Disputa por boi

Advogado critica ações individuais contra a Boi Gordo

Autor

3 de janeiro de 2002, 9h46

Muito embora as medidas cautelares tenham perdido um pouco sua razão de ser, ante a norma do art. 273, do CPC, com a redação dada pela Lei 8.952/94, que introduziu no sistema processual o instituto da antecipação da tutela, – (esta é menos onerosa e mais prática) – há profissionais que ainda preferem operar com dois procedimentos distintos (cautelar + principal), quando poderiam fazê-lo com apenas um (principal).

Tecnicamente são medidas processuais cabíveis, só que in casu, o profissional deve ter uma visão pragmática, real e fria da situação processual que envolve a atual Concordata da BOI GORDO.

É fato incontroverso que, muito embora exista um processo de Concordata Preventiva das FRBG (Proc. nº 193/2001, Comodoro-MT), a empresa está tecnicamente falida, por ter requerido o benefício da moratória, num processo recheado de falhas, onde não foram observadas as determinações de certas normas e no qual a própria empresa confessa seu estado falimentar; ela está falida contabilmente, financeiramente e sob o aspecto técnico-processual só aguarda o momento do óbito.

É lamentável que uma empresa próspera, que tinha tudo para dar certo, apressadamente, ao que tudo indica, tenha tomado uma medida que prejudicou mais de 30.000 “parceiros-lesados”, dos quais, 28.000 são pequenos investidores, isto é, aqueles com aplicações abaixo de R$ 50 mil.

É a partir desta premissa que analisaremos a situação das apreensões judiciais, tais como seqüestros e arrestos em processos cautelares.

Se a firma está falida, irremediavelmente falida, forma-se a comunhão de credores, que na doutrina de Rubens Requião “impõe que todos sejam atraídos pela vis attractiva do processo falimentar e que este seja indivisível”(1), tratados igualmente na classe de seus créditos.

O processo de falência é uma “execução coletiva, sujeito ao princípio do par condicio creditorum, que proporciona tratamento igualitário a todos os credores”(2), observados quanto aos pagamentos os critérios de classificação dos créditos (LF 102 e 124).

Walter T. Álvares nos ensina que “tudo volta para a massa: os bens penhorados, ou apreendidos por via judicial, que nem aí escapam à arrecadação”(3).

No mesmo diapasão, Nelson Abrão esclarece que a arrecadação é feita com a assistência do Ministério Público, e atinge inclusive os bens em poder de terceiros, assim como “os bens sujeitos a medidas de constrição judicial (penhora, arresto, seqüestro) em procedimentos singulares, sofrem os efeitos da vis attractiva da arrecadação”(4)

Luiz Tzirulnik também é bem claro ao afirmar que mesmo os bens que estejam fora da posse do falido por estarem penhorados ou de qualquer forma apreendidos serão arrecadados, entrando para a massa.”(5)

A arrecadação compreende, portanto, todos os bens, inclusive os que estiverem fora da Comarca da falência e até no exterior, assim como os bens já apreendidos por ordem judicial, conforme doutrina José Da Silva Pacheco(6), tudo obedecendo o comando do Parágrafo 4º, do art. 70, da Lei de Falência.

Há um total consenso na doutrina, segundo o qual qualquer que seja o motivo da apreensão judicial levada a efeito antes da falência, os bens objeto da constrição, apreensão, seqüestro ou guarda, serão arrecadados pela massa falida a quem passarão a pertencer.

No concurso de credores pela vis attractiva dos processos normados pela legislação falimentar, nenhum credor pode ser beneficiado em detrimento de outro na mesma classe.

Só há exceção para o rol da classificação dos créditos previsto no art. 102 do DL 7.661 e art 186 do CTN (Créditos de empregados, salários, indenizações trabalhistas, tributários, créditos com direitos reais de garantia, com privilégio especial, com privilégio geral e quirografários).

