Mensagens indesejáveis

Advogado tenta reverter sentença que liberou envio de spams

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14 de janeiro de 2002, 13h03

O advogado de Mato Grosso do Sul, João de Campos Corrêa, recorreu da decisão que libera o envio de spams (mensagens não solicitadas). De acordo com o advogado, que já entrou na Justiça contra 45 empresas que lhe enviaram mensagens não solicitadas, a sentença tem pelo menos oito equívocos.

Campos afirma que a interpretação da juíza sobre o envio de spams ser uma prática saudável gerou discussões entre os internautas do mundo todo.

“Assim, conforme se vê nos spams eróticos recebidos pelo recorrente, permitir que eles entrem livremente em nosso micro apenas porque isso é ‘saudável’ para a nova prática comercial dos novos tempos eletrônicos é um dos maiores absurdos já cometidos”, afirmou em seu recurso.

Veja todos os argumentos usados pelo advogado

À Turma Recursal do Juizado Especial de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Processo 2001.1660812-9

Recorrente – João de Campos Corrêa

Recorridos – Inova Tecnologia S/C Ltda. e Outros

Senhores Juízes:

A sentença proferida pela Juíza Leiga Rosângela Lieko Kato e homologada pelo Exmo. Sr. Juiz Alexandre Branco Pucci é em tudo por tudo equivocada, não fez justiça ao recorrente e, data venia, não alcançou a relevância da causa submetida a juízo e sua importância para o conceito de privacidade na Internet, como direito constitucional de todo cidadão, e para milhões de internautas assolados pela praga dos SPAMS (mensagens indesejadas e não solicitadas) em todo o mundo.

Tratava-se da primeira sentença sobre o tema em todo o país, já que nos Estados Unidos, no Canadá, na Itália e em outros centros desenvolvidos e que usam intensamente os recursos da Internet, tais sentenças já estão surgindo, sempre no sentido de inibir a prática do junk mail (lixo eletrônico).

Assim, quando o autor pedia, por um lado, que se declarasse o seu computador uma extensão de seu lar e que a invasão desse espaço sagrado violava sua privacidade e atentava contra a legislação do consumidor, que proíbe o envio de material não solicitado pelo eventual cliente.

E por outro lado, que se condenassem os réus a uma indenização por dano moral, consistente na impotência do autor diante dos réus, que entram na hora em que querem em seu computador com mensagens apenas de seu interesse comercial, sem que estas sejam solicitadas pelo destinatário.

Sob a desculpa infantil de que estão praticando apenas a publicidade pela Internet, tese que foi, equivocadamente, acolhida pela ilustre Juíza, os réus praticam quase todo tipo de invasão, usando mailings (listas de e-mails colhidas sem consentimento de quem quer que seja).

Com essa prática, agora liberada pela Magistrada, há um incentivo ao aumento de outro tipo de e-mail, mais indesejado e mais pernicioso ainda (como os que se anexam, recebidos por um dos computadores do autor, na semana que se seguiu à sentença, embora isso tenha sido prática corriqueira durante todos os anos anteriores), que atinge nossos funcionários, nossos filhos, nossa família, sem que possamos evitá-los, ao contrário do que pensa a ilustre julgadora.

Assim, resumem-se os equívocos cometidos na sentença, que podem e devem ser desfeitos nesta oportunidade:

Equívoco Um

Que o Spam é uma Prática Saudável

Não, não e não! Dizer que o spam ou qualquer mensagem, mandada a milhões de lares e empresas, é admitir o joio e o trigo na mesma cesta. Assim, conforme se vê nos spams eróticos recebidos pelo recorrente, permitir que eles entrem livremente em nosso micro apenas porque isso é “saudável” para a nova prática comercial dos novos tempos eletrônicos é um dos maiores absurdos já cometidos.

Que nos desculpem a Juíza e o Magistrado que, sem perceber, embarcou no mesmo erro, mas essa é uma afirmação que poderia nascer de qualquer spammer (remetente de mensagens indesejadas), mas nunca de um órgão do Poder Judiciário, ainda mais, de nosso Estado, que ficou na berlinda – e mal visto – em meio a discussões de internautas de todo o mundo (ver e-mail vindo de Milão, Itália).

