Sinal vermelho

Wall Mart indeniza por constranger consumidor em Bauru

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6 de janeiro de 2002, 8h35

O Wal Mart Brasil foi condenado a pagar R$ 3.620,00 para o presidente do Bauru Atlético Clube e ex-secretário municipal de Esportes Bauru, José Pedro Macéa, por danos morais. A determinação é da juíza substituta da 5a Vara Cível da Comarca de Bauru (SP) Adriana Tayano Fanton.

O consumidor se sentiu constrangido com o alarme antifurto que tocou ao sair do supermercado. Ele pagou as compras mas mesmo assim foi abordado por seguranças do supermercado.

O cliente foi defendido pelos advogados Alexandre Santiago Comegno e Nilton Santiago, do escritório Nilton Santiago Advocacia. Os advogados pediram 300 salários mínimos (R$ 54 mil) pela situação vexatória a que o cliente foi exposto. A juíza atendeu parcialmente o recurso e arbitrou o valor em 20 salários mínimos com correção monetária.

Em sua defesa, o supermercado alegou que os funcionários foram educados com o consumidor que estava exaltado e teria chegado a proferir “palavras de baixo calão”.

Para a juíza “não há dúvida de que o autor, que é presidente de um clube esportivo desta cidade, experimentou inegável constrangimento ao ser surpreendido, ao sair do estabelecimento comercial da ré pelo acionamento do alarme antifurto”. O supermercado pode recorrer.

Veja a decisão

Poder Judiciário

São Paulo

Processo n.º 894/01

5a Vara Cível da Comarca de Bauru – SP

Vistos.

José Pedro Macéa, qualificado nos autos, ajuizou ação de conhecimento condenatória em face de WALL-MART LTDA., também qualificado nos autos, alegando, em síntese, que no dia 30 de setembro de 2000, ingressou no interior do estabelecimento comercial do réu para adquirir diversos produtos e, após, dirigir-se ao caixa e efetuar o pagamento das mercadorias, ao transpor a porta de saída, foi surpreendido pelo acionamento do alarme antifurto, que atraiu a atenção dos demais freqüentadores, sendo que, de imediato foi abruptamente abordado pelo Fiscal do requerido, que averiguou todas as mercadorias até retirar o dispositivo de alarme de uma delas.

Alegou que houve culpa objetiva do requerido, na medida em que o funcionário responsável pelo deslacre do produto agiu com negligência, causando a situação vexatória. Sustentou que tal fato lhe ocasionou um enorme abalo em sua honra e reputação, principalmente por ser o presidente do Bauru Atlético Clube e ex-Secretário dos Esportes do Município de Bauru. Requereu a procedência do pedido para condenar o réu ao pagamento da importância equivalente a 300 (trezentos) salários mínimos ou, alternativamente, de valor a ser fixado a critério do Juízo. Juntou os documentos de fls. 19/39.

Citado, o réu apresentou contestação, na qual alegou, em suma, que seus funcionários tentaram amenizar a situação, tratando o autor com educação, sendo que este que teria se exaltado e proferido palavras de baixo calão, tendo, inclusive se recusado a retirar o carrinho de compras do local, obstruindo a passagem e agravando a situação.

Sustentou que o dispositivo magnético foi encontrado em um “tico-tico”, o que é incomum em tal tipo de produto, sendo que provavelmente estava ali por haver se desprendido de alguma outra mercadoria em face do manuseio pela clientela, razão pela qual a operadora do caixa sequer passou o mesmo pelo desmagnetizador. Alegou que não houve revista pessoal nem acusação da prática de furto. Aduziu que o procedimento de seus funcionários foi correto, não havendo exposição do autor a situação vexatória ou violenta. Ponderou que a indenização postulada é excessiva e concluiu requerendo a improcedência do pedido (fls. 45/72).

O autor apresentou réplica à fls. 80/86.

Designada a audiência de instrução e julgamento, foi colhido o depoimento pessoal do representante legal do requerido e foram ouvidas testemunhas arroladas pelas partes.

Em alegações finais, o autor reiterou o acolhimento de sua postulação inicial e o réu manifestou-se pela improcedência da ação (fls. 169/174 e 175/186).

relatório.

Fundamento e decido.

Trata-se de ação de conhecimento que objetiva a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos exclusivamente morais, decorrentes de situação vexatória e constrangedora a que o autor foi submetido quando após realizar compras no estabelecimento do réu e efetuar o devido pagamento, foi surpreendido pelo acionamento do alarme antifurto.