Alguém poderá dizer que os bens reservados em processos para apuração de valores ilíquidos, não serão arrecadados, pois têm havido interpretações dúbias, que Rubens Requião esclarece dizendo que, “a expressão títulos não sujeitos a rateio deve ser entendida em termos: TÍTULO não quer dizer documento, como se usa na expressão título de crédito, mas possui o sentido de direito. Títulos não sujeitos a rateio são os direitos que gozam de privilégio ou preferência”.(7)

Ora, quanto aos credores por contrato de compra e venda de gado para engorda, para recebimento futuro, quando o comprador tenha satisfeito sua obrigação no início, esclarece Rubens Requião, que “se o crédito se tornar líquido, condenada a massa a pagar quantia certa, o crédito será incluído na falência, na classe que lhe corresponder.”(8)

Entendemos que tais contratos são aqueles referenciados por Walter T. Álvares, como contratos bilaterais quando a prestação de uma das partes (in casu, comprador do gado) já tenha sido realizada; para esta hipótese diz o doutrinador mineiro: “muito adequadamente Miranda Valverde também acrescenta os contratos bilaterais, quanto aos efeitos, quando a prestação do credor já estiver totalmente realizada e, por conseguinte, caracterizada a dívida da outra parte, que venha a ser declarada falida. Neste caso, ainda que a data da prestação pelo devedor ainda não se tenha vencido, a falência determina o seu vencimento antecipado“.(9)

Se há vencimento antecipado não há necessidade de se interpelar o síndico para cumprimento do contrato, mesmo porque seria uma medida ineficaz; no caso específico das FRBG, tendo a empresa ao requerer a Concordata relacionado os investidores como “credores quirografários”, implicitamente já reconheceu que não irá cumprir os contratos, que não tem condição de pagá-los, e muito menos tem dinheiro para fazê-lo, o tornaria um contra-senso interpelá-la após sua falência (LF, parágrafo único do art. 43).

“Dá-se o contrato de compra e venda a termo”, define-o Carvalho de Mendonça, “quando se estipula um termo ou prazo para, dentro dele, o vendedor entregar a cousa vendida e o comprador pagar o preço contemporaneamente. Ele se executa em época mais ou menos afastada da sua formação, mas sempre fixada. A época predeterminada em que se realiza chama-se dia da liquidação”.(10)

O inciso V, do art. 44, da LF norma que “tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em Bolsa ou Mercado, e não se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e pagamento do preço, prestar-se-á a diferença entre a cotação do dia do contrato e a da época da liquidação.”

Ora, sopesando a lei com a doutrina, é oportuno lembrar a observação de Nelson Nery Júnior, segundo a qual “coisa que tenha cotação na Bolsa e no Mercado. O cálculo do valor do pagamento de coisa que ainda deverá ser entregue e paga será calculado com base na oscilação de valor havida entre o dia do contrato e o da época da liquidação”.(11)

Com base na conjugação dos diversos princípios doutrinários, levando em consideração que tais contratos têm seu vencimento, ou dia da liquidação, na data em que a falência é decretada judicialmente, os valores contratuais investidos devem ser atualizados pelas cláusulas e condições do contrato, até a data da sua “liquidação” ou falência da empresa; depois daí, aplica-se a Lei de Falência e Súmula nº 8 do STJ.

Se válido o raciocínio acima, parece-nos despicienda qualquer medida individual deste ou daquele credor para fazer apreensões judiciais, nas quais terá ônus pesados de conservação e guarda, além de riscos e custo com os procedimentos (cautelar e o principal), sabendo-se de antemão que mais cedo ou mais tarde tais bens serão arrecadados e integrarão a massa falida para rateio igualitário entre todos os credores sem qualquer distinção ou privilégio por ter se antecipado nesta ou naquela medida de proteção, que, inegavelmente beneficiará a todos os credores indistintamente.

Notas de Rodapé

Curso de Direito Falimentar, 13ª Ed. Saraiva, 1989, 1º vol., pág. 137, nº 117

2 RUBENS REQUIÃO, ob. Cit., p. 137, nº 117

3 Direito Falimentar, 6ª ed. Sug. Literárias, 1977, nº 395, pág. 347

4 Curso de Direito Falimentar, 3ª ed. RT1989, nº 124, pág. 152,

5 Direito Falimentar, 5ª ed. RT, 1999, nº 118, pág. 153

6 Processo de Falência e Concordata Ed. Borsoi, 1970, vol. II, nº 692, pág. 632

7 Curso de Direito Falimentar, 13ª ed. Saraiva, 1989, 1º vol. 138/139

8 ob. cit. Nº 117, pág. 139

9 Direito Falimentar, 6ª ed. 1977, Sug. Literárias, nº 293, pág. 255.

10 Cf. RUBENS REQUIÃO, Curso de Direito Falimentar, 13ª ed. Saraiva 1989, 1º vol.,

pág. 173, nº 152

11 Código de Processo Civil Comentado, 4ª ed.RT, nota 5, ao inciso V, do art. 44, da Lei de Falências.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!