilizados (e não é sempre), na regra, não possuem efeito suspensivo (agravo, recurso especial, recurso extraordinário), permitindo que o processo siga seu andamento normal.

Também não é verdade que o excesso de recursos torna a justiça morosa porque ela já é morosa no nascedouro, ou seja, em primeira instância (ou primeiro grau de jurisdição). E em primeiro grau de jurisdição, importante dizer, não é atribuição dos juízes apreciar ou julgar recursos.

Não é a lei que precisa ser mudada, é o “sistema”. Não se pode e não se deve incidir no erro comum que domina a classe política brasileira de que “lei nova” é a panacéia para todos os males e a solução para todos os problemas.

Ninguém minimamente responsável pode supor que a supressão de recursos irá desafogar o Poder Judiciário. Basta verificar a morosidade dos processos logo em primeira instância (cujos juízes, repita-se, não apreciam recursos) para constatar a irresponsabilidade e o equívoco do argumento.

Outro fator que chama especial atenção na pesquisa é que o desempenho da justiça não está intimamente ligado ao aspecto financeiro. Estados considerados “pobres” (PB, SE e RO) tiveram desempenho elevado 82,02%, 81,70% e 81,23% respectivamente, enquanto que Estados considerados “ricos” (RJ, MG e SP) com 50,05%, 61,52% e 65,04% respectivamente, tiveram desempenho abaixo da média nacional de 65,15%.

Portanto, nada indica que o simples aporte maior de verbas garantirá, por si só, a melhora na prestação jurisdicional. Os dados, disponíveis para apreciação pública, permitem concluir:

1) O Poder Judiciário está muito próximo do colapso.

2) O simples aumento de verbas não garantirá, por si só, a melhora de eficiência.

3) A simples reforma nas leis também não será suficiente para garantir julgamentos mais rápidos.

4) O problema é do “sistema” que precisa ser reformulado. Alternativas devem ser buscadas. Comissões devem ser formadas para que sejam “sugeridos” e “testados” novos modelos.

O Sistema Judiciário (e não apenas o Poder Judiciário) precisa ser urgentemente reformulado e reestruturado, sob pena de restar inviabilizado em curto espaço de tempo.

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