Restou incontroverso que o alarme instalado na saída do estabelecimento do réu soou quando o autor por ele passou, em decorrência de um lacre magnético que não fora retirado de uma das mercadorias por este adquirida, fato este, que além de não negado pelo requerido, foi confirmado pelas testemunhas em Juízo.

Assim, não há dúvida de que o autor, que é Presidente de um clube esportivo desta cidade, experimentou inegável constrangimento ao ser surpreendido, ao sair do estabelecimento comercial da ré pelo acionamento do alarme antifurto. Tal fato ocorreu num Sábado (30/09/2000), por volta de 13:35 horas (conforme cupom fiscal de fls. 22), sendo que ainda que se admita que o estabelecimento não estivesse em seu “horário de pico”, como afirma o requerido, é evidente que o fato foi presenciado por outras pessoas que certamente freqüentavam a loja naquele momento, dentre elas as testemunhas Abelardo Marcos Maia (fls. 127/130) e Mário César Santini Mariano (fls. 131/133).


Também é certo que ainda que o lacre tenha sido encontrado em produto que habitualmente não o contém, é dever do requerido, por meio de seus funcionários, providenciar a retirada do dispositivo. Uma vez que o sensor, ainda que pelo manuseio das mercadorias, tenha sido acoplado a um produto, cumpre ao operador de caixa diligenciar, verificando todos os produtos que passam por ele, e providenciar a retirada do dispositivo, sendo que o cliente não pode ser prejudicado por uma negligência de funcionários do réu.

Cumpre salientar, ainda, que além das testemunhas acima citadas terem declarado que tiveram a atenção despertada pelo acionamento da campainha, os próprios funcionários do requerido, ouvidos como testemunhas em Juízo, confirmaram que o alarme pode ser ouvido a uma distância razoável pelos freqüentadores da loja (fls. 124 e 143).

As testemunhas arroladas pelo autor também foram uníssonas em afirmar que o requerente sofreu vários tipos de constrangimentos e insinuações jocosas no clube do qual é Presidente, sendo que o fato tornou-se conhecido por vários funcionários e freqüentadores do clube.

Observo que o fato do autor ter, eventualmente voltado a freqüentar o estabelecimento do réu após o incidente, em nada abala o constrangimento que sofreu por conta do ocorrido.

O Ministro Athos Carneiro (RESO 1.604-SP) incorpora em seu voto considerações expendidas pelo eminente Desembargador Oscar Gomes da Nunes, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como relator de aresto publicado na “Revista de Jurisprudência” do TJRS, 72/309, nos seguintes termos:

“A reparabilidade do dano moral, como observa Aguiar Dias, é hoje admitida em quase todos os países civilizados. A seu favor e com prestígio de sua autoridade, pronunciaram-se os irmãos Mazeud, afirmando que não é possível em sociedade avançada como a nossa, tolerar o contra-senso de mandas reparar o menor dano patrimonial e deixar sem reparação o dano moral” (conforme Aguiar Dias, “Da Responsabilidade Civil”, tomo II, página 737).

A professora Ada Pellegrini Grinover, em parecer emitido em 02 de agosto de 1990, leciona:

“Pois bem. Como já dito, os incisos V e X do artigo 5º da Constituição, tomam clara posição quanto à prevalência da finalidade compensatória, proporcional ao agravo, da reparação moral. E, ao traçar o perfil da responsabilidade dele decorrente, estabelecem de logo os seguintes princípios:

a) – A obrigação de reparar o dano moral passa a ser regra geral do ordenamento brasileiro;

b)- A amplitude do texto constitucional é incompatível com as restrições anteriores, seja no tocante à exclusão da reparação do dano puramente moral, seja no que tange aos limites impostos à indenização;

c)Fixando o critério de proporcionalidade de reparação em relação ao agravo (art. 5º, inciso V), a Constituição adota francamente o princípio de que a indenização além de seu caráter punitivo, guarda um caráter francamente compensatório;

d) O caráter compensatório da reparação do dano moral não se coaduna com seu tarifamento ou com limitações e tetos impostos pela legislação anterior que, sob esse aspecto, perdeu eficácia;

e) Harmonizam-se, ao contrário, com a Lei Maior critérios gerais que levem em consideração a gravidade e extensão dos males sofridos pelo ofendido, bem como sua personalidade (família, profissional, social), a gravidade do agravo e as condições do ofensor (cf. ROBERTO BREBBIA, El. Dano moral, p. 119)…”