É preciso inibir – pelo menos no Poder Judiciário, já que não há leis respeitáveis sobre o assunto no País – a prática dessas mensagens indesejadas.

Repita-se: é como se alguém que tivesse a sua garagem voltada para a rua invadida, todos os dias, por veículos desconhecidos. E a cada dia tivesse de chamar os proprietários incógnitos e pedir que eles desocupem aquele pedaço de sua propriedade… só para que ele volte a ser invadido por outros e outros veículos, indefinidamente!

Em suma, só pode considerar o spam uma prática saudável quem não está sendo incomodado por milhares de mensagens inúteis, por lixo eletrônico.

Equívoco Dois

Acesso ao Endereço do Autor

Mostrando que tem pouca intimidade com o mundo da grande rede, a Magistrada recorrida afirma que “não ficou provada” a aquisição do endereço do autor de um mailing list (lista de e-mails fornecida ilegalmente por empresas que se dedicam a essa prática criminosa).

Para se convencer, a Juíza afirma que o endereço do autor está em sua página na Internet (www.jcampos.com.br) e portanto, teria sido de lá que os réus copiaram e utilizaram o e-mail do recorrente.

Ora, Excelências: ninguém sai acessando zilhões de páginas na Internet e “copiando” com uma caneta bic endereço por endereço de suas vítimas, para depois remeter-lhes toneladas de “ofertas de ocasião”!

Hoje se compram mailings ofertados até mesmo pela própria rede (documento anexo), com milhares de nomes e endereços eletrônicos, por categorias (advogados, engenheiros, etc.). É elementar que o endereço do autor não foi obtido apenas porque, um belo dia, os réus se depararam com sua página na Internet e resolveram, por esporte, mandar-lhe mensagens que não solicitou.

Isso é tão óbvio que a sentença vem sendo escarnecida, Brasil afora, já que foi divulgada pelos próprios réus vencedores no pleito, e a razão é muito simples: qualquer internauta iniciante sabe como conseguir endereços de mala direta e mailing lists e a hipótese levantada pelos réus como isca, infelizmente mordida pela Magistrada, é a mais retrógrada de todas.

Pior: foi pura maldade, pois os réus são especialistas em Internet, assim como seus advogados, ou seja, pessoas que não acreditam um minuto nessa tese do “e-mail buscado página por página na rede”. Foi uma tese absurda, mas que teve êxito ao ser aceita pela inexperiente advogada que julgou o feito.

Equívoco Três

E-Mail Equiparado à Mala Direta

O Estado saiu do anonimato para os quadros de humor na grande rede com essa parte da sentença. É também do conhecimento de milhões de internautas que se a mala direta fosse “equiparada” ao e-mail… os publicitários usariam a primeira alternativa, uma vez que equiparam-se somente conceitos que são rigorosamente iguais. É óbvio.

Todavia, basta um simples cálculo para se ver que o remetente de mala direta tem um custo elevado com essa publicidade, já que tem de adquirir o mailing, elaborar, criar e imprimir o texto, colar, endereçar um a um ou adquirindo etiquetas já prontas e, finalmente, a custo, repita-se, elevado, postar milhares de cartas nos Correios.

Com o spam, basta digitar o texto, adquirir o mailing (a não ser que se tenha muita caneta e paciência para copiar da Internet milhares de endereços… como sugeriram os recorridos e convenceram a Juíza), apertar a tecla ENTER e pronto. Do outro lado, milhões de vítimas já estarão com aquele lixo em seus computadores, na versão “saudável” de publicidade aventada pela ilustre advogada julgadora.

Nenhum custo considerável do remetente e um grande ônus – moral e material, sim! – de quem recebe tal lixo.

A comparação entre e-mail e mala direta, mais uma vez, nos sujeita, a nós sul-matogrossenses, a brincadeiras e ironias pela Internet e, com sinceridade, era do que menos nosso Estado precisava neste momento, face à importância do tema.

Equívoco Quatro

Objetivo da Página do Autor

O autor sempre insistiu na tese de que sua página está na Internet para que pessoas interessadas no seu conteúdo – no caso, um conteúdo jurídico e jornalístico – a consultem, avaliem o que ali está publicado e, se tiverem vontade, usem o e-mail ali exposto para fazer contato com o autor, criticando, elogiando, pedindo cópias e autorizações de uso.

