Flexibilização da CLT

Juízes e advogados tentam suspender propaganda do governo

Autor

26 de fevereiro de 2002, 12h18

Juízes e advogados trabalhistas querem suspender a campanha publicitária do governo em defesa da flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho. Por isso, os presidentes da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Hugo Melo Filho, e da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Luis Carlos Moro, entraram com uma Ação Popular na 16ª Vara Federal de Brasília, nesta terça-feira (26/2), para tentar suspender propaganda do governo.

Segundo os advogados e juízes trabalhistas, o objetivo da campanha é propagar supostas vantagens da aprovação da flexibilização da CLT, proposta pelo governo, às custas do Erário. “A campanha é agressiva, milionária e não encontra precedentes na história. Nunca se gastou tanto para aprovar um Projeto de Lei no Congresso Nacional”, disse o presidente da Anamatra.

De acordo com as entidades, a campanha viola o princípio da impessoalidade, ao promover lideranças sindicais, que ostentam carreira política. Também estaria violando o princípio da moralidade administrativa, ao promover aliados políticos-sindicais, numa fase em que o projeto ainda está em discussão no Congresso Nacional.

“O propósito mais parece demonstrar ao Senado Federal a firmeza da intenção governamental, constrangendo os senadores à aprovação do projeto”, afirmam as entidades na ação.

Audiência pública

O presidente da Anamatra, Hugo Melo Filho, participa nesta terça-feira de uma audiência pública conjunta das Comissões de Assuntos Sociais e de Constituição e Justiça no Senado.

A reunião servirá para discutir o Projeto de Lei 134/01, que flexibiliza a CLT. Anamatra deve distribuir um estudo no qual estão relacionados alguns dos direitos dos trabalhadores que serão extintos caso o projeto seja aprovado.

O estudo relaciona 57 direitos passíveis de serem alterados pela negociação coletiva. Entre eles está o fim da equiparação salarial e de diferenças salariais advindas do desvio de função, possibilidade de dispensa por justa causa do empregado no caso de greve e o fim da necessidade de pagamento de salário mensal.

Veja o pedido de número 2002.34.00.004534-0

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da MM. 16ª Vara Cível da Justiça Federal da Capital da República

Os Cidadãos:

Luís Carlos Moro, brasileiro, casado, advogado, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, portador do documento de identidade R.G. xxxx, expedido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda sob o número xxxx, cidadão brasileiro com o título de eleitor número xxxx, inscrito na 5ª Zona Eleitoral de São Paulo, na 155ª Seção Eleitoral, com endereço profissional à Avenida Paulista, 2.001, 1º andar, São Paulo, Capital, CEP 01311-931, em causa própria, doravante dito apenas autor; e

Hugo Cavalcanti Melo Filho, brasileiro, casado, Juiz do Trabalho, presidente da ANAMATRA – Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho, portador do documento de identidade R.G. xxxx, expedido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pernambuco, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda sob o número xxxx, eleitor número xxxx, inscrito na 39ª Zona Eleitoral de Bonito, Pernambuco, na 34ª Seção eleitoral, com endereço profissional no Setor Comercial Sul, Quadra 7, Bloco A, Sala 825, CEP 70311-911, representado pelo seu advogado infra assinado, doravante dito segundo autor;

ambos vêm à presença de Vossa Excelência, apresentar Ação popular com pedido de liminar para sustação de veiculação de campanha publicitária contra o Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, Doutor Francisco Oswaldo Neves Dornelles, doravante dito réu, a ser citado na sede do Ministério do Trabalho e Emprego, na Esplanada dos Ministérios, Bloco F, Brasília, Distrito Federal, CEP 70059-900, tudo pelos motivos de fato e fundamentos de direito que passam a expor:

1. Da Legitimidade Ativa da Ação

Segundo o artigo 1º da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, qualquer cidadão é parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União.

Os autores, além de cidadãos, são dirigentes de classe, vindo, embora sob seus nomes, representar interesses das categorias que suas entidades congregam, quais sejam, dos advogados e magistrados trabalhistas.

Estão perfeitamente legitimados a propor a presente ação popular.