E mais. Wladimir Valler nos ensina que “a reparabilidade do dano moral no Direito brasileiro, no plano constitucional, está prevista na Constituição de 1988, no Capítulo que trata “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, que no artigo 5º, n. V, declara ser “assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e no inciso X, depois de ressaltar que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, assegura o direito a indenização “pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”” (“A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro”, E. V. Editora Ltda., 3a Edição, 1995, pgs. 43/44).

Considerando todos esses ensinamentos, não há como se negar que o autor faz jus à indenização por dano moral, mesmo que o lacre magnético responsável pelo acionamento do alarme estivesse em produto não usual, devido ao provável manuseio das mercadorias pela clientela, ainda que o autor estivesse fazendo compras sozinho e ainda que o estabelecimento requerido não estivesse em seu “horário de pico” de movimentação de pessoas.

A propósito, cabe lembrar que “é devida a indenização por danos morais ao cliente de estabelecimento comercial que, ao deixar suas dependências, é interpelado por segurança em razão do acionamento injustificado de alarme antifurto, causando-lhe constrangimento e humilhação pública” (TAMG – Apelação Cível n.º 0252673-0 – Belo Horizonte – 4a Câmara Cível – Rel. Ferreira Esteves – j. 13.05.1998).


De outro lado, os funcionários do requerido, embora seus depoimentos devam ser vistos com cautela, afirmaram que o autor estava bastante exaltado, proferindo palavras de baixo calão, recusando-se a retirar o carrinho do local, o que teria contribuído para o alarde da situação, sendo que o mesmo ainda teria dito que “eu não via a hora disso acontecer… agora eu vou “fuder” essa empresa” (fls. 141). Já a testemunha presencial Abelardo Marcos Maia, indagado se o autor estava exaltado, disse que ele estava apenas “envergonhado com a situação” (fls. 129).

Cumpre observar que a testemunha Ricardo Manrique Barone disse que tomou conhecimento do fato pelo próprio autor, além do relato da testemunha Marcos César (fls. 139).

Também não restou comprovado que o autor foi abordado de maneira grosseira ou autoritária pelos funcionários do réu, nem tampouco que sofreu revista pessoal ou conferência que insinuasse a prática de furto pelo autor.

Assim, todos esses fatos acima ressaltados devem ser considerados, cada qual com seu devido valor probatório, não para eximir a culpa do requerido ou de seus funcionários, mas para balizar a fixação do montante justo da indenização.

A partir de agora, cabe apenas analisar o valor da indenização.

Embora não tenha o direito positivo instituído especificamente o montante para a reparação da honra e moral violadas, tem-se adotado o critério estabelecido no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n.º 4.117, de 27.08.196), entre 05 (cinco) e 100 (cem) vezes o salário mínimo, por ser a única norma positivada a prever uma quantificação.

Ademais, o quantum deve ser fixado no montante hábil a proporcionar ao lesado a compensação justa do abalo sofrido, produzindo, em contrapartida, desestímulo no réu, dissuadindo-o de praticar igual e novo ato antijurídico causador de danos morais. Para essa fixação, deve-se levar em conta todos os fatores que envolveram a causa, ou seja, a lesão moral do autor, a conduta do réu, bem como as circunstâncias quando da violação do patrimônio moral. Portanto, fixar-se-á a indenização dos danos morais, por equidade, como acima exposto, em 20 (vinte) salários mínimos vigentes, ou seja, R$ 3.620,00 (três mil, seiscentos e vinte reais), importância que se afigura adequada, segundo as circunstâncias do caso, na medida em que não se mostra inexpressiva e ao mesmo tempo não constitui fonte de enriquecimento injustificado do acionante.

Posto isso, julgo PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a pagar ao autor a quantia de R$ 3.620,00 (três mil, seiscentos e vinte reais), a ser acrescida de correção monetária a contar do ajuizamento da ação (24/04/2001) e juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês a contar da citação. Sucumbente, arcará o requerido com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, atendidos os requisitos estabelecidos no artigo 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil.

P. R. I.

Bauru, 10 de outubro de 2001.

Adriana Tayano Fanton

Juíza Substituta

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