Dias melhores

Marco Aurélio: Judiciário evolui e influi cada vez mais na vida do paí

Autor

  • Marco Aurélio de Mello

    é ministro do Supremo Tribunal Federal presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do IMAE — Instituto Metropolitano de Altos Estudos das Faculdades Metropolitanas Unidas — FMU.

1 de janeiro de 2002, 15h26

A situação do Poder Judiciário brasileiro é bem emblemática do momento vivido pelo país. Um pessimista olharia para o elevado número de processos – somente no Supremo Tribunal Federal, instância máxima, foram protocolados mais de 111 mil – e enxergaria o caos.

Aqueles mais otimistas concluiriam que os brasileiros aprenderam o caminho da cidadania e, confiando no pleno funcionamento das instituições, que se habituaram a bater às portas da Justiça sempre que diante de qualquer incerteza sobre seus direitos. É bom que assim seja. Pior seria o recurso à força, ao arbítrio e à truculência.

Considero que, na análise da questão relativa à sobrecarga do Judiciário e, portanto, à morosidade nos julgamentos, devemos levar em conta que nos encontramos, no tocante à demanda, no pico de uma curva em descendência. Afinal foram mais de dez planos econômicos em cerca de 15 anos. As controvérsias que deles resultaram ainda estão sendo dirimidas pelos magistrados. Felizmente a estabilidade econômica inaugurou uma fase em que podemos sonhar com projetos mais amplos e realizações de peso, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, diploma que, sem sombra de dúvidas, deu outro norte à administração pública nacional.

Olhando corajosamente para a frente, mas sem as travas do desalento, há motivos para vislumbrar melhores dias para os jurisdicionados: a reforma do Poder Judiciário, já na etapa final, a atualização de alguns códigos e a ampliação do número e da área de atuação dos juizados especiais alicerçam a expectativa de que a desburocratização dos procedimentos e a simplificação dos trâmites processuais, sem prejuízo da segurança jurídica, virão ao encontro da tão sonhada celeridade nos julgamentos.

Há, entretanto, uma irrefutável razão para dar boas vindas ao novo ano de um modo bem mais entusiasmado: as eleições se aproximam e, com elas, inicia-se o período de renovação dos mandatos políticos, a exigir debates, reflexões, escolhas e, acima de tudo, esperança.

Parece-me contraditório cultivar o pessimismo num país em que contamos com a garantia de um processo eleitoral isento, ágil e seguro, no qual impera, soberana, a vontade do eleitor, principalmente quando este se mostra cada vez mais esclarecido e participante, haja vista a crescente força da opinião pública em episódios a envolver desvios de conduta, sobretudo de autoridades. Prova disso é a maior atenção dada às investigações promovidas pelas CPIs e pelo Ministério Público, às decisões dos Tribunais de Contas e às denúncias de uma imprensa muitíssimo vigilante. Os contribuintes – e todos somos – estão sempre a exigir do poder público probidade e ética.

Como não ser otimista?

Para os que ainda assim se dizem exaustos de esperar pelo futuro, não custa lembrar que a revolução tecnológica promovida com a informatização permitiu mais celeridade, economia, segurança e transparência num Judiciário próximo da sociedade. Foi-se a época em que se perdia o rumo dos processos em meio à burocracia e à distância do planalto central. Hoje é possível acessar pela internet, em algumas regiões, até o inteiro teor dos acórdãos. E essa transparência ainda mais se acentuará com a implantação da TV Justiça, já em meados do ano vindouro.

Por outro lado, aos poucos surge um novo perfil de magistrados, bem diferentes daqueles que se escondiam atrás de imensas pilhas de processos para, assim, se escusarem de habitar o mesmo mundo dos jurisdicionados. A sociedade quer, sim, juízes, e não semideuses encastelados em torres de marfim.

O Judiciário não pode se fechar em torno de si mesmo, omitindo-se, furtando-se de participar dos destinos da sociedade brasileira. Isso, antes de gerar suspeições, estarrecimentos e editoriais malcriados, deve ser visto como uma conseqüência benfazeja do processo de amadurecimento das instituições democráticas. O juiz tem de ser um cidadão atento ao cotidiano da comunidade em que vive, em vez de um robô repetidor de leis. Só assim será sensível o bastante para proferir decisões sábias. Em suma, incluo, entre as boas novas, a feição moderna, acessível e mais próxima do Judiciário, como que para combinar com este terceiro milênio.

Analistas internacionais abalizados enxergam, no Brasil, não o país do futuro, mas “o futuro” se concretizando a passos largos. Deixemos, portanto, a apatia, o descrédito, a desesperança, enfim, os muxoxos de lado.

Dias melhores não tardam. Não. Ainda que haja muito por fazer, dias melhores devem ser sempre os que vivemos, porque não se repetem jamais. Então é abrir as portas do coração à alegria e ao entusiasmo e, enfim, ao agradecimento por tudo que de bom conseguimos com o só mister do trabalho contínuo e honesto, sem guerras, trapaças, ódios ou intolerâncias, e celebrar o ano que se avizinha com alvíssaras e cantos de paz.

Artigo transcrito da Folha de S.Paulo

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    é ministro do Supremo Tribunal Federal, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do IMAE — Instituto Metropolitano de Altos Estudos das Faculdades Metropolitanas Unidas — FMU.

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