2. Dos Motivos Ensejadores da Presente Ação

Tramita no Senado Federal um projeto de lei, de autoria do Executivo, que tomou o número, naquela Casa, 134/2001, ao qual vem o Governo Federal emprestando o nome de “Reforma Trabalhista”.


A tal projeto, atribuiu-se premência na tramitação, através do instituto previsto no parágrafo 2º do artigo 64 da Constituição Federal.

Antes de tramitar pelo Senado da República, foi aprovado, por apertada margem de votos, na Câmara dos Deputados, quando ainda era o projeto de lei 5.483/2001.

Independentemente do nefando conteúdo do projeto, na estratégia de sua aprovação, o réu acabou por desbordar da legalidade e deverá ser condenado a restituir aos cofres públicos o quanto fez despender do Erário.

Sucede que o aludido projeto encontra-se em plena tramitação na Câmara Alta. E, a despeito de estar na fase de discussões preliminares, passando pelas Comissões de Constituição e Justiça e do Trabalho, o réu, mentor do projeto, deflagrou, às expensas do Erário, uma campanha publicitária de imensas proporções.

Demonstraremos, no corpo da presente peça, que a autoridade ré é responsável pela veiculação de tal campanha, a qual, além de lesiva ao patrimônio público, é maculada por ilicitude do objeto, inexistência de motivos e desvio de finalidade, razões prescritas no artigo 2º da Lei 4.717/1965 como permissivas da ação popular.

3. A Campanha e Violação ao Princípio da Impessoalidade

Além da lesividade economico-financeira que a campanha comporta, dado o caráter de abrangência nacional e a utilização de todos os meios de imprensa (escrita, falada e televisionada), há uma flagrante violação da ordem institucional.

Isso porque a aludida campanha, desconsiderando o fato de que tramita no Senado Federal um projeto de lei nesse sentido, e sem esclarecer à população de que a chamada “Reforma Trabalhista” ainda não constitui um fato consumado, apresenta uma série de irregularidades.

A primeira diz respeito à violação do princípio da impessoalidade, insculpido no caput do artigo 37 de nossa Carta Política.

A campanha, não obstante financiada às expensas do dinheiro público, veicula orações de lideranças sindicais que se dizem favoráveis à propositura do projeto de lei (sem sequer o esclarecimento de que se cuida de um projeto de lei), além da mensagem do governo no sentido de que a prevalência da negociação sobre o texto de lei é uma grande evolução das relações capital-trabalho.

O princípio que se pretende acolher escarnece do princípio da legalidade: é o da “prevalência do negociado sobre o legislado”.

Tais líderes sindicais assumiram o papel de garotos-propaganda, escolhidos a dedo pelo Ministério do Trabalho e Emprego, os quais são nominados, tendo sua imagem veiculada em fotografias amplas, filmes para televisão e seus nomes dados a público em grande evidência.

Ao promover lideranças sindicais escolhidas arbitraria e irregularmente, o réu acaba por violar o princípio da impessoalidade da administração pública.

Não fosse isso bastante, o Ministro promove, com o dinheiro público, a figura pessoal de lideranças sindicais, as quais, a par da vida sindical, ostentam carreiras políticas, que não poderão ser subvencionadas pelo Estado, por mais que tais pessoas venham a ser simpáticas ao ocupante momentâneo do cargo de Ministro do Trabalho.

Ao escolher tais pessoas, discricionariamente e sem respeito ao princípio da impessoalidade, o representante do Governo Federal, réu na presente ação popular, acabou por incidir em ilegalidade, a qual, por si só, já macula o ato da determinação de promover tal campanha, a qual merece, por tais razões, seja imediatamente sustada, preservando os cofres públicos dos riscos que a sua continuidade imporá.

Há ainda, a par da violação de princípio de ordem constitucional, vulneração da lei eleitoral brasileira, mais especificamente do artigo 24 da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, assim disposto:

“Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, (Grifo nosso) procedente de:

I – omissis;

II – órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público;”

Ora, ainda que o réu negue, não há como deixar de reconhecer o caráter promocional que tais declarações de dirigentes sindicais adquirem. A própria Lei 9.504/1997 manifesta o entendimento técnico de que o uso, ainda que indireto, por qualquer meio de divulgação, constitui propaganda para fins de obtenção de resultados eleitorais (artigo 26, II).