O endereço do autor não está na Internet para receber junk mail, lixo eletrônico, mensagens de publicidade de chocolate ou métodos de combate à calvície.

Se não fosse esse o espírito da Internet, o objetivo, esse sim, saudável, o autor não precisaria de uma página, hospedada com custo razoável, em um determinado provedor. Bastaria adquirir um mailing list, uma daquelas listas ilegais de nomes e enviar seu próprio spam, fosse ele uma proposta de trabalho (ver observação seguinte) ou um artigo específico.

No entanto, a página está lá, com seu conteúdo, para quem quiser vê-la e não imposta por e-mail para milhões de internautas que podem até ficar irritados com a mensagem, causando efeito contrário ao inicialmente pretendido. Aliás, como efeito colateral do erro (que não poderia ser cometido pela advogada nem pelo juiz que homologou a decisão), deve-se registrar que o advogado, estatutariamente, não pode oferecer seus serviços, insinuar-se à clientela ou captar clientes, como afirmou a sentença:

“Da mesma forma o autor como profissional, seja como advogado ou como jornalista, pode enviar a seus clientes ou seus prováveis futuros clientes, mensagens oferecendo serviços”. (f. 182)

Equívoco Cinco

Benefícios da Nova Tecnologia

Ao contrário do que afirma a Magistrada, os benefícios das novas tecnologias, especialmente da comunicação pela net, não residem no montante de lixo eletrônico que hoje circula pela rede, e sim pelo bom uso que se faça desse moderno meio de comunicação.

Um produto pode estar ao alcance de milhões de clientes ao mesmo tempo, se for anunciado em uma determinada página pessoal ou em banners (anúncios típicos dos portais eletrônicos) hospedados no UOL, TERRA, AOL e assim por diante.

Além dessa providência, o que pode tornar um produto acessível a milhões de internautas é debulhá-lo em sites de busca como ALTAVISTA, YAHOO, CADE e similares, para que alguém, precisando de um livro, um cortador de grama ou um determinado medicamento, basta digitar o verbete em um dos mecanismos de busca.

Ou seja, e vale repetir à exaustão: meu produto está no mundo da rede e quando alguém procurar por ele num site de busca, cairá em minha página ou no portal onde estou hospedado, pagando publicidade lícita, necessária e, saudável, ao universo da Internet.

Não é à publicidade clandestina, onde até o nome do destinatário é roubado e inserido em mailing lists, onde sem custo o spammer detona milhares de mensagens ao mesmo tempo, ao deus-dará, que se deve o desenvolvimento da Internet, mas sim àquela publicidade paga, nos portais ou nas páginas pessoais ou corporativas.

Equívoco Seis

Sobre Correspondências e E-Mails

Contraditoriamente, ao ingressar em terreno que, absolutamente, não conhece, a Magistrada acabou por fragilizar seu suporte de convencimento para proferir sua errática sentença.

Primeiro, diz que “é um contrasenso admitir-se que alguém precisa de uma autorização para nos enviar correspondência”.

E, prosseguindo, diz a decisão que “o que se quer é ter mecanismos que reduzam a níveis mínimos o volume de “junk emails” (mensagens “lixo”)(na verdade, a expressão é junk mail) em nossas caixas postais eletrônicas”.

É como se a ilustre julgadora visse tudo, data venia, em preto e branco, pois, de novo, remete-se à comparação entre o correio eletrônico e uma correspondência normal.

Assim, cedendo à tentação de equiparar água e óleo, a Magistrada pensa o e-mail do autor – ato voluntário, decisão que envolve custos e planejamento de objetivos – com o seu endereço físico, com rua e número – requisito compulsório para que se forme o domicílio, para que um cidadão seja encontrado em uma cidade, seja por seus amigos, seja pelo imposto de renda, seja pelo oficial de justiça.

Posso ou não ter um endereço eletrônico, como posso ou não ter um telefone móvel, mas não há como eu prescindir de um endereço físico no mundo civilizado.

Dessa forma, não posso, realmente, sujeitar a correspondência que recebo a prévia autorização, pois meu endereço está na lista geral da cidade e é assim que se estabelece meu domicílio, que é figura de lei.

