Anos chumbados

Cientista político compara 2001 à década perdida

Autor

13 de janeiro de 2002, 9h49

O cientista político José Luis Fiori observa que, do ponto de vista social, na melhor das hipóteses, o Brasil está hoje, no ano 2001, como estava em 1980, com os mesmos problemas de pobreza e exclusão social do final da ditadura militar.

Do ponto de vista do crescimento econômico, apesar da abundante disponibilidade de capitais internacionais, o Brasil não conseguiu sair-se melhor do que na “década perdida”, quando o país foi marginalizado pelo sistema financeiro internacional, depois da moratória mexicana de 1982.

Com o advento da forte onda neoliberal, os governantes preocuparam-se tanto com desmontar coisas e ‘virar páginas’ que acabaram desmontando o próprio estado brasileiro, hoje incapaz de prever, antecipar, ou planejar qualquer ação coordenada e estratégica, que não seja exclusivamente no campo monetário.

Deixou a década de 90, como herança, um grande desencanto na população, e sobretudo nos jovens, com as instituições democráticas e com a política em geral . Em toda a América Latina, a percepção é a de que o destino de quase todos os líderes políticos que comandaram as reformas liberais prometendo o céu, hoje é a cadeia ou o banco dos réus em processos que apuram corrupção.

Esta conclusão é reiterada mesmo por Eliezer Batista, assessor do presidente da República que, em artigo recente, conclui que serão necessários 187 anos para conseguir dobrar a renda dos brasileiros, se mantida a taxa de crescimento da renda per capita da década neoliberal.

Hoje, já há um acúmulo de consciência e de conhecimento e de opinião bastante difundida sobre o que foi a mudança mundial das últimas duas décadas e sobre a forma em que a maioria dos países periféricos (e todos os latino-americanos) se inseriram nelas: abrindo suas fronteiras, desregulando seus mercados e desmontando seus estados.

Os próprios organismos multilaterais – como ONU, Bird, BID etc – têm publicado relatórios e mais relatórios diagnosticando as conseqüências deste tipo de inserção neste ‘novo mundo’.

Nesse universo, o Brasil foi apenas mais um caso ou experimento das mesmas políticas e reformas. Defende que para que possa haver mudança de rumo, exige-se um perfil do novo presidente em que a qualificação intelectual apesar de ser importante não é essencial, decisivo, já que para enfrentar e tentar mudar o rumo e a herança deixada pelos anos 90, o que o novo presidente precisará é de coragem e força política para enfrentar interesses muito poderosos e que se oporão a uma mudança das prioridades do governo e do nosso desenvolvimento capitalista.

Será necessária uma base de apoio ampla, consistente e decidida a levar a frente as mudanças necessárias. Não haverá milagres de efeito imediato, do tipo das políticas de estabilização e das privatizações, e terá que ser capaz de manter o apoio ativo da população.

Veja a entrevista com o cientista político José Luís Fiori publicada pelo Jornal O POVO – Fortaleza, 12 de Janeiro de 2002

‘Desmontaram o Estado’

O POVO – Em poucas palavras, por que podemos afirmar categoricamente que a década de 90, década do neoliberalismo foi prejudicial para o Brasil?

José Luis Fiori – Porque do ponto de vista do crescimento econômico, apesar abundante disponibilidade de capitais internacionais, o Brasil não conseguiu sair-se melhor do que na ‘década perdida’ de 1980, quando fomos marginalizados do sistema financeiro internacional, depois da moratória mexicana de 1982. Porque, do ponto de vista social, na melhor das hipóteses, o Brasil está hoje, no ano 2001, como estava em 1980, com o mesmo pobreza e exclusão social que estávamos no final da ditadura militar. Porque, como disse o senhor Eliezer Batista, assessor do presidente da República, num artigo recente, serão necessários 187 anos para conseguir dobrar a renda dos brasileiros, se mantivermos a taxa de crescimento da renda per capita da década neoliberal. Porque, nesta década neoliberal, nossos governantes preocuparam-se tanto com desmontar coisas e ‘virar páginas’ que acabaram desmontando o próprio estado brasileiro que hoje não é mais capaz de prever, antecipar, ou planejar qualquer ação coordenada e estratégica, que não seja exclusivamente no campo monetário. E, finalmente, porque esta década de 90 deixou como herança um grande desencanto da população, e sobretudo dos jovens, com as instituições democráticas e com a política em geral que ao olhar para a América Latina percebe que quase todos os líderes políticos que comandaram as reformas liberais prometendo o céu, hoje estão na cadeia ou sob processo, acusados de corrupção.

OP – Você diz que houve uma adesão instantânea da intelectualidade brasileira às fábulas neoliberais e globalizantes. Não é uma perspectiva autoritária? Afinal, os intelectuais que aderiram, o fizeram com argumentos intelectuais como os seus

Fiori – Não, não vejo assim. Ao falar de adesão instantânea esta apenas sublinhando a rapidez com que tudo aconteceu. Aliás, não acho que a maior parte desses intelectuais tenha sido ‘cooptado’ pelos mercados ou pelo ‘império’. Pelo contrário, acho que a maioria dos que apostaram nesta canoa, o fizeram porque acreditavam, nos anos 1994/1995, que estavam participando ou liderando um processo de mudança radical da história brasileira que finalmente iria chegar à modernidade. Foram necessários alguns anos para que eles começassem a compreender que a história não era bem essa.

OP – Quem é capaz hoje de fazer uma análise mais profunda e inteligente sobre a inserção brasileira no mundo e na globalização liberal?

Fiori – Acho que hoje já há uma consciência e um conhecimento muito grande e bastante difundida sobre o que foi a mudança mundial das últimas duas décadas e sobre a forma em que a maioria dos países periféricos (e todos os latino-americanos) se inseriram nelas: abrindo suas fronteiras, desregulando seus mercados e desmontando seus estados. Hoje, os próprios organismos multilaterais – tipo ONU, Bird, BID etc – têm publicado relatórios e mais relatórios diagnosticando as conseqüências deste tipo de inserção neste ‘novo mundo’. Dentro deste universo, o Brasil foi apenas mais um caso ou experimento das mesmas políticas e reformas.

OP – Não se corre o risco de transformar o neoliberalismo e a globalização, como palavras da moda, na chave para tudo o que não deveria ter acontecido no mundo?

Fiori – Corre sim. Da mesma forma em que na década de 90, no sentido inverso, a palavra globalização se transformou na varinha mágica ou Santo Graal que a tudo explicava e tudo prometia de bom para a humanidade. Nestas coisas há que ter muito cautela, sobretudo quando você é um intelectual e não um político, e portanto está obrigado a pesquisar e enfrentar a complexidade do mundo real fugindo das palavras fáceis que tudo dizem e nada explicam.

OP – Os pré-candidatos à Presidência têm consistência intelectual para preparar-se contra os males que você aponta no livro? Mais: é possível dizer que partido tem melhor condição de tirar o Brasil da mitificação dos 90?

Fiori – Apesar de ser um intelectual, não creio que os problema do novo presidente tenham a ver com sua qualificação intelectual. Isto é importante mas não é a fator decisivo. Para enfrentar e tentar mudar o rumo e a herança deixada pelos anos 90, o que o novo presidente precisará é de coragem e força política para enfrentar interesses muito poderosos e que se oporão a uma mudança das prioridades do governo e do nosso desenvolvimento capitalista. Precisará de uma base apoio ampla, consistente e decidida a levar a frente as mudanças necessárias. Não terá forma de fazer milagres de efeito imediato, do tipo das políticas de estabilização e das privatizações, e terá que ser capaz de manter o apoio ativo da população.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!