Os aludidos dirigentes não podem ser isoladamente considerados, como meros dirigentes sindicais.

Como se verificará, são mais que isso…

E por expressa disposição do artigo 36 da Lei Eleitoral (9.504/1997), propagandas de cunho eleitoral só poderiam ser veiculadas “após o dia 5 de julho.”


4.Da Violação ao Princípio da Moralidade

Ao promover os aliados político-sindicais, numa fase em que o projeto de lei ainda encontra-se em plenos debates, o réu incide em dupla violação ao princípio da moralidade administrativa, que a Ação Popular visa preservar (Constituição Federal, artigo 5º, LXXIII e artigo 37, caput).

A uma razão, porquanto não atendido o caráter necessariamente informativo, educativo ou de orientação social que a publicidade do projeto governamental deve ostentar (conforme parágrafo 1º do artigo 37 da Carta Magna). O propósito mais parece de demonstrar ao Senado Federal a firmeza da intenção governamental, constrangendo os senhores Senadores à aprovação do projeto.

Durante o período em que se cuida de um projeto, fosse a moralidade uma das preocupações governamentais, haveria de promover um debate democrático, com a apresentação das diversas correntes de opinião. Mas o réu, como agente público, revela o desapreço pela democracia. Além de valer-se de uma via legislativa rápida, propositalmente impeditiva dos debates, acaba por tentar impor a sua opinião como única admissível, promovendo-a com os recursos públicos ainda antes do término dos debates legislativos.

Além disso, nítido o propósito de promoção pessoal de líderes sindicais vinculados aos partidos da base governista.

Exemplifica-se com os líderes promovidos Paulo Pereira da Silva, que é, além de presidente da Força Sindical, (entidade que a legislação brasileira não acolhe como de natureza sindical), vice-presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, no Estado de São Paulo;

Roberto Santiago, que, além de dirigente sindical de entidade que congrega trabalhadores de asseio e conservação e diretor do braço sindical do Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB), é àquela agremiação partidária filiado, tendo sido e já se apresentando como candidato a deputado federal;

Enilson Simões de Moura, o “Alemão”, presidente da Social Democracia Sindical e filiado ao Partido a que pertence o Presidente da República, a quem o réu serve como Ministro de Estado.

Todos esses aspectos são reveladores da violação do princípio da moralidade administrativa. E, neste passo, vale invocar a lição de Manuel Gonçalves Ferreira Filho, no sentido de que:

“…, a Constituição vigente, na linha da jurisprudência, admite ação popular contra atos lesivos à moralidade administrativa, (Grifo inexistente no original in Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva. Vol. I, página 84) ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.”

5. Da Inexistência dos Motivos

Por que razão haveria o Governo Federal de investir – alto – em propaganda acerca de um projeto de lei?

Não há justificativa para tal dispêndio, senão aquelas relacionadas ao desvio de finalidade com que operou o réu.

6. Do Desvio de Finalidade

Sob a aparência de “campanha de esclarecimento”, o Ministério do Trabalho e Emprego, por determinação do réu, acaba por inaugurar um meio absolutamente ilícito de obter o seu intento: Fazer incidir a pressão publicitária sobre os Senadores.

Visa a campanha estabelecer na população a sensação de inexorabilidade da pretensão legislativa governamental, reduzindo o espaço democrático de discussão no Congresso Nacional. Além disso, diante de anúncio da bancada de um dos partidos da base de sustentação do governo de contrariedade ao projeto, já que as investindas internas eram incapazes de demover a contrariedade que o projeto suscita, partiu o réu para a ofensiva de pressões externas, desviando a finalidade da propaganda governamental.

A estratégia de impor às duas casas o regime de urgência constitucional, a despeito da complexidade do tema que o projeto de lei envolve, a apresentação do projeto como o grande feito do Ministério do Trabalho, num período em que sequer está apto a ser votado, tudo isso revela um notável desvio de finalidade de tal campanha publicitária.