Mas, posso e devo sujeitar a consentimento prévio o ingresso ao meu endereço eletrônico voluntário, já que pago a um provedor para hospedar minha página, pago pelo domínio escolhido (jcampos.com.br), pago para ter acesso à Internet e só quero receber mensagens de quem receba meu endereço, de preferência, de mim mesmo e não de vendedores de listas.

A contradição maior está em pensar que o tráfego de spams pode ser “reduzido a níveis mínimos”. Poderia eu limitar a “um nível mínimo” as correspondências e malas diretas que recebo pelo correio normal? É claro que não, pelas razões já acima apontadas.

No entanto, na tese aceita pela decisão, “é um contrasenso admitir-se que alguém precisa de autorização para nos enviar uma correspondência”, mas não é contrasenso (maior ainda!) “ter mecanismos que reduzam a níveis mínimos o volume” de lixo eletrônico na rede!…

Em bom raciocínio jurídico, se não posso exigir autorização no primeiro caso, posso menos ainda sujeitar a correspondência a limites quantitativos ou qualitativos.

E, no entanto, no caso em tela e no âmbito da Internet, é preciso limitar, quantitativa e qualitativamente, o conteúdo das mensagens eletrônicas pois, senão, o que era um benefício da tecnologia, se transformará no caos.

Será que a ilustre Juíza considera saudável receber spams em seu telefone celular (coisa que já está ocorrendo agora mesmo!), pelo sistema WAP (wireless aplication protocol)?

E no entanto, antes mesmo de sua sentença, milhares de publicitários e empresas de todo tipo acham saudável invadir também os celulares com mensagens publicitárias!

É preciso saber se a Juíza continuará achando saudável essa invasão, de certa forma “liberada” pela agora famosa sentença de Mato Grosso do Sul.

Equívoco Sete

Sobre Firewall

Tentando demonstrar conhecimento na matéria – e, lembrem-se V.Exas. que a matéria gira em torno da comunicação pela Internet -, a juíza teoriza sobre firewalls, hardwares e softwares, mas acaba mesmo por demonstrar pouca intimidade com o assunto principal.

Para não entrar em demoradas digressões técnicas que em nada ajudarão ao presente processo, basta informar que o firewall apenas detecta (e não impede!) a invasão do micro por hackers ou por operadores remotos.

Certamente a NASA e o FBI americanos não precisam aprender quase nada sobre firewalls e vêm enfrentando freqüentes invasões de seus sites por netpiratas.

Assim, a frase “um firewall evita também que dados de um sistema possam ser acessados via Internet sem prévia autorização” é tão falsa e primária (fato perdoável à Magistrada em assunto tão novo) quanto constrangedora para nosso Estado (ato imperdoável aos Magistrados prolatora e revisor, sabendo-se que a decisão seria divulgada mundialmente).

Equívoco Oito

Danos Morais

Os danos morais consistem no sentimento de impotência do autor diante dos atos praticados pelos réus, já que não há meio de se coibir a remessa de mensagens indesejadas ao correio do autor, nem evitar seus efeitos deletéreos.

É um valor subjetivo, que deveria ser considerado pela juíza se ela não estivesse dedicada a comparar endereço de rua com endereço eletrônico, cartas comuns com mensagens por e-mail.

O sentimento de frustração do autor face a, dezenas, centenas, milhares de mensagens depois, ter o cidadão de ir ao Poder Judiciário invocar seu direito à privacidade, baseado na Constituição Federal e no Código do Consumidor, não obter resposta satisfatória e ainda ter o seu Estado exposto nacionalmente aos efeitos de uma sentença tão precária.

Requerimento

Requer-se a reforma da sentença na parte que foi contrária ao autor, deferindo-se o que foi pedido na inicial, e mantida a decisão quanto ao pedido contraposto, já que, efetivamente, o exercício do direito não pode ser penalizado, sob pena de restrição ao direito de ação.

Seja, na reforma da sentença, declarado o direito à privacidade do autor no que tange ao seu endereço eletrônico, bem como ao direito de não receber mensagens que não solicitou, especialmente, mensagens publicitárias de qualquer espécie, mormente as enviadas pelos réus.

P. deferimento.

Campo Grande, MS, 9 de janeiro de 2002.

João Campos

OAB/MS 1634

Michael Frank Gorski

OAB/MS 7471

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