O interesse público está absolutamente distante de tal proceder. Promove-se tão somente o interesse privado de um único lado da relação capital-trabalho, às expensas da nação, como se tais interesses necessitassem de patrocínio público.

As notícias veiculadas na imprensa dão conta de que tais gastos alcançam, no mínimo, R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais).

Enquanto o réu se empenha no projeto de desmonte do substrato legal trabalhista e expende fortuna na promoção de sua tese, a advocacia e magistratura se vêem diante da necessidade de promover esforços hercúleos para prosseguir trabalhando em precaríssimas condições, as quais não são incrementadas ao argumento de ausência de disponibilidade orçamentária.


O Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por exemplo, foi vítima de um incêndio que incinerou milhares de processos. Auxílio do Executivo Federal, não houve nenhum. O Judiciário Trabalhista permanece cerrado, sem atendimento, como se não fosse imprescindível à democracia.

Em outras praças, o mesmo sucede, a despeito da Justiça do Trabalho estar proporcionando enormes arrecadações a título de tributos e contribuições decorrentes das ações que ali tramitam.

É nesse cenário que se pretende impor a disponibilidade de direitos indisponíveis. A negociabilidade da lei. A cominação da eficácia normativa do Poder Legislativo. O regime de imposição da força negocial como decorrência da força econômica. Tudo sob o generoso patrocínio do Governo Federal.

7. Do Pedido De Apresentação De Informações

A ilicitude, a lesividade, a imoralidade e a pessoalidade dos atos do réu ficaram claras. É preciso, destarte, por meio da presente ação, pôr termo ao prejuízo público resultante.

Também é de requerer a apresentação, pelo réu, de informações acerca da extensão e do conteúdo de tais mensagens publicitárias, veiculadas nas grandes redes de televisão, rádio e jornais.

Deverá o réu trazer o contrato firmado com a agência Artplan, responsável pela divulgação da campanha publicitária, assim como todo o processo licitatório que lhe conferiu essa possibilidade, tudo para a verificação completa da ilegalidade do ato.

8. Do Pedido de Concessão de Medida Liminar

Diante de todo o exposto, é a presente para requerer seja deferida, liminarmente, a ordem de sustação da veiculação da campanha publicitária determinada pelo réu, evitando-se maior lesão ao Erário.

9. Do Pedido

Após deferida a medida liminar pretendida, requerem seja a mesma confirmada, tornando-a definitiva, bem como haja a declaração da ilicitude e lesividade de tal campanha, com anulação do ato ora inquinado, devendo, após cognição exauriente, ser condenado o réu a devolver aos cofres públicos o valor correspondente à veiculação de mensagens publicitárias já consumada, em todos os veículos e meios de comunicação (jornais e revistas, emissoras de rádio e televisão), como medida pro populo, de legalidade e justiça.

10.Requerimentos Finais

Requerem, ainda, citação do réu para que, querendo, conteste a presente ação, através da Advocacia Geral da União, cujo endereço é Setor de Autarquias Sul, Quadra 2, Bloco B, Brasília, Distrito Federal, CEP 70070-906. Pedem, ainda, a oitiva do Ministério Público da União, atendendo ao comando do parágrafo 1º do artigo 6º da Lei 4.717/1965.

Protestam por todos os meios lícitos de prova, especialmente ofícios à Justiça Eleitoral, para que esclareça acerca da filiação político partidária das lideranças promovidas na campanha publicitária com desvio de finalidade.

Solicitam, ainda, seja o réu intimado a apresentar os documentos referidos, que dizem respeito à extensão (quais os veículos, com a juntada de todos os jornais e revistas, além das gravações destinadas à inserção no rádio e na televisão, esclarecendo as emissoras que as veicularam), duração e freqüência da exposição publicitária, seu conteúdo, contratos e os valores envolvidos.

Deixam de atribuir valor à causa, face à isenção constitucionalmente prevista.

Termos em que pedem deferimento.

Brasília, Distrito Federal, 25 de fevereiro de 2002.

Luís Carlos Moro

OAB/SP 109.315

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!